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Sindicatos e Estado, desunião

Cairo, Egito, 7/4/2011 – A Federação de Sindicatos do Egito, controlada pelo Estado e que por um século foi usada pelo governo para suprimir os protestos dos trabalhadores, parece desmoronar após a queda do presidente Hosni Mubarak. “Há um movimento contrário ao controle estatal sobre os sindicatos”, disse Mohamed Trabelsi, especialista regional em atividades sindicais para a Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Há muitas greves e protestos trabalhistas no Egito, e os trabalhadores de muitos setores começaram a organizar e formar sindicatos independentes”, acrescentou.

Até há pouco tempo, todas as atividades e o financiamento das organizações trabalhistas estavam sob a égide da Federação. Ativistas acusam Mubarak de ter orquestrado cuidadosamente as eleições da Federação durante seus 30 anos de governo para assegurar que os líderes sindicais fossem leais ao regime. Nesse tempo, a Federação mobilizou seus quatro milhões de membros para manifestações em apoio ao regime e transportou trabalhadores até os locais de votação durante as eleições gerais para votarem no partido oficialista. Também reprimiu as greves para garantir que o Estado tivesse sempre mão-de-obra barata.

“Só podia haver greves com permissão da Federação, que era concedida apenas uma vez” de tempos em tempos, explicou Tamer Fathy, porta-voz do Centro para Serviços de Sindicatos e Trabalhadores. “A lei trabalhista de 2003 melhorou as coisas, permitindo aos trabalhadores realizar greves sob certas circunstâncias, mas que na prática eram quase impossíveis de cumprir”, acrescentou.

Entretanto, mesmo durante o regime de Mubarak, havia racha na direção da Federação. Agora que o mandatário caiu e que o partido de governo se desarma, os trabalhadores pressionam para que também esse órgão seja dissolvido e seus líderes julgados. Promotores já investigam denúncias de corrupção contra o presidente da Federação, Hussein Megawer. Ativistas o acusam de malversação de fundos e de não representar os trabalhadores. Também é investigado por suposta responsabilidade na organização de ataques a manifestantes pró-democratas na Praça Tahrir, no Cairo, no dia 2 de fevereiro.

A Federação esteve em destaque desde o final de 2006, quando trabalhadores têxteis na cidade industrial de Mahalla El-Kubra realizaram um protesto por benefícios não pagos. Desde então, mais de três mil manifestações foram organizadas em todo o país, das quais participaram mais de dois milhões de trabalhadores de quase todos os setores. Na maioria dos casos, os trabalhadores exigiam salários maiores e melhores condições profissionais, bem como a demissão de chefes corruptos. Muitos também acusam os líderes da Federação – cuja maioria é formada por membros do Partido Nacional Democrático, de Mubarak – de ficar do lado do governo e dos proprietários das fábricas durante os protestos.

Os arrecadadores de impostos sobre a propriedade foram os primeiros a deixar a Federação, criando em 2009 o Sindicato da Autoridade Impositiva sobre Bens de Raiz. Foi a primeira organização sindical autônoma no Egito desde 1957. Sua histórica decisão e sua luta contra as represálias e intimidações da Federação inspiraram outros setores. “Os trabalhadores rechaçam a Federação oficial porque não tem credibilidade. Seus líderes corruptos serviram ao regime, e suas decisões foram de cima para baixo”, disse Tamer à IPS.

Líderes sindicais recentemente anunciaram a formação da Federação Egípcia de Sindicatos Independentes, que incluiria os arrecadadores de impostos, professores, trabalhadores da saúde e aposentados. O órgão em questão representaria mais de 200 mil empregados, e já recebeu milhares de pedidos de filiação de vários setores. “É a primeira vez que sindicatos independentes e fortes estão longe da influência do governo e são plenamente democráticos. Os trabalhadores querem uma sólida representação, capaz de sentar com seus empregadores e negociar melhores salários e benefícios”, afirmou Tamer.

O novo ministro do Trabalho, Ahmed El Borai, é especialista legal em organização trabalhista e um firme partidário dos sindicatos. Foi designado para o cargo depois que os manifestantes rejeitaram o nome do tesoureiro da Federação, Ismail Fahmy. Em entrevista coletiva no mês passado, Borai destacou o inalienável direito dos trabalhadores de formar sindicatos e federações independentes segundo as convenções trabalhistas internacionais que o Egito ratificou, mas ignorou.

Prometeu, ainda, que o novo governo não vai interferir na criação de organizações sindicais nem regulará suas eleições, finanças ou atividades. Também anunciou o cancelamento dos subsídios estatais à Federação, estimados em quase US$ 15 milhões por ano. Borai também garantiu que os trabalhadores poderão eleger livremente seus representantes e anunciou o fim da cobrança do imposto sindical. A Federação agora dependerá de sua capacidade de convencer os trabalhadores egípcios de que poderá defender seus direitos, historicamente relegados. Envolverde/IPS