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Os danos nucleares nunca se extinguem

Yasuaki Yamashita na conferência de Nuevo Vallarta. Foto: Emilio Godoy/IPS
Yasuaki Yamashita na conferência de Nuevo Vallarta. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Nuevo Vallarta, México, 14/2/2014 – Durante décadas, o silêncio corroeu Yasuaki Yamashita sobre suas vivências como sobrevivente do ataque nuclear que os Estados Unidos lançaram sobre a cidade japonesa de Nagasaki, em 9 de agosto de 1945. Yamashita, um artista plástico de 74 anos que reside no México desde 1968, rompeu o lacre que fechava sua boca em 1995, para contar o que viveu naquela manhã que mudou o destino de Nagasaki e do mundo inteiro.

“Tinha seis anos e vivíamos a 2,5 quilômetros de distância do ponto zero (local de detonação da bomba). Normalmente ia à montanha próxima para caçar insetos com meus amigos. Mas nesse dia estava sozinho diante da minha casa, perto da minha mãe, que preparava o almoço”, contou à IPS esse homem de fala pausada, cabelo branco e traços marcantes.

Yamashita, que, em 1968, veio para o México como correspondente para cobrir o Jogos Olímpicos e ficou no país, mergulha no passado para resgatar a cena de sua mãe chamando para entrar no abrigo instalado em sua casa. “Quando entramos veio uma luz tremendamente cegante. Minha mãe me jogou no chão, me cobriu com seu corpo, veio um tremendo barulho, ouvíamos voar muitas coisas acima de nós”, descreveu. Ao redor só havia desolação, tudo ardia, não havia médicos, enfermeiras, nem comida. Era apenas o princípio de uma tragédia que ainda perdura.

Aos 20 anos, Yamashita começou a trabalhar no hospital de Nagasaki, que tratava os sobreviventes da bomba, o qual deixou anos depois. Com seu relato, esse homem fez tremer os participantes da Segunda Conferência Sobre o Impacto Humanitário das Armas Nucleares, que começou ontem em Nuevo Vallarta, centro turístico no Estado de Nayarit, com a participação de delegados de 140 países e de mais de cem organizações não governamentais de todo o mundo.

O objetivo do encontro de dois dias, que acontece após a de Oslo em março de 2013, é avançar para a abolição das armas nucleares, pois são uma ameaça econômica, humanitária, sanitária e ecológica para a humanidade e o planeta. No mundo há pelo menos 19 mil ogivas atômicas, a maioria nas mãos de China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia – autorizados a possuí-las pelo Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares – além de Coreia do Norte, Índia, Israel e Paquistão.

O Ministério das Relações Exteriores do México estima que existam mais de duas mil armas nucleares em “alerta operacional alto”, prontas para serem lançadas em questão de minutos. “Essas armas são inaceitáveis. Devem ser proibidas, como ocorreu com as biológicas e as químicas. Não há capacidade de resposta nacional ou internacional para abordar os danos”, destacou à IPS o pesquisador e ativista Richard Moyes, da Artigo 36, uma entidade sem fins lucrativos, com sede na Grã-Bretanha, que denuncia os efeitos indesejáveis de determinados armamentos.

Em fevereiro do ano passado, essa instituição divulgou um estudo sobre o impacto de uma detonação nuclear de cem quilotons na cidade britânica de Manchester, que, com sua área metropolitana, é o lar de 2,7 milhões de pessoas. A explosão causaria a morte imediata de pelo menos 81 mil pessoas, mais de 212 mil feridos, destruição de pontes e estradas e severo prejuízo aos serviços de saúde. Isso tornaria impossível ações de remediação, com graves derivações no longo prazo.

A Cidade do México e sua área metropolitana, onde vivem mais de 20 milhões de pessoas, também fez uma medição semelhante. A explosão de uma bomba de 50 quilotons deixaria uma área afetada de 66 quilômetros ao redor da zona zero, com cerca de 22 milhões de afetados, entre mortos e feridos, pois seus efeitos se estenderiam a pontos distantes no centro deste país.

“As consequências seriam graves: perda de faculdade operacional do sistema de emergência, eliminação de recursos humanos de resgate, de saúde, hospitais, clínicas”, ressaltou à IPS o funcionário Rogelio Conde, diretor geral de Vinculação, Inovação e Normatividade em Matéria de Proteção Civil do Ministério do Interior. “Precisaríamos de ajuda de outros Estados mexicanos e internacional, com equipamentos, pessoal operacional e especializado”, acrescentou. O desastre ecológico e os danos à infraestrutura equivaleriam à perda de 20% da economia do país.

Os lugares do planeta que se converteram em laboratórios atômicos, como as ilhas Marshall no Pacífico, sofrem diversos danos. Esse conjunto de dezenas de atóis de coral e ínsulas suportou 67 testes nucleares entre 1946 e 1958. “Houve problemas ambientais e de saúde, embora não haja estimativas. Muitos de nossos sobreviventes se converteram em cobaias humanas nos laboratórios e quase 60 anos depois ainda estamos sofrendo”, denunciou o senador das ilhas, Jeban Riklon.

Riklon tinha dois anos de idade e vivia com sua avó no atol Rongelap, quando os Estados Unidos fizeram o teste Castle Bravo, no atol Bikini, em 1º de março de 1954: uma bomba mil vezes mais poderosa do que a lançada sobre Hiroshima em 1945. Imediatamente os Estados Unidos fizeram um estudo médico secreto para investigar as consequências da radiação em humanos.

Um informe especial do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) constatou, em 2012, violações ao direito à saúde, a uma remediação efetiva e à reabilitação ambiental, além de deslocamentos forçados e outras graves omissões dos Estados Unidos.

Os promotores da conferência do México esperam que o Tratado para Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe, assinado em 1967, seja a base de uma futura convenção mundial contra esses armamentos, embora para isso seja preciso vencer décadas de imobilismo diplomático. Em razão desse pacto, foi criada na região a primeira das cinco Zonas Livres de Armas Nucleares (ZLAN), que incluem atualmente 114 Estados. As outras quatro estão no Pacífico Sul, África, Sudeste Asiático e Ásia Central.

A Comissão Preparatória da Organização do Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares quer conseguir um mapa do caminho claro, que leve a um mundo livre desse armamento até 2020. Esse Tratado já tem 161 Estados partes, mas sua entrada em vigor depende das assinaturas e ratificações de China, Coreia do Norte, Egito, Estados Unidos, Índia, Irã, Israel e Paquistão.

Em Nuevo Vallarta não há representantes das cinco grandes potências nucleares: Estados Unidos, China, França, Grã-Bretanha e Rússia. “Não sei quantas gerações serão necessárias para que isso termine. Por que fazer sofrer tanta gente inocente? Não há nenhuma necessidade. Por isso temos que fazer muitos esforços para abolir as armas nucleares”, enfatizou Yamashita. Envolverde/IPS