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Recrudescem as reclamações contra Wade

Quatro pessoas morreram desde o começo dos protestos contra a candidatura do presidente Abdoulaye Wade. Foto: Jedi Ramalapa/IPS

Dacar, Senegal, 7/2/2012 – Mamadou Diop, de 32 anos, pagou com a vida por protestar contra a candidatura à reeleição por um terceiro mandato do velho presidente do Senegal, Abdoulaye Wade. Seus amigos afirmam que ele rechaçava a injustiça. Desde o começo dos protestos, em 27 de janeiro, morreram quatro pessoas, entre elas um policial, e várias ficaram feridas, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) do Senegal. As mobilizações contra a candidatura de Wade para as eleições do dia 26 deste mês são lideradas pelo Movimento 23 de Junho (M23), que reúne jovens e outros atores da sociedade civil.

“As pessoas estão descontentes porque sabem que o presidente Wade não pode assumir outro mandato”, disse Chrystelle Ndaya, jornalista independente. “O presidente Wade é velho e deve ir embora. Não tem a mentalidade juvenil. As pessoas querem mudanças. É a primeira vez que vemos um levante estudantil”, afirmou.

Diop foi morto pela violenta repressão contra a manifestação convocada pela oposição política, ativistas sociais e estudantes em 31 de janeiro, na Praça do Obelisco, para expressar seu desagrado pela decisão do Conselho Constitucional de aceitar a candidatura de Wade, de 85 anos e desde 2000 na Presidência do Senegal.

O melhor amigo de Diop e companheiro de aula em mestrado, Bacary Sejnane, de 29 anos, disse à IPS que viu o ocorrido pela televisão. “Vi que chegava um veículo grande da polícia onde estavam reunidas as pessoas e um homem no chão. Tentou se levantar, mas não conseguiu. Vimos como foi atropelado”, contou Sejnane. “Quando disseram seu nome na televisão vi que era meu amigo”, recordou. Segundo o CICR, o veículo que atropelou Diop foi um caminhão lança-água.

Este jovem, casado e com duas filhas pequenas, era discípulo da confraria mouride, de inspiração sufi, que conta com muitos seguidores no Senegal. Estava terminando mestrado em Literatura Moderna na Universidade Xeque Anta Diop, gostava de estudar e era líder em sua turma, contaram seus companheiros de aula. “Opunha-se à injustiça. Por isto, estava na Praça do Obelisco”, disse Sejnane.

Diop era um estudante conhecido e quando souberam de sua morte seus colegas se reuniram e marcharam até o hospital onde estava sue corpo. Ali enfrentaram a polícia, que os forçou a recuarem. A avenida onde fica a Universidade viveu cenas semelhantes às de uma guerra civil. Os estudantes formaram barricadas em algumas partes com o que tinham à mão, pedras grandes e pequenas e caixões de madeira usados por vendedores de rua.

A decisão do Conselho Constitucional, que também invalidou a candidatura do cantor internacional Youssou N’dour, de reconhecida trajetória internacional, deixou muitos senegaleses descontentes, afirmam observadores. Além disso, nos últimos três a cinco anos, o custo de vida disparou. O preço de produtos básicos, como pão, combustível, arroz e açúcar triplicou. São tão caros para muitas famílias que só podem comer uma vez por dia, explicou Ndaya.

Para Mamadou Ba, que termina mestrado em sociologia na Universidade Xeque Anta Diop, o assunto excede o problema do custo da cesta básica. “É uma questão moral, trata-se de recuperar a dignidade e o respeito de um líder que deu sua palavra”, disse. Wade prometeu renunciar se os cidadãos senegaleses pedissem, lembrou Ba.

“Os estudantes sentem que se deixarem passar este fato sem expressar seu descontentamento será como aceitar que mintam para eles o resto da vida”, explicou Ba. “Os protestos tinham por finalidade conscientizar a população, não semear a violência”, acrescentou. “Creio que as autoridades sabem que, se mostrarem fotografias da oposição atuando com violência, as pessoas podem mudar seu voto. Os senegaleses não são violentos, são tranquilos”, ressaltou.

O M23 prometeu manter os protestos até Wade retirar sua candiatura. Sejnane não acredita que o levante no Senegal possa comparar-se à Primavera Árabe no Egito e em outros países africanos. A população senegalesa “não é violenta, respeita a democracia e a lei”, acrescentou. “A polícia existe para manter a ordem, e é bom que o faça, mas às vezes as pessoas também precisam se expressar”, respondeu à pergunta da IPS sobre se foi o Estado de direito que matou seu amigo. Envolverde/IPS