Arquivo

Situação política no Zimbábue caminha por campo minado

Manifestação do Movimento pela Mudança Democrática-Tsvangirai em 29 de julho de 2013, dois dias antes das eleições municipais. Muitos zimbabuenses estão decepcionados com a direção política do país. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
Manifestação do Movimento pela Mudança Democrática-Tsvangirai em 29 de julho de 2013, dois dias antes das eleições municipais. Muitos zimbabuenses estão decepcionados com a direção política do país. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

 

Harare, Zimbábue, 25/3/2014 – Leroy Muzamani, de um subúrbio pobre da capital do Zimbábue, veste uma camiseta desgastada, sapatos com infinitos reparos e calças que são muito grandes para ele, enquanto espera junto ao Departamento de Obras Públicas de Harare que o escolham para trabalhar por dia. “Sempre estamos à caça de empregos que nem mesmo existem. Desde as eleições de 2002, muitos depositamos nossas esperanças em nossos dirigentes políticos, pensando que solucionariam nossos problemas de desemprego, mas, não”, afirmou à IPS.

Este morador do bairro Highfield, em Harare, é comerciante mas nunca conseguiu trabalho nessa profissão, e culpa o governo por não priorizar a situação crítica dos desempregados do país. O Banco da Reserva do Zimbábue situou o desemprego em 10,7%, segundo o último dado oficial, de 2011. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) estima que 60% da população economicamente ativa do país carece de trabalho.

Assim, como muitos outros zimbabuenses, Muzamani perdeu a esperança no rumo político desta nação da África austral. “Temos muitas perguntas sem resposta neste momento, sofremos penúrias, perguntamos quem mudará realmente a dinâmica de nossa política para melhor. Os principais partidos políticos fracassaram e estão envolvidos nas lutas internas pelo poder”, observou.

A governante União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Patriótica (Zanu-PF) está cheia de rachas internos, enquanto se comenta que as diferentes facções lutam para suceder seu líder, o presidente Robert Mugabe, de 90 anos e no poder há 33 anos. Assegura-se que uma facção do Zanu-PF está liderada pela vice-presidente do país e do partido, Joice Mujuru, enquanto outra é encabeçada pelo secretário de assuntos legais do partido, Emerson Mnangagwa.

O opositor Movimento pela Mudança Democrática-Tsvangirai (MDC-T) também está cheio de divisões, entre reclamações para que seu líder, Morghan Tsvangirai, renuncie devido ao reiterado fracasso nas urnas desde 2002. Em fevereiro, o subsecretário geral do MDC-T, Elton Mangoma, pediu urgência a Tsvangirai, por carta, para abandonar o cargo e dar lugar a um novo líder com ideias renovadas. Mas isto não caiu bem entre os partidários de Tsvangirai, que impulsionaram a suspensão de Mangoma.

Isso causou ansiedade entre muitos zimbabuenses como Muzamani, que consideram que os dirigentes políticos não lhes oferecem esperanças de um futuro melhor. “Há uma confusão cada vez maior entre os zimbabuenses sobre em quais líderes depositar suas esperanças. Agora duvidam tanto de Mugabe quanto de Tsvangirai”, disse à IPS o analista político Whatmore Makokoba.

Os líderes da sociedade civil também se mostram céticos quanto ao futuro das maiores organizações políticas do país. “Ao se ampliarem os rachas na Zanu-PF e no MDC-T, para eles o futuro é realmente incerto. Ambos podem estar caminhando para seu Waterloo”, disse à IPS Claris Madhuku, diretor da Plataforma para o Desenvolvimento Juvenil.

O analista político independente Malvern Tigere afirmou à IPS que isto apresenta a pergunta “a quem os zimbabuenses seguirão agora, entre um fracasso e outro”. E explicou que “primeiro foi Mugabe que deu esperanças ao país, ao ficar independente da Grã-Bretanha, na década de 1980, quando chegou ao poder. Mas seu governo só ajudou a diminuir os ganhos obtidos durante a era colonial, e agora muitos zimbabuenses olham a era colonial com saudades”.

“Segundo, temos Tsvangirai, que despertou a esperança de que Mugabe abandonasse o poder, mas que agora está envolvido em disputas pela liderança em seu próprio partido, desiludindo milhões de seus partidários”, pontuou Tigere. Contudo, os principais partidos políticos do país não veem dessa forma. “A Zanu-PF tem uma história de inquestionável grau de unidade desde que se formou, há meio século, e continua sendo um partido no qual os zimbabuenses confiam até hoje”, disse à IPS o porta-voz nacional do partido, Rugare Gumbo.

O porta-voz nacional do MDC-T, Douglas Mwonzora, confia igualmente na direção de seu partido. “O MDC-T é a única alternativa para a mudança real no país. é um partido que não foi atingido pelos boatos mentirosos de rachas divulgados por nossos detratores”, disse à IPS. Mas o analista sociopolítico Brian Mateyo disse à IPS que “se os principais atores políticos realmente estão falhando, significa que há campo propício para surgirem outras forças políticas”.

David Chidende, encarregado de programas para Informação e Educação Juvenil para a Mudança de Comportamento, não descartou o mal-estar civil. Ele afirmou à IPS que “pode haver levantes promovidos por civis, mas isso não é muito óbvio. Os jovens têm que adotar uma nova estratégia e formar um movimento maciço que lute pelo curso democrático deste país. Os jovens do país são os mais afetados, e se não agirmos corremos o risco de sofrer perpetuamente”.

Muzamani ressaltou que talvez essa seja a única maneira de implantar uma mudança política. “Como gente comum traída, um dia as circunstâncias nos forçarão a tomar o assunto em nossas mãos e liderar a luta pela mudança política por nossa conta”, enfatizou. Envolverde/IPS