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Violência manda para o exílio defensoras dos direitos humanos

Cidade do México, México, 16/2/2012 (IPS/Cimac) – Devido à onda de ataques que sofrem, as fundadoras da organização humanitária Nossas Filhas de Volta para Casa decidiram deixar o México e operar limitadamente a partir do exílio. Após mais de uma década de luta diante da falta de ação do Estado mexicano para proteger quem defende os direitos humanos, a organização pioneira em investigar o feminicídio na fronteiriça Ciudad Juárez (norte do país) deixará de operar no país, para continuar trabalhando no exterior.

“Sim, eu vou, mas continuarei na luta onde quer que esteja. Não ficarei calada porque o governo tem uma dívida com meus filhos de quem tirou a mãe”, afirma Norma Andrade, uma das fundadoras da organização e que em menos de três meses sofreu dois atentados. Ela e sua família destacam que diante da impunidade pela onda de ataques e ameaças que sofrem, que recrudesceu desde 2008, abandonam o país.

Norma, junto com sua filha Malú García Andrade e Marisela Ortiz, fundou a Nossas Filhas de Volta para Casa, em 2001. As três foram intimidadas, perseguidas e ameaçadas de morte, bem como suas famílias. Marisela deixou o país em fevereiro de 2011 e Malú saiu de Juárez em março do mesmo ano, mas teve que regressar em dezembro passado, após o primeiro ataque contra sua mãe.

Com o anunciado exílio de mãe e filha, a organização “ficará desmantelada. De fato, já estamos desarticuladas”, lamenta Norma. Ela conta que a partir de 2008, com as primeiras ameaças contra sua filha e Marisela, decidiram trabalhar menos em gestões jurídicas e legais para acelerar os processos das vítimas e se concentrar na gestão social.

“Desde 2008, começamos a trabalhar mais no social, e o jurídico deixamos com baixo perfil: já não temos escritórios. Marisela, de onde se encontra, cuida de algumas atividades”, conta a ativista. Acrescenta que “em Juárez temos ligações para implantar o Projeto A Esperança, que consiste em painéis para mães de mulheres desaparecidas ou assassinadas”.

Desde sua criação, a organização recebeu pelo menos 30 ameaças e hostilidades, e seus escritórios foram invadidos por desconhecidos que levaram documentos e computadores com informação sobre seu trabalho, mas nada foi investigado. Por isso, a partir de 2008 decidiram não ter escritórios fixos, com cada integrante fazendo seu trabalho em separado. Diante do perigo que corriam as ativistas, em 13 de junho de 2008, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu ao Estado mexicano que garantisse a vida e integridade física delas e de suas famílias, por meio de medidas cautelares.

Norma é mãe de Lilia Alejandra García, de 17 anos e mãe de dois menores de idade, que desapareceu em 14 de fevereiro de 2001 e cujo corpo foi encontrado com sinais de tortura sexual em 21 de fevereiro do ano seguinte em um terreno baldio próximo à avenida Tecnológico e Exército Nacional, em Juárez. Desde então, e em demanda de justiça, a organização – integrada principalmente por mães de jovens desaparecidas e assassinadas – denuncia nacional e internacionalmente os assassinatos de mulheres nessa cidade, convertendo-se em uma referência de ajuda e reabilitação para as sobreviventes de violência.

Um dos êxitos mais importantes foi recorrer, junto com outras organizações civis, ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, para denunciar os assassinatos de mulheres ocorridos no Campo Algodoeiro, em Juárez. O Tribunal condenou o Estado mexicano por não proteger a vida da população feminina. Também apresentou ao CIDH, em 2002, os casos de Lilia Alejandra Andrade e de Silvia Elena Rivera; ambos esperando para serem analisados.

Em 2001, a organização denunciou mais de 200 raptos de meninas e adolescentes, supostamente vinculados a redes de tráfico de pessoas. Norma trabalhava nesses expedientes quando aumentaram as agressões contra ela. No começo desse ano, Malú revelou a existência de uma rede de tráfico que opera no centro de Juárez, a qual responsabilizou pelo desaparecimento de dezenas de jovens.

Disse, então, contar com informes de mulheres que após seu desaparecimento foram vistas em bordéis de Puebla, Tlaxcala e Tijuana. Acrescentou que os resultados destas investigaçoes seriam divulgados no mesmo ano, mas saiu de Juárez depois que, no dia 17 de fevereiro de 2011, desconhecidos queimaram o telhado de sua casa, quando ela participava de um ato em apoio à família Reyes Salazar, outros defensores dos direitos humanos agredidos.

Norma recorda que não só ela sofreu agressões; também ativistas como Irma Pérez, Eva Arce, Ramona Morales, Cipriana Jurado e Benita Monárrez. Esta última foi uma das primeiras a deixar o país e se refugiar em Los Angeles, nos Estados Unidos. “A realidade é que não há nenhuma proteção para quem defende os direitos humanos; em 14 deste mês, completaram 11 anos de busca por justiça para milha filha, durante os quais vivi acossada o tempo todo e protegendo a vida”, disse Norma.

As hostilidades, ameaças e violências contra as defensoras de direitos humanos no México têm por objetivo forçá-las a renunciar a esse trabalho, segundo se depreende de um diagnóstico sobre os riscos que enfrentam as ativistas em seu trabalho. “Em algumas ocasiões as agressões tem êxito e as defensoras deixam completamente seu trabalho ou suas organizações se desintegram”, diz o estudo “Defensoras dos Direitos Humanos no México; Diagnóstico 2010-2011 sobre as condições e riscos que enfrentam no exercício de seu trabalho”.

A investigação feita pelas organizações civis Rede Mesa de Mulheres, Associadas pelo Justo e Consórcio para o Diálogo Parlamentar e a Igualdade, estabelece que o impacto desta violência não afeta apenas elas. Também são vítimas suas famílias e os movimentos sociais, que veem diminuída sua capacidade e condições para avançar em suas agendas e propostas em favor dos direitos humanos.

O Diagnóstico 2010-2011 diz que 84% das defensoras ouvidas afirmaram que um dos principais impactos da violência contra elas é o dano emocional. Isto surge tanto pelo medo como pela soma de ações e desgastes que implicam se defender, ao mesmo tempo em que mantêm seu trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos. O estudo explica que, em casos extremos, a violência as força a deslocamentos forçados e mudança de residência, seja em outra cidade do país ou no exterior.

No diagnóstico se nota que, cada vez que uma organização fecha ou um movimento é desarticulado, ocorre um dano maiúsculo nas pessoas beneficiadas por seu trabalho, bem como nos processos democráticos de cada comunidade e do país. “O trabalho a favor dos direitos humanos das mulheres é um bem social que ainda não foi valorizado em sua justa dimensão; não apoiar as defensoras reproduz a cultura de violência e discriminação de gênero”, conclui o documento. Envolverde/IPS

* Este artigo foi publicado originalmente pela agência mexicana de notícias Comunicação e Informação da Mulher AC, Cimac.