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Tabaco burla leis de controle na América Latina

Foto: Divulgação/Internet

Buenos Aires, Argentina, 8/3/2013 – Apesar dos avanços da América Latina em matéria de legislação contra o vício de fumar, a indústria do tabaco burla restrições à publicidade mediante variadas estratégias, alertam organizações sociais e especialistas na matéria. Com a publicidade proibida em todos os países da região, as campanhas agora se dirigem aos pontos de venda, onde se busca aumentar a visibilidade dos produtos, e a financiar programas de responsabilidade social, que ajudam a manter a vigência das marcas, associadas a causas altruístas.

É o que se depreende do informe A Saúde não se Negocia. A Sociedade Civil Diante das Estratégias da Indústria do Tabaco na América Latina, elaborado pelos capítulos argentino e mexicano da Fundação Interamericana do Coração (FIC) e da Aliança Contra o Tabagismo no Brasil, entre outras entidades. Mariela Alderete, vice-diretora da FIC Argentina, explicou à IPS que neste país a indústria se aproveita da brecha causada pela falta de regulamentação da lei de controle do tabaco, aprovada em 2011. “A regulamentação ajudaria muito a cobrir vazios legais, por exemplo, em publicidade ou áreas livres de cigarro”, afirmou.

A Argentina é o único país da América do Sul que não ratificou o Convênio Marco da Organização Mundial da Saúde para Controle do Tabaco, assinado pelo governo em 2003, devido à oposição de províncias produtoras de tabaco a quais argumentam que essas normas atentam contra as economias locais, embora 80% do cultivo seja exportado.

O informe da FIC e da Aliança afirma que nos últimos anos houve “grandes avanços” na região para controlar o vício de fumar. “Apesar disso, a indústria cria estratégias inovadoras para atingir novos públicos e violar ou burlar políticas de saúde” que procuram prevenir doenças e mortes causadas pelo tabagismo. As estratégias se repetem quase parecidas em alguns casos, com iguais argumentos, rebatidos uma e outra vez pelas entidades sanitárias que promovem o controle.

O objetivo é evitar a sanção de leis ou enfraquecê-las uma vez em vigor, denuncia o estudo divulgado no final do ano passado, mas quase ignorado pelos meios de comunicação. Segundo o informe, as empresas pressionam contra as leis se amparando em “grupos de fachada”, que podem ser pequenos produtores de tabaco, proprietários de bares, restaurantes, salas de jogos ou bancas de jornal, com o objetivo de ressaltar os supostos impactos negativos que teriam as limitações para fumar.

Também condicionam dirigentes políticos e legisladores mediante financiamento de campanhas eleitorais ou de outras iniciativas, e manipulam dados para colocar em xeque medidas que são eficazes para combater este vício, como o aumento dos impostos sobre o produto. A lei argentina proíbe a publicidade, com exceção dos pontos de venda. O Ministério da Saúde também decidiu no ano passado que os maços de cigarros contenham uma foto com advertências sanitárias do tipo “Fumar causa câncer” ou “A mulher grávida que fuma causa danos irreparáveis ao seu filho”, entre outras.

Segundo Alderete, para banalizar a advertência são fabricados maços com um recorte que só permite que se veja a marca e do lado em que deveria estar a foto colocam os dizeres “Não me incomode”. A regulamentação está paralisada, entre outros motivos, pela oposição da Loteria Nacional, órgão estatal encarregado de administrar as salas de jogos, que pede a criação de lugares para fumantes e que seja validada a instalação de purificadores e sistemas de ventilação.

“É essa proposta que a indústria do tabaco faz em seu programa Convivência e Harmonia, mas se sabe que estes sistemas não são efetivos e  afetam o direito à saúde dos trabalhadores e dos não fumantes. Ou seja, a indústria se vale da Loteria Nacional como fachada”, denunciou Alderete.

No México, as empresas buscaram desacreditar as tentativas de elevar impostos que tenham impacto no preço final, argumentando que com essa medida só se conseguiria aumentar o contrabando. Os executivos do setor utilizaram inclusive dados contraditórios com a informação oficial. Enquanto as firmas divulgavam nos meios de comunicação e em capangas de rua que o comércio ilegal havia quintuplicado, dados oficiais citados no informe mostram que o contrabando diminuiu “significativamente” nos últimos anos.

Entretanto, cresceram sem controle, nos últimos anos, os estabelecimentos que vendem cigarros avulsos e para crianças, apesar da proibição expressa da lei, disse à IPS o especialista Erick Ochoa, da FIC México. “De nada serve ratificar o Convênio Marco e contar com uma legislação sólida se depois ambas não são cumpridas de fato”, acrescentou. “As boas intenções não bastam, é necessária uma direção política disposta a criar uma legislação sólida e que seja cumprida”, ressaltou.

No Brasil, pioneiro em proibir a publicidade (desde 2000), também há interferências. Como a proibição não atinge o interior dos pontos de venda, o cigarro, que antes era comprado apenas em bancas quiosques, agora também são comercializados em padarias, supermercados, ou discotecas. Segundo o informe A saúde não…, a filial da multinacional BAT apresentou em 2012 uma demanda judicial contra a Aliança de Controle do Tabagismo, para que a entidade retirasse da televisão um spot que propunha limite ao consumo de cigarros. A justiça não aceitou a demanda.

O litígio também foi o caminho escolhido pela indústria no Uruguai, onde por lei é proibido fumar em todo lugar público fechado e, desde 2009, foi aprovada por decreto a exigência de fotos de advertência sobre doenças em 80% do espaço de cada face do maço de cigarros. A multinacional norte-americana Philip Morris processou o Uruguai em tribunais internacionais por supostamente afetar seus investimentos, mas o governo da esquerdista Frente Ampla manteve a mesma postura que impulsionou a lei em 2008.

Na Colômbia, onde a proibição de publicidade é completa, foram apresentadas duas demandas de inconstitucionalidade, que foram rechaçadas. Depois se avançou sobre os estabelecimentos comerciais, oferecendo patrocínio de atividades da Federação Nacional de Comerciantes, com encontros em todo o país. As fábricas de cigarros financiam os encontros de donos de quiosques e organizam concursos, descontos, prêmios e incentivos para o setor.

“Oferecem até bolsas para a universidade para filhos dos comerciantes”, contou Alderete. Mas, a maior preocupação das organizações não governamentais é a promoção de programas contra o trabalho infantil, atos artísticos e culturais ou projetos de reinserção de desmobilizados (ex-membros de organizações armadas ilegais de esquerda e de direita) e suas famílias, que costumam ter como sócios organismos do Estado que compartilham esses fins. Assim, é possível encontrar em jornais artigos com títulos como “Programas sociais da empresa Coltabaco beneficiam 13.500 desmobilizados desde 20008”. Segundo o informe, “é uma burla à proibição completa e não é visto como estratégia publicitária”. Envolverde/IPS