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Somália: regresso depois do inferno

Jovem somaliano caminha pelo bairro de Hodan, na capital. Foto: Abdurrahman Warsameh/IPS

Mogadíscio, Somália, 18/1/2012 – Em carros puxados por burros e carregados com seus pertences, somalianos regressam após quatro anos aos destruídos bairros desta cidade, que estiveram sob controle do grupo islâmico Al Shabaab. Agora que grande parte da capital foi recuperada pelas forças do governo, apoiadas pela União Africana, os moradores se animam para retornar às suas casas após a surpreendente retirada dos extremistas em agosto do ano passado.

Apesar de ainda ocorrerem incidentes, há uma crescente sensação de segurança. Os residentes iniciaram um lento processo de reconstrução de suas casas e de suas vidas, embora não haja dados oficiais de quantos voltaram para as áreas antes ocupadas por Al Shabaab. Muitos tiveram que passar anos em condições de miséria em abrigos improvisados nos arredores da cidade.

Maryan Guled viveu com seu marido e cinco filhos no acampamento de Elasha, arredores de Mogadíscio, desde 2008. Agora puderam regressar ao seu antigo bairro no distrito de Hodan, mas encontraram sua casa completamente destruída após os confrontos pelo controle da cidade. A família fora obrigada a abandonar a casa depois que uma rajada de tiros matou a irmã de Guled.

“As coisas começaram a ir mal quando, surpreendentemente, nosso bairro se transformou, em 2008, em palco de bombardeios indiscriminados e tiroteios. Minha irmã e muitos de meus vizinhos, que estavam bem próximos, morreram diante dos meus olhos. Tivemos que fugir só com nada além de nossas vidas”, contou Guled, enquanto varria o quintal de sua arruinada casa. Ela disse que não sabe como poderá pagar a reforma.

O Governo Federal de Transição Somaliano, financiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por países doadores, não conseguiu apoiar economicamente os moradores para que reconstruam suas casas. E as agências de ajuda internacionais continuam ocupadas dando assistência aos refugiados por causa da fome.

E os desafios de segurança persistem. Centenas de minas terrestres sem explodir, colocadas pelo Al Shabaab, permanecem espalhadas em todas as áreas abandonadas pelos rebeldes islâmicos. Funcionários do governo alertaram os cidadãos para a presença de explosivos, que já mataram vários civis e feriram dezenas. Os que regressam também dizem que os próprios soldados governamentais são uma ameaça.

Soldados são acusados de assassinatos, violações, roubos e saques. O governo impôs o estado de emergência nas áreas antes ocupadas pelos islâmicos, enquanto os tribunais militares já julgaram e condenaram vários soldados por violações e saques. Alguns foram condenados à morte por assassinarem civis, e outros receberam penas de prisão. Nas últimas semanas os abusos diminuíram.

Enquanto isso, escolas e mercados começam lentamente a reabrir em Mogadíscio, enquanto o governo municipal faz reparos na principal avenida da cidade. A iluminação voltou a alguns distritos, as ruas foram limpas e o lixo coletado. Contudo, os demais serviços ainda estão ausentes. Apenas companhias privadas administram água e eletricidade para os moradores que podem pagar. Os hospitais nas áreas abandonadas pelos islâmicos estão destruídos ou fechados.

Dahir Kulmiye e sua família de cinco membros voltaram à sua casa parcialmente destruída em Hodan, pouco depois que os rebeldes abandonaram a cidade, em agosto. Ele disse que a falta de água e eletricidade é o maior problema, enquanto as empresas públicas, destruídas durante duas décadas de guerra civil, tentam reiniciar seus serviços.

“A falta de água potável é outro grande problema para nós desde que regressamos, há um mês. A companhia de energia restaurou a eletricidade em muitas casas, e esperamos que chegue até a nossa em breve”, afirmou Kulmiye à IPS, acrescentando que seus filhos não tiveram outra opção a não ser ir para uma escola distante de casa porque as mais próximas estão em reforma.

Mohamed Hallane contou que sua família queria regressar à sua antiga casa, no distrito de Hawlwadag, no sul da capital, antes reduto do Al Shabaab. Mas a casa foi destruída por morteiros e precisa de grande reforma para que possam se mudar. “Fui ver minha casa. As áreas estão seguras, mas quase todas as casas em nosso bairro apresentam marcas de projéteis, e há buracos feitos por balas por todo lado”, descreveu Hallane à IPS.

Enquanto os somalianos tentam reconstruir suas vidas, também encontram tempo para desfrutar. Pela primeira vez em anos puderam visitar as praias de Mogadíscio. Centenas de pessoas foram à praia de Lido no final de semana do Natal. Envolverde/IPS