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Turismo de compras promove união regional

Vranje, Sérvia, 19/3/2012 – Anos depois de iniciada a crise financeira mundial, em 2008, a zona dos Bálcãs desenvolveu um novo fenômeno em resposta às dificuldades econômicas europeias: o “turismo de compras”. Consiste em viagens transfronteiriças entre Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Bulgária ou Macedônia em busca de produtos mais baratos, e surgiu como um novo ponto de união para a Europa oriental.

“Uma vez por mês vou à Macedônia para encher minha geladeira” disse à IPS o aposentado Milan Jankovic, de 72 anos, morador na cidade sérvia de Vranje. “A passagem de ônibus custa somente US$ 3,5, e por cerca de US$ 284 trago para casa duas sacolas cheias de queijo, carne em conserva, patê e produtos não perecíveis nos quais de outro modo gastaria toda minha pensão, de US$ 351”, acrescentou.

A localidade de Kumanovo, na Macedônia, a apenas 50 quilômetros de Vranje, é o principal objetivo para compradores como Jankovic e muitos outros. “Com as atuais liquidações de roupa de inverno, de até 70%, penso que minha mulher e eu conseguiremos pelo menos uma jaqueta nova cada um”, afirmou.

Seu caso é muito comum entre muitos sérvios que vivem em localidades fronteiriças. Mas, mesmo os moradores de municípios do sul, como Nis e Pirot, viajam cerca de cem quilômetros até o mercado búlgaro de Ilijanci, perto da fronteira com a Sérvia, enquanto os búlgaros também viajam para localidades sérvias vizinhas.

Segundo os sérvios, roupas e calçados custam 30% menos na Bulgária. E os búlgaros dizem que os alimentos sérvios são muito mais baratos. “Mesmo calculando o custo da gasolina, de Sofia até Pirot, sai mais barato comprar carne fresca ou seus derivados; tudo ficou muito caro na Bulgária”, contou Ivan Mitev, de 39 anos, à IPS. Um açougueiro de Vranje disse que “aos sábados e domingos só vemos búlgaros em nossas lojas, o que salva nossos negócios, já que a nossa gente (os sérvios) tem cada vez menos dinheiro”.

Além da atração dos alimentos mais baratos, os croatas frequentemente chegam à Sérvia para comprar cigarros, que são os mais baratos dos Bálcãs, a um preço médio por maço de US$ 1 a US$ 1,5. Na Croácia, que pretende se integrar à União Europeia (UE) no próximo ano, o preço pode chegar a US$ 2,6.

Vladimir Stojanovic, diretor da aduana sérvia em Gradina, o maior posto fronteiriço com a Bulgária, confirmou que o turismo de compras está florescendo. “Os búlgaros compram alimentos aqui, enquanto nossa gente compra produtos têxteis e couro lá. Os sérvios também compram televisores com tecnologia LED (diodo emissor de luz, em inglês) na Bulgária por US$ 390, enquanto na Sérvia o preço varia entre US$ 585 e US$ 650”, explicou.

As regulamentações aduaneiras para o comércio transfronteiriço com todos os Estados vizinhos da Sérvia estipulam que só se paga impostos sobre compras que excedam os “fins privados”. Assim, a maioria dos que entram com apenas um televisor, algumas sacolas de alimento ou dois pares de sapato ficam livres de impostos.

Além disso, as regulamentações na Bulgária e na Hungria (que integram a UE) permitem deduzir o imposto sobre valor agregado (IVA) do preço das mercadorias se o total da compra superar o equivalente a US$ 195. Posteriormente, os comerciantes recebem as quantias deduzidas.

“É isso que faz valer a pena ir a Szeged”, disse Slobodan Kordic, de 52 anos e morador na cidade sérvia de Subotica, à IPS. Szeged é a primeira localidade húngara após cruzar a fronteira, a apenas 40 quilômetros de Subotica. “Comprei para meu filho um par de sapatos de inverno por apenas 2.700 dinares (US$ 31) em uma liquidação, sendo que onde moro pagaria 10 mil dinares (US$ 117)”, contou Kordic, acrescentando que isto representa enorme poupança em sua economia doméstica.

Os moradores do município sérvio de Loznica descobriram que valia a pena comprar autopeças e pneus na cidade bósnia de Bijeljina. Os preços eram 20% inferiores e o fato de lhes devolverem os 17% do IVA tornavam a viagem atraente para muitos. “Além disso, encher o tanque de gasolina na Bósnia-Herzegovina também é muito mais barato”, disse Zoran Smijanovic, morador de Loznica, de 34 anos. O preço do litro da gasolina de alta qualidade Euro-premium é de US$ 1,6 naquele país, enquanto na Sérvia custa US$ 1,95.

“Não parece muito, mas economizar vários milhares de dinares por mês em gasolina ou muito mais em roupa e calçado para as crianças significa muito”, ponderou o analista de economia Misa Brkic. “Isto ajuda as pessoas, particularmente nas regiões fronteiriças do sul, que estão entre as mais pobres do país”, acrescentou. A Sérvia tem a menor renda média da região, de US$ 390 mensais. A introdução da economia de mercado em 2000 significou uma abertura aos produtos estrangeiros, às quais o Estado impôs altos tributos.

O sistema de viajar sem a necessidade de visto entre os países da UE, que na Sérvia começou em 2009, deu a muitos cidadãos a oportunidade de cruzar livremente a fronteira e comprar mais barato.Embora os impostos venham baixando gradualmente desde 2008, particularmente desde que naquele ano a Sérvia obteve o status de candidata a membro da UE, cresce a carestia em uma nação que nos últimos anos empobreceu. Desde o colapso da economia em 2008, o poder aquisitivo dos sérvios caiu ao seu nível mais baixo desde 2000.

“O poder aquisitivo na Sérvia diminuiu pelo menos um terço em 2011, com uma enorme perda de empregos e limitada renda familiar”, disse Brkic à IPS. “A maioria dos preços aqui continua sendo os mesmos, mas as pessoas têm cada vez menos dinheiro para comprar qualquer coisa que não sejam produtos básicos, como alimentos. Por isso, que a Sérvia é mais barata para os vizinhos”, acrescentou. Os salários nominais médios são de US$ 965 na Croácia, US$ 455 na Bulgária e de US$ 520 na Bósnia-Herzegovina. Envolverde/IPS