Internacional

Protestos agravam incertezas no Brasil das crises

Uma multidão, calculada em 210 mil pessoas pelo Instituto Datafolha e em um milhão pela polícia, participou em São Paulo dos protestos contra a presidente Dilma Rousseff e a corrupção, no dia 15, quando foram realizadas manifestações semelhantes em todos os Estados do Brasil. Foto: Fotos Públicas
Uma multidão, calculada em 210 mil pessoas pelo Instituto Datafolha e em um milhão pela polícia, participou em São Paulo dos protestos contra a presidente Dilma Rousseff e a corrupção, no dia 15, quando foram realizadas manifestações semelhantes em todos os Estados do Brasil. Foto: Fotos Públicas

 

Rio de Janeiro, Brasil, 18/3/2015 – O Brasil incorporou as manifestações de rua como um dado novo em suas variadas crises, cuja sinergia dificulta uma resposta do governo manietado pela necessidade de um ajuste fiscal, que por sua vez avivaria os protestos. Centenas de milhares de pessoas, segundo estimativas comedidas, ou dois milhões, segundo a polícia, protestaram, no dia 15, em Brasília e nas 26 capitais do país, contra a presidente Dilma Rousseff, o PT e a corrupção.

Dois dias antes, centrais sindicais e movimentos sociais reuniram 170 mil manifestantes, segundo os organizadores, e apenas 26 mil, segundo a polícia, em defesa do governo, mas contra suas medidas de austeridade fiscal que afetam direitos trabalhistas. Isto é, um apoio com restrições.

“Muito preocupado”, se mostrou à IPS o cientista político Fernando Lattman-Weltman, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, diante das incertas evoluções que a crise poderá ter, apesar do caráter pacífico, sem atos de violência, das manifestações. “O clima tenso e perigoso vai se prolongar”, previu. É difícil que o movimento tenha incentivo para repetir mobilizações periódicas indefinidamente, sem risco de degenerar em violência, e depois “se dissipar como ocorreu com as marchas de junho de 2013”, acrescentou.

A tendência seria de radicalização, diante da dificuldade de resultados imediatos para grupos que gritam “fora Dilma e PT” e que “o governo Dilma acabou”, indicando que para eles é intolerável esperar até as eleições de outubro de 2018. O perigo tem raízes também do outro lado, com “um governo sem vocação política, apenas gerencial, em dificuldades para reconstruir um sistema de relações políticas com o Congresso e um PT fragmentado pelas disputas internas”, destacou Lattman-Weltman.

Segundo esse especialista, “o governo também carece de iniciativa para propor e controlar a agenda política nacional, que poderia destacar a reforma política e temas interessantes como a reforma tributária, para mudar o rumo da situação”. Tudo ocorre tendo como cenário “uma má situação econômica, de inflação e desemprego em alta e uma conjuntura internacional desfavorável, que corrói o apoio popular e reduz o poder de resposta do governo”, acrescentou.

A isso se soma a crise hídrica na região Sudeste, a mais rica do país, e a do pobre Nordeste, fato que reduz a capacidade hidrelétrica pela diminuição de suas represas, com risco de racionamento energético nos próximos meses.

Os protestos opositores foram organizados pelo Movimento Brasil Livre, que pede o impeachment de Dilma, pelo Vem Pra Rua, que não pede a saída da presidente, e outro pequeno grupo favorável a uma intervenção militar e uma ditadura para frear a corrupção. Experiências semelhantes do passado recente em pouco ajudam a análise do quadro político atual, inédito, em que Dilma enfrenta um protesto em massa quando se completam 74 dias do seu segundo mandato, após ser reeleita em outubro.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) também começou seu segundo mandato debilitado pelo chamado “estelionato”, ao promover uma “maxidesvalorização” cambiária em janeiro de 1999, depois de garantir durante a campanha eleitoral que manteria estável o valor do real. “Porém, ninguém propôs seu impeachment, apenas uns poucos gritavam ‘fora FHC’ e não houve investigação sobre os rumores de corrupção na aprovação parlamentar da reeleição imediata”, recordou Lattman-Weltman.

Durante o primeiro mandato de FHC foi aprovada uma emenda constitucional que facultou a então proibida reeleição imediata de chefes de poderes executivos. Ele e seus dois sucessores até agora foram reeleitos.

O Fora Dilma e PT pedido agora nas ruas acontece no começo de um mandato de quatro anos conquistado nas urnas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) também enfrentou um escândalo de corrupção que envolveu importantes ministros de seu governo e dirigentes do PT, partido que fundou em 1980 e que levou ao poder, acusados de comprar votos parlamentares, subornados com pagamentos mensais.

Mas o “mensalão” estourou em agosto de 2005 e a proximidade das eleições estimulou a oposição a mantê-lo “sangrando” para destruir sua força eleitoral. Não deu resultado. Lula, popular por suas políticas sociais, superou o escândalo, ganhou um segundo mandato e fez Dilma sua sucessora.

Restam ao movimento anti-Dilma possibilidades limitadas a “duas hipóteses improváveis, que são a renúncia da presidente e um golpe de força”, e uma “mobilização tamanha que pressione o parlamento a iniciar um processo de impeachment”, afirmou Lattman-Weltman.

No regime presidencialista como o brasileiro, a destituição legal do chefe de Estado é uma exceção, no Brasil a cargo do Senado, que exige condições jurídicas – isto é, um delito concreto –, políticas e sociais, com a mobilização de partidos e da população, explicou à IPS o consultor político André Pereira.

O único caso conhecido e de sucesso de destituição no Brasil foi do presidente Fernando Collor, inabilitado por corrupção em 1992, dois anos depois de iniciar seu mandato, após praticar o mais estrepitoso “estelionato eleitoral”. Confiscou todas as contas de poupança em seu primeiro dia de governo, uma medida que durante a campanha eleitoral de 1989 insistia que não seria adotada e que, ao contrário, isso seria feito por seu adversário, Lula, caso ganhasse.

Para o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), as manifestações contra e a favor do governo têm algo em comum e “positivo”. “É a sociedade que se mobiliza, já cansada da corrupção, principalmente no campo político”, segundo Osiris Barboza de Almeida, coordenador do Comitê Rio da Ficha Limpa.

O escândalo da Petrobras, que tem 53 políticos sob investigação policial por indícios de subornos de construtoras e outras empresas que prestam serviços à estatal, impulsionou os protestos contra Dilma, junto com “as mentiras” de sua campanha eleitoral, quando negou o ajuste fiscal que acabou por adotar agora.

“O centro da corrupção não é o governo, mas a política em geral e o pilar de tudo é o financiamento privado das campanhas eleitorais”, afirmou Almeida, membro do MCCE, à IPS. Por isso, o movimento leva adiante um projeto de lei para modificar as regras eleitorais do país, que são “causas da corrupção” e encarecem muito as campanhas, tirando a representação parlamentar das minorias pobres. A proposta de iniciativa popular exige a assinatura de 1,42 milhões de eleitores, o equivalente a 1% do total.

“A conjuntura, com a sociedade indignada pela corrupção, favorece a reforma política. Em situações menos favoráveis, anos atrás, conseguimos a aprovação parlamentar de duas iniciativas populares, uma lei que penaliza a compra de votos e a ‘ficha limpa’ dos candidatos”, que inabilita os condenados pela justiça, destacou Almeida.

O Supremo Tribunal Federal praticamente já aprovou a proibição financiamento de candidatos por empresas. Seis dos 11 magistrados apoiaram, em abril de 2014, a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nesse sentido, mas um juiz pediu tempo para decidir e, embora o prazo para isso seja de 30 dias, isso paralisou a decisão desde então. Pessoas jurídicas não têm direitos políticos, por isso não podem fazer doações que também desequilibram a disputa eleitoral, argumenta a OAB. Envolverde/IPS