Internacional

Países pobres perdem ajuda para os refugiados

Mulheres com seus filhos fazem fila na clínica de saúde do acampamento de Badbaado, nos arredores de Mogadíscio, na Somália, onde chegaram fugindo da seca Foto: AbdurrahmanWarsameh/IPS
Mulheres com seus filhos fazem fila na clínica de saúde do acampamento de Badbaado, nos arredores de Mogadíscio, na Somália, onde chegaram fugindo da seca Foto: AbdurrahmanWarsameh/IPS

Por ThalifDeen da IPS – 

Nações Unidas, 11/12/2015 – Um novo informe confirma que o aumento da assistência humanitária dirigida aos milhares de refugiados que chegam à Europa estaria reduzindo a ajuda que os Estados europeus destinam ao desenvolvimento dos países pobres.O informe da Concord, a confederação europeia de organizações não governamentais para o desenvolvimento e ajuda humanitária, indica que os orçamentos destinados à assistência são cada vez mais usados para cobrir os custos dos solicitantes de refúgio e asilo, que em 2014 aumentaram 145% na Holanda, 107% no Itália, 65% em Chipre e 38% em Portugal.

E, apesar das repetidas promessas, apenas quatro dos 28 Estados membros da União Europeia (UE) – Dinamarca, Grã-Bretanha, Luxemburgo e Suécia – cumpriram o compromisso de destinar 0,7% da renda nacional bruta à ajuda oficial ao desenvolvimento (AOD) em 2015, enquanto a UE em seu conjunto destinou somente 0,42%

Mais preocupante, segundo a Concord, é a tendência que começa a surgir nos países da UE de utilizar o orçamento destinado à AOD para cobrir os custos internos associados à recepção dos refugiados e solicitantes de asilo. Bulgária, Luxemburgo e Polônia decidiram não declarar como parte de sua AOD os custos que implicam os refugiados, por oposição a Espanha, Hungria e Malta.

O documento Ao Olhar Para o Futuro não se Esqueça do Passado – A Ajuda Além de 2015 indica que os maiores aumentos na AOD da União Europeia se concentraram em Romênia (alta de 65%), Croácia (41%), Estônia (21%),Hungria e Malta (cada um com 13%). Os aumentos também foram consideráveis na Alemanha (14%), Finlândia (14%), Grã-Bretanha (9%) e Suécia (7%), embora a previsão seja de que a AOD será reduzida substancialmente na Finlândia em 2015.

As principais reduções foram registradas em Lituânia (21%), Espanha (20%), Portugal (14%), França (8%) e Polônia (7%). Desses países, Espanha, França e Portugal são fonte de grande preocupação, já que mantêm a tendência decrescente dos últimos anos.

Sobre a redução na AOD, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, respondeu à imprensa na Finlândia no dia 9, que reconhece “as dificuldades e os desafios que muitos países europeus enfrentam”. Acrescentou que, “ao mesmo tempo, elogio esta liderança compassiva e o generoso apoio a muitos refugiados que buscam melhores oportunidades e segurança”.

Ban pediu “aos países ricos, aos países europeus, que aumentem seu apoio financeiro a todos esses imigrantes e refugiados, em lugar de desviar a ajuda já destinada ao desenvolvimento. Pode ser que tenha que desviar temporariamente e utilizar o dinheiro para o desenvolvimento com fins humanitários, mas no longo prazo, se esse tipo de tendência continuar, somente se fará perpetuar esse desequilíbrio”.

Se o desenvolvimento não avançar, vai gerar mais pessoas sem emprego e frustração, e “talvez tenham que fugir de suas casas novamente buscando melhores oportunidades”, ressaltou o secretário-geral.O informe da Concord diz que muitos ainda consideram a UE uma ferramenta para impulsionar a mudança política ou a liberalização nos países sócios, já que a AOD continua sendo condicionada ou tem uma agenda política “sugerida”.

O estudo alerta que os compromissos com AOD dos países da UE também correm o risco do “ecobranqueamento” para cumprir as promessas de financiamento climático com os países mais pobres e que esses compromissos de ajuda previamente existentes sejam considerados fundos para lidar com a mudança climática.

A Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, adotada pela ONU em setembro, exigirá um ambicioso financiamento de todos os atores. “O que falta até agora é a ação real da maioria – certamente não de todos – da comunidade de doadores para cumprir seus próprios compromissos e as promessas de ajuda, já que a UE descumpriu sua própria meta de 0,7% da renda nacional bruta em 2015”, destaca o documento. A ajuda continuará sendo uma fonte vital para o desenvolvimento nos próximos anos, destaca a Concord.

“Para garantir que o novo marco de desenvolvimento seja cumprido, a UE deveria alcançar o objetivo de 0,7% até 2020, de acordo com o compromisso assumido na Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em julho na cidade de Adis Abeba”, destacou Amy Dodd, apresidente da Concord. “Reconhecemos a urgência da crise de refugiados, mas continuamos convencidos de que a ajuda deve ser usada para apoiar o desenvolvimento” nos países pobres,opinou Jessica Poh-Janrell, da Concord Suécia.

“Os mais pobres do mundo não devem pagar a conta dos custos que implicam os refugiados na Europa. A AOD é essencial para evitar que mais pessoas tenham que abandonar suas casas. O investimento contínuo na luta contra a pobreza e a desigualdade nos países em desenvolvimento é, em última instância, a forma mais sustentável de enfrentar a crise no longo prazo”, acrescentouJanrell.

Em novembro, Ban exortou a comunidade internacional a não abandonar seu compromisso histórico com a AOD dos países mais pobres do mundo. O chamado ocorreu após uma conferência para obter promessas de financiamento realizada na ONU, no dia 10 de novembro, que informou uma “drástica queda” nos compromissos dos países doadores, de US$ 560 milhões em 2014 para US$ 77 milhões em 2015.

Na oportunidade Ban afirmou que os recursos de uma área não devem surgir em detrimento de outras. O desvio de fundos fundamentais para a ajuda ao desenvolvimento nesse momento crucial poderia perpetuar os problemas que a comunidade mundial se comprometeu a abordar, alertou.

“Reduzir a ajuda ao desenvolvimento para financiar o custo dos movimentos de refugiados é contraproducente e causará um círculo vicioso prejudicial para a saúde, a educação e as oportunidades de uma vida melhor em seu próprio país de milhões de pessoas vulneráveis em todas as partes do mundo”, afirmou o secretário-geral. Envolverde/IPS