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Quando as chuvas não chegam

O Sri Lanka depende muito da água, por isso é particularmente vulnerável aos variáveis padrões de chuvas e temperaturas. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 25/7/2012 – Para muitos cingaleses, os efeitos da mudança climática podem ser resumidos em uma só palavra: chuva. “O maior impacto da mudança climática é a chuva, ou sua falta”, disse à IPS W L Sumathipala, especialista em alteração dos padrões climáticos. “A disponibilidade de água pode impactar em múltiplas coisas no Sri Lanka, desde os cultivos até a geração de eletricidade ou a moeda”, acrescentou Sumathipala, que já esteve à frente da Unidade de Mudança Climática do Ministério do Meio Ambiente.

Os últimos seis meses, com sua implacável combinação de chuvas escassas e temperaturas abrasadoras, demonstraram a veracidade de suas palavras. O fato de na temporada de monções não chover o suficiente teve sérias consequências na vida dos cingaleses, em seus meios de sustento e na economia em geral. Nos distritos da região centro-norte, vital para a colheita de arroz do país, secaram pequenas reservas de água destinada à irrigação. E outras maiores, alimentadas por rios, deixaram de ser úteis para os agricultores porque seus volumes diminuíram muito.

A água do Parakrama Samudraya, um tanque de 20 quilômetros quadrados situado no distrito de Polonnaruwa, só tinha 8% de sua capacidade na primeira semana deste mês, devido à falta de chuva. “Esta é, provavelmente, a pior seca que sofremos nos últimos anos”, afirmou à IPS R M Karunarathna, engenheiro especialista em irrigação. Quase seguramente, a seca terá severos efeitos sobre a colheita de arroz. Os agricultores que dependem do Parakrama Samudraya e das reservas vinculadas a ele fizeram protestos públicos alertando que já perderam mais de 16 mil hectares de arrozais.

Mais ao norte, segundo as últimas atualizações da Organização das Nações Unidas (ONU) para o país, a falta de água ameaça desfazer os ganhos obtidos desde o fim da guerra civil, em maio de 2009, em áreas que até então haviam sido cenário dos combates. O conflito começou em 1983, após uma série de ataques da comunidade cingalesa, majoritária neste país, contra a tamil, que lutava pela separação do norte e leste do Sri Lanka, onde predominava.

“O atraso das chuvas de monções no noroeste causou severa seca no país, afetando seu setor agrícola e ameaçando destruir a maior parte dos rendimentos previstos para o arroz, as verduras e outros cultivos alimentares”, alertou a ONU. Segundo o Ministério da Agricultura, cerca de 60,7 mil hectares de terras de cultivo correm risco de serem destruídos, acrescentou. A falta de água também levou a capacidade elétrica do Sri Lanka a depender quase por completo da energia térmica.

Em um ano médio, a energia hidrelétrica bastava para cobrir cerca de 42% do fornecimento do país, disse Thilak Siyambalapitiya, assessor em energia e ex-engenheiro do Conselho de Eletricidade do Sri Lanka, em conversa com a IPS. Nos anos em que as chuvas foram excepcionalmente altas, por exemplo, entre final de 2010 e começo de 2011, a contribuição das fontes hidrelétricas chegou a 50%. De fato, em 2011 o Conselho de Eletricidade do Ceilão (antigo nome do Sri Lanka) registrou um ano de ganhos incomuns, em boa parte devido ao componente hidrelétrico, destacou.

“Este ano teremos sorte se o Conselho puder atender em torno de 25% (das necessidades de iluminação) a partir de fontes hidrelétricas”, previu Siyambalapitiya. Contudo, mesmo esta previsão pode ser otimista: no começo deste mês menos de 15% da eletricidade necessária era atendida por represas. Gerar uma unidade de eletricidade por essa via custa cerca de US$ 0,01, enquanto os custos da energia térmica aumentam o preço para US$ 0,07, para US$ 0,11 no caso do óleo combustível e para US$ 0,18 no do diesel. “As diferenças de custo são exorbitantes”, afirmou.

Como se não bastasse, a rupia (moeda nacional) desvaloriza diante do dólar desde o final do ano passado. Em meados de novembro de 2011, o Banco Central deixou de intervir para fortalecer a moeda, e nos oito meses seguintes a rupia caiu cerca de 17%. “Quando as chuvas não chegam e o calor faz evaporar a água superficial, é isto que conseguimos” disse Sumathipala. É provável que o fenômeno continue. Os especialistas preveem que a escassez hídrica terá um papel crucial nos próximos anos.

O último informe anual do Banco Central diz que, nas duas últimas décadas, as temperaturas registraram aumento de 0,45 graus. Uma elevação de 0,5 grau pode reduzir em 5,9% os rendimentos da colheita de arroz. O Banco acrescentou que isto seria desastroso para os 1,8 milhão de habitantes – cerca de 10% da população do país – que dependem da agricultura para sobreviver. “O Sri Lanka é vulnerável ao impacto da mudança climática, em boa parte por depender de modo crucial dos recursos hídricos para a biodiversidade, a segurança alimentar, os meios de sustento e a geração elétrica”, segundo o informe.

O Segundo Comunicado Nacional sobre Mudança Climática 2012, um informe do Ministério do Meio Ambiente, também confirmou que o padrão de altas temperaturas e pouca chuva terá enorme impacto sobre as colheitas de arroz. Este documento revela que, devido a essas mudanças nas temperaturas e nas precipitações, enquanto a zona seca ficará cada vez mais seca, é provável que a úmida se torne mais chuvosa do que o necessário. Inclusive, sugere transportar a água excedente para as duas áreas. A alta concentração de chuvas na zona úmida aumenta o risco de danos vinculados às inundações, além da propagação de doenças como a dengue.

Nos últimos cinco anos aumentou o número de casos de dengue no país durante e depois das chuvas de monções, especialmente em áreas urbanas planas como a capital. Colombo é vulnerável a inundações repentinas, já que as partes baixas da cidade “ficam sob a água cada vez que há chuva intensa mesmo que por poucas horas”, segundo o informe. Os especialistas afirmam que, para acompanhar as mudanças na disponibilidade de água, é vital uma coordenação melhor entre as empresas públicas e privadas e os especialistas. “Algumas das mudanças e dos padrões podem ser previstos, mas necessitamos de melhor comunicação para estarmos prontos para eles”, ressaltou à IPS a diretora da Unidade de Mudança Climática do Departamento Meteorológico, Malika Wimalasuriya. Envolverde/IPS