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Zimbabuenses temem um ano econômico funesto

Tichaona Mhundu, da província de Mashonaland Oriental. Milhões de zimbabuenses como ele veem 2014 com total incerteza. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
Tichaona Mhundu, da província de Mashonaland Oriental. Milhões de zimbabuenses como ele veem 2014 com total incerteza. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

 

Harare, Zimbábue, 16/1/2014 – Evelyn Mhasi é enfermeira, mas nos últimos sete anos não trabalhou em sua profissão. As contratações do governo do Zimbábue em diferentes setores, incluído o de enfermagem, estão congelados apesar da grande quantidade de formandos nos institutos de ensino superior. Para muitos que lidam com a falta de trabalho nesta nação da África austral, a mudança de ano só implica olhar o futuro com profundo temor. Segundo o Banco da Reserva do Zimbábue, o desemprego no país subiu de 4,2% em 2004 para 10,7% em 2011.

Porém, o Programa Mundial de Alimentos (PMA), da Organização das Nações Unidas (ONU), estima que o desemprego no país afete 60% da população economicamente ativa. É difícil ter acesso a estatísticas sólidas, mas é um fato que a vasta maioria da força de trabalho zimbabuense opera no setor informal. Segundo o Escritório Nacional de Estatísticas, o Zimbábue produz anualmente cerca de 36 mil graduados no ensino superior.

Mhasi, de 29 anos, seguiu com atenção em dezembro o anúncio do orçamento nacional pelo ministro das Finanças, Patrick Chinamasa. Estava otimista, afirmou. “Pensava que o governo ia descongelar alguns postos para pessoas qualificadas como eu, mas isso não aconteceu”, disse à IPS. “Em 2018 pode haver outras eleições e que continue desempregada. Para mim, 2014 já parece funesto, e minhas esperanças de encontrar trabalho se desfazem rapidamente”, acrescentou.

Tendai Biti, ex-ministro das Finanças e membro do opositor Movimento pela Mudança Democrática de Morgan Tsvangirai, disse à IPS que “o Zimbábue enfrenta tanto uma crise econômica quanto de liderança após as eleições fraudulentas de 2013”. E acrescentou que “é fácil cometer fraude eleitoral, mas a economia é um jogo totalmente diferente”, antes de analisar que o país está voltando ao cenário de 2008. Neste ano, os resultados das eleições, oficialmente muito apertados, desembocaram em um governo de poder compartilhado e o país afundou em uma crise econômica. A hiperinflação chegou na época a 231.000.000%.

Robert Mugabe, que completará 90 anos em fevereiro, governa o país há 33 e desde a década passada sua continuidade no poder passa por denúncias de irregularidades nas sucessivas eleições, o que levou a União Europeia e os Estados Unidos a imporem sanções econômicas ao país, agravando uma situação financeira já muito deteriorada.

Segundo a Confederação de Indústrias do Zimbábue, organização que desenvolve e promove atividades empresariais, várias companhias não conseguiram reabrir no ano que apenas começa, por dificuldades econômicas. Mas não pôde fornecer números.

O economista independente Kingston Nyakurukwa, disse que as pessoas comuns sobrevivem com recursos muito reduzidos e, em muitos casos, com grande incerteza sobre os meses futuros. “Os funcionários públicos receberam seus benefícios no ano passado parceladamente, o que, obviamente, deixou todo o serviço civil com dúvidas sobre o futuro em 2014, e as pessoas temem muito o que acontecerá este ano”, afirmou à IPS.

Com orçamento nacional para 2014 de aproximadamente US$ 4 bilhões, carente de adequada fonte de renda para atender o gasto, o Zimbábue se dirige para uma queda econômica este ano, acrescentou Nyakurukwa. Para Nyson Chimukwere, vendedor de frutas e verduras em Marondera, localidade 80 quilômetros a oeste de Harare, as perspectivas para este ano são mais do que sombrias. “As pessoas já não têm dinheiro suficiente para gastar. Nestes dias volto para casa com meu carrinho carregado de frutas e verduras, que apodrecem em casa”, contou.

Este homem de 44 anos, pai de quatro filhos, disse que seus ganhos caíram quase 75% nos últimos meses “Temo que este ano possa acabar sem ganhar nada com meu negócio. Antes conseguia US$ 50 por dia com minhas vendas, mas agora as coisas deram um giro desagradável: levo para casa US$ 15, ou menos”, ressaltou.

Rik Davison, que dirige a Rik-Davy Glass Company, que emprega cerca de 800 pessoas em Masvingo, a cidade mais antiga do Zimbábue, também vê com pavor o ano que tem pela frente. “Nos últimos tempos o negócio caiu muito, nos deixando vários dias sem vender, o que evidencia as incertezas que envolvem 2014”, afirmou à IPS. O empresário já arrasta uma crise que o impede de pagar em dia seus funcionários.

Davison disse que seus temores pioraram diante da insistência do governo em implantar a Lei de Indigenização e Empodramento Econômico de 2007, que obriga as empresas de capital estrangeiro a cederem 51% de suas ações a empresários locais negros. Ele, que é branco, teve que acatar a lei e ceder sua parte.

Ao contrário dos demais, Kudakwashe Bhasikiti, da governante União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Patriótica e parlamentar pelo distrito de Mwenezi Oriental, acredita que 2014 será um ano próspero. “Com a implantação da política de indigenização não temos nada a temer. Estamos seguros de que daremos riqueza às pessoas negras do Zimbábue”, afirmou à IPS.

Alguns economistas preveem que os servidores públicos sofrerão a pior parte da escassez que afeta o governo. “Ao minguar enormemente a arrecadação, este ano o governo zimbabuense pode não remunerar de maneira sustentável aos já mal pagos funcionários”, apontou à IPS o especialista em economia Agrippa Nhumwe. A isso se acrescenta que o orçamento de 2014 não inclui nenhum aumento salarial, observou.

Um banqueiro local disse à IPS que se avizinham tempos difíceis para os bancos no Zimbábue. “A falta de liquidez sacode os bancos locais, por isso virão tempos duros este ano, o que alimenta o temor dos cidadãos diante de um governo imprevisível, que, em meio a tais circunstâncias, pode reintroduzir a qualquer momento o temido dólar zimbabuense que deixou de usar em 2008”, afirmou.

O Banco da Reserva do Zimbábue, que no pior momento da crise econômica do país foi forçado a emitir uma nota de cem bilhões de dólares zimbabuenses, foi obrigado a deixar de imprimir dinheiro e a adotar um regime de multidivisas. Para milhões de zimbabuenses, ainda falta saber se o governo de Robert Mugabe conseguirá, ou não, fazer as manobras necessárias para se sair bem neste 2014. Envolverde/IPS