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Um paraíso hondurenho que não quer irritar o mar novamente

Um dos caminhos de madeira construídos pela comunidade de Santa Rosa de Aguán, que comunicam as casas com a praia, para preservar as dunas da atividade humana. Foto: Thelma Mejía/IPS
Um dos caminhos de madeira construídos pela comunidade de Santa Rosa de Aguán, que comunicam as casas com a praia, para preservar as dunas da atividade humana. Foto: Thelma Mejía/IPS

 

Santa Rosa de Aguán, Honduras, 26/3/2014 – Na desembocadura do rio Aguán, no Caribe hondurenho, uma comunidade garífuna, assentada em um paraíso natural e açoitada há mais de 15 anos pelo furacão Mitch, agora dá exemplo de adaptação à mudança climática. “Não queremos irritar novamente o mar, não queremos que aconteça de novo o que passamos com o Mitch, que levou muitas casas do povoado, quase todas as que estavam à beira-mar”, contou à IPS a líder comunitária Claudina Gamboa, de 35 anos.

Com locais indescritíveis, quase como quando chegaram a Honduras os primeiros garífunas, vindos da ilha caribenha de São Vicente, o município de Santa Rosa de Aguán, no departamento de Colón, foi fundado em 1886 e sua população atual pouco supera os três mil habitantes. Para chegar a este ponto do Caribe central do país, a partir de Tegucigalpa, a IPS atravessou por 12 horas, total ou parcialmente, cinco dos 18 departamentos de Honduras, até chegar a Dos Bocas, 567 quilômetros a nordeste da capital.

Dessa aldeia em terra firme, uma pequena embarcação faz a ligação com Santa Rosa de Aguán, assentada sobre a areia, entre o mar e a desembocadura do Aguán, cujo nome em garífuna significa “águas caudalosas”. A metade do caminho em automóvel transcorre através de péssimas estradas, que se tornam ameaçadoras quando escurece. Mas, ao atravessar o rio, já adentrada a noite, sob um céu estrelado e uma brisa marinha acariciando o povo, a travessia chega ao fim e deixa de pesar.

Aqui culminou em 2013 um projeto de recuperação de dunas, impulsionado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, por intermédio do Programa de Pequenas Doações (PPD) do Fundo para o Meio Ambiente (GEF), bem como pela Cooperação Suíça para o Desenvolvimento.

À frente do projeto estiveram 40 voluntários da comunidade, na grande maioria mulheres, que visitavam cada morador para conscientizar sobre a importância de proteger o ambiente e sobre os riscos da mudança climática. “Eram chamadas de loucas, porque as pessoas acreditavam que quem trabalhava nisso era bobo, mas eu lhes pedia para não fazerem caso e seguirem em frente. Agora temos mais consciência e se viu que os ventos já não pegam tão forte”, disse à IPS Atanasia Ruíz, que foi vice-prefeita do povoado (2008-2014) e sobreviveu ao Mitch.

Ela e Gamboa consideram que as mulheres foram fundamentais em criar consciência sobre a mudança climática e, graças ao seu trabalho, o projeto deixou marcas sobre as areias brancas e nas pessoas do lugar. Agora seus habitantes entendem a importância de proteger seus sistemas costeiros e conservar as dunas, e aprenderam a se organizar coletivamente para isso, detalhou a líder comunitária, afirmando que “é comovente ver nossas idosas recolhendo lixo para reciclagem”. As dunas atuam como barreiras naturais de proteção, que impedem que o vento e a água das ondas do mar penetrem com força no povoado quando há eventos naturais.

“Quando o incomodamos, o mar nos mandou a conta. E com o Mitch isto ficou pelado, ficou horrível”, recordou Gamboa. Ela disse que alguns foram embora, “dizendo que não poderiam viver aqui, que era muito vulnerável e que o mar sempre ia entrar porque já não havia como evitar”. Enquanto mostrava orgulhosa como a vegetação começa a crescer nas dunas, acrescentou que “nós ficamos e, com os conhecimentos que nos deram, sabemos como nos proteger e ao povoado”.

O mural de elementos reciclados com os quais os moradores de Santa Rosa de Aguán moldaram sua forma de vida e a beleza da mulher garífuna, em uma parede do centro comunitário. Foto: Thelma Mejía/IPS
O mural de elementos reciclados com os quais os moradores de Santa Rosa de Aguán moldaram sua forma de vida e a beleza da mulher garífuna, em uma parede do centro comunitário. Foto: Thelma Mejía/IPS

 

Nos últimos dias de outubro de 1998, o ciclone deixou em sua passagem por Honduras cerca de 11 mil mortos e oito mil desaparecidos, junto com enormes danos econômicos e de infraestrutura. Santa Rosa de Aguán foi especialmente atingida, com ondas de cinco metros de altura. Pelo menos 40 pessoas morreram na comunidade e outras nunca foram encontradas.

A reabilitação das dunas costeiras incluiu a construção de caminhos de madeira sobre a areia para protegê-las. Também foram demolidas casas de concreto destruídas pelo Mitch, para que não impedissem a formação de dunas. O projeto somou a reciclagem, para limpar o lixo jogado na beira-mar e o que se encontrava nas ruas de areia do município, cujos habitantes se autodenominam aguaneños e saúdam os visitantes com um buiti achuluruni, bem-vindos em garífuna.

Lícida Nicolasa Gómez, uma jovem garífuna de 18 anos, prefere ser chamada de Alondra, nome pelo qual é conhecida desde criança. “Gostei quando me convidaram para o projeto das dunas e da reciclagem, porque estávamos desmatando, pisoteando, destruindo a vegetação, mas já não fazemos mais isso”, afirmou. “Fizemos até um mural em uma das paredes do centro comunitário para registrar o povoado que queremos”, acrescentou com um largo sorriso.

A obra foi feita com restos de plástico, chapas ou tampas de refrigerantes, telas e outros materiais. Nele se vê a beleza das garífunas, a pesca, os cultivos de mandioca e banana, e o mar e o sol radiante que caracterizam o povoado. Também está ali o desejo de viver em harmonia com o ambiente, onde as elevações de até cinco metros de depósitos de sedimentos do mar se juntam com a desembocadura de um rio cuja bacia faz parte da selva úmida tropical hondurenha.

Hugo Galeano, do PPD, contou à IPS que a vulnerabilidade em Santa Rosa de Aguán se agravou após a passagem do Mitch, afetando seus meios de vida: pesca, agricultura, pecuária. Para esta comunidade entre duas águas, as inundações são uma das principais ameaças para a sobrevivência da comunidade, explicou o representante do programa do GEF.

Ricardo Norales, de 80 anos, tem consciência disso e assegurou à IPS que, embora as dunas e sua vegetação cresçam, “a localização de nossa comunidade continua exposta às inclemências do tempo”. “Com o projeto vimos que agora o vento não entra tão forte em nossas casas, e tampouco o mar como antes. Mas precisamos de maior sustentabilidade nesse tipo de ajuda”, alertou.

De fato, a história de Santa Rosa de Aguán está marcada pelo impacto dos fenômenos naturais, e entre 1870 e 2010 vários furacões e tempestades tropicais a atingiram direta ou indiretamente.

Enquanto os cordões de dunas ganham novamente forma ao longo da praia e dos arredores, a comunidade também colocou caminhos de madeira para chegar ao mar. Dessa forma buscam evitar a destruição de montículos de areia e querem ser um exemplo de adaptação à mudança climática, construindo alternativas de sobrevivência. Seus moradores repetem que não querem para sua comunidade um ayó, adeus, em garífuna.

Os garífunas chegados do mar

Os garífunas representam atualmente 10% dos 8,5 milhões de habitantes de Honduras, aonde chegaram há mais de dois séculos. Herdeiros da mestiçagem dos povos caribenhos, arawakas e africanos capturados e trazidos para a região por barcos escravagistas europeus no século 17, que naufragaram diante da ilha de Iarumei, atualmente São Vicente, onde se assentaram.

Dali, então sob domínio britânico, foram deportados em 1797 para a ilha hondurenha de Roatán. Depois, os colonizadores espanhóis permitiram que se assentassem em terra firme e se espalharam pela costa atlântica de Honduras e de outros países centro-americanos. Envolverde/IPS