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Temperatura do planeta sobe e investimentos limpos caem

Parque eólico em Tianjin, na China, que é o maior fabricante mundial de turbinas eólicas e painéis solares. Foto: Mithc Moxley/IPS
Parque eólico em Tianjin, na China, que é o maior fabricante mundial de turbinas eólicas e painéis solares. Foto: Mithc Moxley/IPS

 

Nações Unidas, 8/4/2014 – A falta de políticas claras e a queda livre dos preços da energia solar fizeram baixar 14% os investimentos em fontes renováveis no ano passado, afirma um estudo divulgado ontem. Os investimentos caíram em todo o mundo, inclusive em economias emergentes como Brasil, China e Índia. Mas foram os drásticos cortes na Europa, até então líder mundial no setor, os que marcaram o retrocesso.

Em 2013, esse continente gastou US$ 48 bilhões a menos do que no ano anterior em energias limpas. O informe, divulgado conjuntamente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a Frankfur School e a empresa de dados Bloomberg New Energy Finance, apresenta uma imagem bastante otimista do setor, que cresce após um período de consolidação.

Entretanto, a investigação só conseguiu identificar “um punhado” de projetos significativos que podem suplantar – não complementar – a geração tradicional de energia em escala ampla e reduzir as emissões de carbono.

“Os custos menores, uma volta à rentabilidade para os principais fabricantes, o fenômeno em muitos países do mercado não subsidiado e uma atitude mais propícia para as fontes renováveis por parte dos investidores foram sinais de esperança após vários anos de uma dolorosa sacudida no setor”, disse em uma declaração Michael Liebrich, presidente da Junta Assessora da Bloomberg New Energy Finance.

As fontes renováveis constituíram 43% da nova capacidade energética e aumentaram sua parte na geração mundial, de 7,8% para 8,5%. Porém, não puderam deslocar o crescente consumo de carvão no Sul em desenvolvimento, que conseguiram frear, mas não reduzir. No ano passado, as energias limpas impediram que cerca de 1,2 gigatoneladas de dióxido de carbono fossem liberadas na atmosfera. De todo modo, as emissões mundiais cresceram 2,1%.

“Por si só, os investimentos em fontes renováveis certamente não crescerão o suficiente para colocar o mundo em um caminho compatível com a meta dos dois graus”, pontuou Ulf Moslener, chefe de pesquisa do Centro de Colaboração Frankfurt School e Pnud para o Clima e Energia Sustentável, em referência ao umbral do aquecimento global que os cientistas calculam que não deveria se superado.

Um aumento superior a dois graus, em relação às temperaturas globais do ano de 1900, teria consequências catastróficas para grande parte do planeta, afirmam especialistas. Moslener disse que o ambiente de investimentos depois da crise financeira mundial e o contexto regulatório do sistema bancário internacional contemplado nos Acordos da Basileia III tornaram menos atraente o setor das energias renováveis para os grandes capitais e para os investidores institucionais, que buscam mais retornos para cobrir os altos custos associados com os projetos.

Um estudo encomendado no ano passado pelo governo norueguês prevê que “o capital e os requisitos de liquidez da Basileia III provavelmente limitarão a quantidade de dinheiro oferecida pelos bancos para o financiamento da energia renovável no futuro”.

O informe de Frankfurt conclui que os capitalistas de risco e as empresas de fundos de investimento reduziram consideravelmente sua participação em companhias especializadas em energias renováveis em 2013, para apenas US$ 2 bilhões, em seu nível mais baixo desde 2005. Mas será difícil convencer os reguladores mundiais a criarem espaço para o tipo de investimentos e ativos que causaram a crise financeira.

“Sempre é mais rápido um governo dizer ‘vamos fixar um preço para a energia’ do que mudar suas regulamentações financeiras”, apontou Eric Usher, chefe da unidade de finanças da Divisão de Tecnologia, Indústria e Economia do Pnud. Apesar da incerteza, Usher disse que os investidores começam, ainda que muito lentamente, a notar que as energias renováveis são cada vez mais intercambiáveis com ativos que pagam renda, como os bens imobiliários.

“Houve um crescimento nos bônus verdes, e os fundos de pensão estão começando a se mexer”, pontuou Usher à IPS. “Nos Estados Unidos e no Canadá há estruturas tributárias que agrupam as plantas de energia e as vendem aos investidores. Dão financiamento a custo muito baio. Os investidores com planos de longo prazo se interessam por tecnologias maduras”, afirmou.

As ações das empresas de energias limpas que superaram seu período de consolidação e capacidade excessiva, principalmente na indústria solar, aumentaram seu valor em 54% no ano passado, praticamente duplicando os ganhos no mercado. Apesar dos dividendos para os gestores de carteira e para as empresas de obtenção de capitais estrangeiros, o principal índice de energia limpa, o New Energy Global Innovation Index (NEX), ainda está 60% abaixo de seu máximo de 2007.

“No longo prazo, os marcos gerais do mercado terão que mudar para integrar uma fração maior de energias renováveis na rede”, destacou Moslener à IPS. “Isso também vai precisar de atenção. Creio que as fontes renováveis serão apenas parte da solução”, acrescentou. A menos que se consiga significativos cortes no atual nível de emissões, as fontes renováveis poderão deixar de ser uma resposta de ponta para se converterem em outros combustíveis de baixo custos com vistas a um maior crescimento.

Embora a maioria dos modelos preveja que o uso de energias contaminantes começará a diminuir em meados deste século, sem cortes e sem mudar a filosofia de desenvolvimento, será muito tarde para se evitar as consequências mais trágicas da mudança climática. “O sistema financeiro que temos hoje se baseia em uma teoria que não ajuda o desenvolvimento sustentável. A realidade é um grande desafio que levará tempo resolver. As energias renováveis não são a solução em si mesmas”, enfatizou Usher. Envolverde/IPS