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Regresso de tuaregues e árabes a Mali ainda demora

Ramatou Wallet Madouya (d) e sua irmã Fatma (e) no acampamento de Goudebo, em Burkina Faso. Foto: Marc-André Boisvert/IPS

 

Goudebo, Burkina Faso, 25/2/2013 – Fatimata Wallet Haibala está sentada com seu filho deficiente sobre sua saia junto a outras mulheres e adolescentes em uma barraca de campanha. Poderia ser uma reunião de tuaregues no deserto, mas estão em um acampamento de refugiados de Goudebo, em Burkina Faso, a cerca de cem quilômetros de casa, em Mali. “A vida é mais dura para as mulheres no acampamento”, contou Haibala, que vive ali com seus cinco filhos. “Temos que cuidar da família enquanto os homens perambulam livres”, disse à IPS.

Haibala é viúva e ganha algum dinheiro vendendo leite em caixa e açúcar que compra de outros refugiados fora do acampamento, onde vive há um ano. Fugiu de Mali antes do começo do conflito em 2012, quando uma revolta de rebeldes tuaregues – um povo nômade que se movimenta por parte desse país, por Níger e Argélia – eclodiu no norte. Em abril, uma coalizão de grupos islâmicos armados, aliados da rede extremista Al Qaeda, expulsou o Movimento Nacional para a Libertação de Azawad, como são chamados os tuaregues rebeldes e laicos.

A coalizão islâmica, integrada por Al Qaeda no Magreb Islâmico, Movimento da Unicidade, a Jihad na África Ocidental (Muyao) e Ansar Dine, manteve o controle do território até que a intervenção de forças francesas e do exército de Mali recuperou a zona norte em janeiro. O conflito já deixou 150 mil refugiados nos países vizinhos, 40 mil só em Burkina Faso, além de 230 mil refugiados dentro de Mali. Todos os dias chegam novos refugiados a este acampamento, a maioria de “pele clara”, como os árabes chamam os tuaregues em Mali.

O marido de Haibala era um soldado tuaregue leal ao exército de Mali, que morreu lutando contra uma revolta em Agelhok, no leste, em fevereiro de 2012. Quando os combates se aproximaram de sua casa, Haibala decidiu fugir. Chegou a este acampamento em fevereiro de 2012, muito antes de os islâmicos imporem a shariá (lei islâmica) no norte. “Toda pessoa de pele clara fugiu de Gao”, outra cidade ao norte de Mali, contou. “Agora ouvimos que nos perseguem, não vejo o dia em que regressaremos”, lamentou Haibala, de 49 anos.

Os combates continuam e, no dia 21, o exército enfrentou um grupo armado. O medo de represálias é o principal motivo pelo qual os refugiados que estão em Burkina Faso não regressam às suas casas. Os relatos de ataques contra gente de pele clara, verdadeiros ou falsos, se misturam com as dolorosas lembranças das revoltas tuaregues dos anos 1990, quando o exército de Mali e grupos paramilitares executaram vários civis tuaregues e árabes.

A organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, expressou em vários comunicados que o exército de Mali executou várias pessoas suspeitas de serem rebeldes islâmicos ou seus partidários. Mas o presidente Dioncounda Traoré rechaçou a acusação no dia 20. Entretanto, as mulheres do acampamento se reúnem em uma barraca de campanha para discutir sobre os boatos de violações e assassinatos. Nenhuma delas presenciou um fato violento, mas lhes chegam histórias. “Sabemos que alguns comerciantes foram assassinados pelo exército no mercado de Gao”, disse Fatma Targui.

Mais longe, em outra barraca, Abou Haoula, de aproximadamente 50 anos, e alguns amigos bebem chá. Em Goudebo prevalecem as tradições e homens e mulheres não se misturam muito. Eles chegaram em janeiro procedentes de Gao. Alguns vieram em automóvel e outros em lombo de burro ou camelo. Ao cruzarem a fronteira com Burkina Faso, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) se encarregou deles. “Fugimos por causa das bombas e dos combates, foi demasiado. Uma bala perdida poderia nos atingir. Tivemos que partir”, contou.

Desde a invasão islâmica, acrescentou Haoula, até o começo dos bombardeios, recebiam ajuda alimentar da Argélia e de Mali de forma constante. Após o ataque das forças francesas em janeiro, a vida parou e também as doações de insumos. Nesse momento, Haoula e outros refugiados decidiram partir. “O Muyao foi duro, mas nos deixavam tranquilos se cumpríssemos as regras”, disse Amidy Ag Habo, que foi vice-prefeito de N’takala, um pequeno povoado a 60 quilômetros de Gao.

“Não conhecíamos os islâmicos. Eram estrangeiros”, disse Habo à IPS. Mas as pessoas de pele clara são consideradas aliadas do Muyao em Gao, acrescentou. O acampamento de Goudebo fica em uma região árida. Organizações não governamentais cuidam de cavar poços de água e reconstruir infraestrutura básica para atender as necessidades básicas de aproximadamente 7.440 refugiados que foram colocados aqui em janeiro. As autoridades mudaram o acampamento por medo de que os combates de Mali cruzassem a fronteira, bem como pela ameaça de sequestros.

Apesar das duras condições de vida, Haoula se sente aliviado por estar aqui. “Agora podemos dormir. Em Mali não podia fechar os olhos”, contou. Os homens, coincidem em que em Gao é o momento da vingança. “Não há governo no norte de Mali. O exército toma todas as decisões. São polícia, juízes e governo. Os franceses não matam. Apenas ignoram o que faz o exército”, apontou Habo.

Por sua vez, Fatou Wallet Mahadi considera que os islâmicos não eram tão ruins quanto o exército. “Não existe Mali sem o Azawad”, afirmou. “Nós, os tuaregues do Azawad, agora pertencemos ao Mali. Acreditamos que algum dia voltaremos. Só que agora é impossível. Muita tensão. Estamos fartos da violência a cada dez anos. Quando voltarmos, teremos de trabalhar uma solução verdadeira para vivermos juntos”, ressaltou. Envolverde/IPS