Internacional

Cientistas pedem mais ciência climática humana

Uma das sessões de divulgação científica na Universidade Nacional Autônoma do México sobre o Quinto Informe do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, com participação de destacados especialistas latino-americanos, no final de agosto. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
Uma das sessões de divulgação científica na Universidade Nacional Autônoma do México sobre o Quinto Informe do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, com participação de destacados especialistas latino-americanos, no final de agosto. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS – 

Cidade do México, México, 2/9/2015 – Com os efeitos do aquecimento global cada vez mais visíveis e diante das complicadas decisões socioeconômicas indispensáveis para enfrentar esta crise planetária, a ciência necessita de uma nova camada de especialistas: os cientistas sociais especializados em mudança climática. Reunidos na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), na capital do país, reconhecidos cientistas latino-americanos pediram a incorporação de mais ciência climática humana nas pesquisas sobre o aquecimento do planeta.

“A solução da mudança climática não está nas mãos dos cientistas naturais. A solução estará nas mãos dos cientistas sociais: dos políticos, especialistas em política, psicólogos, sociólogos ou economistas”, argumentou à IPS o astrogeofísico Carlos Gay, coordenador do Programa de Pesquisa em mudança climática da Unam. Durante as jornadas de divulgação científica do Quinto Informe de Avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), autores e editores do documento lançado em 2014 expuseram o estado da ciência climática.

Além disso, integrantes dos três grupos de trabalho que elaboraram o informe se aprofundaram em particular no impacto sobre o México e a América Central das alterações climáticas, durante o encontro realizado nos dias 26 e 27 de agosto, no câmpus da Unam, que contou com convidados procedentes dos países da área. Uma e outra vez, a discussão se direcionou para a necessidade de se incorporar mais cientistas capazes de interpretar as complexas dinâmicas sociais que devem ser resolvidas diante do aquecimento global e que possam proporcionar ciência climática humana em comunidades afetadas pelo fenômeno.

Gay explicou que “os cientistas duros já deram a solução há algum tempo”, pois sua lógica é que, “se são as emissões que causam a mudança climática, estas devem ser eliminadas”. Porém, o especialista mexicano reconheceu que isto exige processos sociais e econômicos muito complexos que fogem ao seu campo. “A crise financeira e a crise climática têm a mesma origem: os sistemas e os mercados e a visão de progresso que temos”, ressaltou, afirmando desejar mais cientistas sociais da Unam pesquisando nesse campo, crucial para a humanidade.

O consumo desmedido de combustíveis fósseis, o desmatamento para mudança de uso do solo e a agricultura em grande escala contribuem para um acúmulo excessivo de gases-estufa na atmosfera e nos oceanos desde a Revolução Industrial, embora em maior medida desde meados do século 20, segundo os expositores.

Este é o tema central que deve ser resolvido em Paris pelos países signatários da Convenção Marco das Nações Unidas Contra a Mudança Climática, durante as duas primeiras semanas de dezembro, quando acontecerá na capital francesa a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática. Nessa oportunidade deverá ser aprovado o novo tratado universal e vinculante para enfrentar a adaptação e a mitigação em relação à mudança climática, com a meta de frear o aumento da temperatura do planeta em menos de dois graus centígrados, e que entrará em vigor em 2020.

Novas escadarias e corrimãos no populoso bairro de La Villanueva, em Tegucigalpa, aliviam a vida de seus habitantes e também servem de rota de evacuação diante de calamidades climáticas na capital de Honduras. Este é o tipo de resposta que se exige da ciência climática humana. Foto: Luis Elvir/IPS
Novas escadarias e corrimãos no populoso bairro de La Villanueva, em Tegucigalpa, aliviam a vida de seus habitantes e também servem de rota de evacuação diante de calamidades climáticas na capital de Honduras. Este é o tipo de resposta que se exige da ciência climática humana. Foto: Luis Elvir/IPS

Nos últimos anos, a incorporação de cientistas sociais à ciência climática permitiu aproximar as pesquisas das comunidades e populações afetadas, ao integrar a abundante informação técnica dos cientistas naturais com a orientação social de outros especialistas. “Conforme evoluíram as avaliações do IPCC, sobretudo da terceira em diante, aumentou o número de especialistas nessas matérias”, apontou à IPS o economista cubano Ramón Pischs-Madruga.

Este economista é vice-presidente do Grupo de Trabalho III do IPCC, focado nos possíveis caminhos de mitigação da mudança climática, e recordou que essas áreas do conhecimento servem para “completar a imagem” em conjunto das ciências naturais. Entretanto, tal como Gay, atribuiu certo distanciamento aos próprios cientistas sociais, algumas vezes envolvidos em seus campos e omissos com relação à mudança climática.

Assim como Pichs-Madruga, há quem tenha assumido o desafio há muito tempo, como a socióloga mexicana-norte-americana Paty Romero, e há anos buscam o rosto mais humano da pesquisa científica em relação à mudança climática. “Os cientistas sociais dizem: cuidado, não é só calcular qual a probabilidade de um furacão de categoria cinco atingir o Estado mexicano de Tabasco, mas também deve-se considerar o fato de Tabasco ser habitado por gente que pode ser afetada”, destacou Romero à IPS.

Essa doutora em ciências agrícolas e em políticas urbanas integra o Grupo de Trabalho II do IPCC, que analisa os impactos da mudança climática, as possibilidades de adaptação das pessoas e suas vulnerabilidades. No último informe de avaliação do IPCC, esse grupo se focou ainda mais nas complicações que a mudança climática pode causar aos seres humanos.

Por sua experiência trabalhando com comunidades das principais cidades latino-americanas e asiáticas, Romero destacou a importância de incorporar ao manejo da mudança climática a tradicional gestão do risco que já se faz nessas populações urbanas. A especialista destacou que a geografia latino-americana e a composição tectônica consolidam um manejo generalizado do risco diante de desastres, que pode ser crucial devido à particular vulnerabilidade à mudança climática da região, que afeta o presente e o futuro de muitas pessoas.

“A mudança climática não é algo que afeta os ursos polares. De fato, os afeta, mas também afeta muitas das coisas que queremos, nosso território e nossa identidade, precisamente porque é um problema de desenvolvimento com condições políticas, econômicas e sociais”, pontuou Romero. Para o México e a América Central, a compreensão da mudança climática como fenômeno social e econômico é fundamental, já que sua localização entre dois oceanos e sua dependência da agricultura os torna especialmente vulneráveis ao aquecimento global.

Além disso, suas amplas porcentagens de população em condição de pobreza – 46% no caso mexicano e 48% nos sete países centro-americanos – estão mais expostas às alterações climáticas. Isso ocorre porque as populações com menores recursos vivem geralmente em áreas particularmente vulneráveis a efeitos meteorológicos extremos, como ladeiras de montanhas e costas.

“A mudança climática é um multiplicador dessas ameaças. Se já temos problemas de pobreza, de acesso a água, vem a mudança climática e multiplica os riscos”, enfatizou a cientista mexicana Úrsula Oswald, também pesquisadora da Unam e autora do IPCC. Para ela, um ponto muito importante para a gestão da adaptação à mudança climática passa por compreender o papel das mulheres como motor social de suas comunidades, algo que ela vê em seu Estado natal de Morelos, centro do México.

Segundo Oswald, “são as mulheres que manejam de forma eficiente a água, são elas que recuperam a floresta e os rios, que manejam adequadamente seu entorno e também são as responsáveis pela saúde e pela comunidade”. Envolverde/IPS