Projetos promovem ensino de cultura afro-brasileira nas escolas

A Lei nº 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nos currículos do ensino fundamental e do ensino médio, completou uma década em 2013. Apesar do tempo, o tema ainda está longe das salas de aulas. De acordo com o Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público, pouco mais de 11% da verba reservada para projetos educacionais que promovam a igualdade racial foi usada em 2012.

Porém, alguns projetos educativos decidiram atuar por conta própria no fomento à cultura afro-brasileira nas escolas. É o caso da Associação Harmonicanto, do Rio de Janeiro (RJ), que criou o projeto Cantar e Contar Clementina – Outra Forma de Aprender, realizado no contraturno das escolas públicas. “Utilizamos a história da cantora e compositora Clementina de Jesus para trabalhar questões históricas, sociais, raciais, de discriminação, de gênero e de resgate da cultura afro-brasileira”, explicou Ellis Amorim, assessora técnica do projeto. O trabalho é feito com 70 crianças de 4 a 12 anos de idade. “O projeto faz com que esses alunos tornem-se cidadãos conscientes de seus direitos, deveres e possibilidades futuras”, contou.

Para Cássia Oliveira, coordenadora executiva da associação, o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas é importante não só para conscientizar os alunos, mas também para elevar a autoestima dos afrodescendentes. “A cultura afro-brasileira, a despeito de sua influência na formação de nosso patrimônio cultural, foi discriminada ao longo da história. Proporcionar a valorização desta cultura na escola é resgatar nossas origens e contribuir para a elevação da autoestima afrodescendente”, disse.

A atividade está dando resultados e, hoje, é possível que as crianças passem a se identificar com a história da cantora. “Dentre outras abordagens, relatamos experiências da infância relacionadas à família de Clementina, comparando-as com a realidade vivida pelas crianças hoje. Ao apresentarmos fotos da artista, os alunos puderam observar seus traços fortes, herança característica de afrodescendentes, como a cor negra, lábios grossos, cabelos crespos. A maioria prontamente conseguiu identificar pontos em comum com as características de Clementina em si mesmos ou na família”, relatou Oliveira.

No Distrito Federal, a Secretaria Especial da Igualdade Racial – SEPIR-DF desenvolveu o projeto SEPIR nas Escolas, cujo foco é o debate de questões étnico-raciais com alunos da educação básica. “A necessidade de inserir a cultura afro-brasileira nas escolas é tão forte que muitas instituições entram em contato para irmos até lá promover nossas ações”, declarou a gerente de desenvolvimento econômico, social e étnico-racial, professora Waldicéia de Moraes Texeira da Silva.

As atividades do projeto envolvem palestras, oficinas, jogos e brincadeiras com temas que não são abordados nos livros didáticos. “Falamos sobre a importância do sistema de cotas, dos movimentos sociais negros, entre outros temas, com base na história, filosofia e sociologia”, disse a professora. “Nosso objetivo também é desconstruir o processo de criminalização dos movimentos sociais no Brasil”, completou.

Para Silva, quando a criança entra na escola, ela enfrenta o preconceito de forma mais agressiva. E é justamente nesse período que se deve promover a conscientização. “Há pesquisas que apontam que o caráter do adulto é formado entre zero e seis anos de idade. Por isso, é no início da vida que a formação deve ser feita. Acredito que, dessa forma, podemos diminuir o preconceito racial ainda tão presente em nossa sociedade”, declarou. A professora afirma, ainda, que é necessário promover uma formação melhor entre os educadores. “Nossos professores não foram formados para tratar de questões raciais na escola. Por isso, a SEPIR também trabalha dentro de instituições de ensino superior para formar futuros pedagogos que levem a questão para dentro das escolas”, afirmou.

O coordenador de relações estratégicas da ONG Educap, Reginaldo Lima, afirma que trazer as questões étnico-raciais para a escola é, também, aproximar a realidade do aluno do ambiente escolar. “Na escola, não existe um universo que trate diretamente das questões afro-brasileiras. Mas tratar de cultura negra é promover um espaço democrático, que eleve a autoestima do aluno, muitas vezes evadido por não se identificar com a escola”, disse.

Para ele, é extremamente necessário que a questão entre no Projeto Político Pedagógico – PPP das escolas. “Entendo que a escola é um ponto de partida para fomentar a discussão do preconceito. Precisamos privilegiar a discussão, não colocar um indivíduo acima do outro. Essa é uma forma de evoluir. Precisamos tornar as crianças e adolescentes geradores das soluções de seus próprios problemas”, disse. A ONG Educap atua no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, com projetos focados na diminuição da evasão escolar.

* Publicado originalmente no Blog Educação.