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Os males de preferir filhos homens

Um grupo de meninos chineses brinca no barro. Em 2013, um em cada dez homens em idade de casar não encontrará companheira. Foto: Jimmiehomeschoolmom/CC BY 2.0

Washington, Estados Unidos, 24/2/2012 – Em 2005, havia na Ásia 163 milhões a mais de homens do que de mulheres, uma quantidade superior ao total da população feminina dos Estados Unidos. Este desequilíbrio, para o qual o Ocidente pode ter contribuído, apresenta vários problemas, alertam especialistas. O forte crescimento populacional da Ásia nos anos 1970 fez o governo dos Estados Unidos temer que uma onda de imigrantes dessas latitudes chegasse até este país, por isso priorizou iniciativas de controle da natalidade nessa região, afirmou a especialista Mara Hvistendahl.

A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, o Banco Mundial e outras organizações multilaterais começaram a destinar dinheiro para atender o que era visto como um problema a combater. Também houve esforços para legalizar o aborto, não em defesa dos direitos das mulheres, mas como método de controle da população, disse a autora de Unnatural Selection: Choosing Boys Over Girls and the Consequences of a World Full of Men (Seleção Pouco Natural: Preferindo Meninos a Meninas e as Consequências de um Mundo Cheio de Homens).

Os pesquisadores observaram que os casais, especialmente na Ásia, continuavam tendo filhos em busca do varão.

Então, lhes pareceu óbvio que o melhor método para reduzir a taxa de natalidade era o conseguirem na primeira tentativa. O fato coincidiu com o desenvolvimento das tecnologias de reprodução, especialmente a possibilidade de saber o sexo do feto mediante a amniocentese. Assim, médicos do Instituto Todo Índia de Ciências Médicas, financiado pelos norte-americanos Instituto Rockfeller e Fundação Ford, fizerem experimentos, em 1975, com exames feitos de forma gratuita em mulheres pobres. Cerca de mil mulheres com fetos femininos decidiram abortar, e os médicos proclamaram o aborto seletivo como método de controle populacional, explicou Hvistendahl.

O aborto seletivo se propagou pela China e Índia, em particular. O método contou com apoio do então presidente do norte-americano Conselho de População, Bernard Berelson, do cientista alemão Paul Ehrlich, e, inclusive, de mulheres como a ex-legisladora norte-americana Clare Boothe Luce. Porém, a professora de economia Lena Edlund, da Universidade de Columbia, considera um exagero responsabilizar o Ocidente pela preferência sexual do feto na Ásia. A tecnologia facilitou enormemente uma preferência existente, mas o mais importante foram as normas culturais e a disposição de rejeitar fetos femininos.

O desequilíbrio de gênero não é exclusivo da China e da Índia, mas aparece cada vez mais na Coreia do Sul, Taiwan, Vietnã, Albânia, Armênia e em outros países do Cáucaso. Um estudo do Instituto Gallup  de 2011 concluiu que, mesmo nos Estados Unidos, os pais preferem filhos homens. Apesar das suposições, a preferência sexual não é consequência de problemas econômicos ou de políticas de filho único. Hvistendahl acredita que se trata de uma “escolha interna”.

“O desejo de controlar a reprodução não é tudo. Por exemplo, um dia será possível escolher a altura. Como as pessoas altas costumam estar melhor na maioria das sociedades, é razoável pensar que com o tempo haverá um aumento de meninos e meninas de maior altura. Isso foi, mais ou menos, o que ocorreu com a preferência pelo homem”, detalhou a especialista.

Agora aparecem as consequências. Os homens nascidos na década de 1980 na China não encontram mulheres, apontou Hvistendahl. Em 2013, um em cada dez chineses em idade de se casar não encontrará companheira. Estima-se que, em 2020, no noroeste da Índia, entre 15% e 20% dos homens enfrentarão o mesmo problema.

“Alguns economistas norte-americanos preveem que, na medida em que escasseiam as mulheres, estas serão mais valorizadas. Contudo, o que ocorreu é que, especialmente as mais pobres e em situações de risco, são consideradas cada vez mais como mercadoria valiosa. É uma diferença crítica”, alertou Hvistendahl à IPS.

Para Edlud, é errado considerar que o problema é só a escassez de mulheres. “A perspectiva masculina é que não há mulheres suficientes para se casar ou ter uma companheira. A perspectiva feminina está perdida porque, para elas, o problema é que as reduzem a uma propriedade produzida pelos pobres e vendida aos homens ricos”, afirmou. “Creio que a correção do desequilíbrio de gênero atende o problema dos homens, que não podem encontrar companheira, mas não a preocupação pelo bem-estar das mulheres”, acrescentou.

O informe sobre Tráfico de Pessoas, do Departamento de Estado dos Estados Unidos de 2009, diz que o maior desequilíbrio na Ásia é motivo do aumento do tráfico sexual. Há uma tendência crescente neste continente para casamentos impostos, prostituição forçada e casamentos transfronteiriços, em que as mulheres de áreas pobres são entregues a homens de regiões ricas. Algumas famílias pobres de países como Vietnã preferem ter filhas com a esperança de vendê-las, o que leva a outro problema: não haver mulheres suficientes para os homens pobres. O que é preocupante, opinou Edlund, é que esta situação confinará as mulheres a uma permanente “subclasse”.

As pessoas pobres “estarão melhores com filhas, como no Vietnã, pois elas podem se casar com taiwaneses ou japoneses ou coreanos, em lugar de ter um filho que não poderão fazer com mulheres vietnamitas porque vão para outro país”, explicou. “Depois teremos uma situação em que os países ricos produzirão homens, e as mulheres serão uma ‘subclasse’ dos setores pobres. Creio que é um grave problema”, advertiu.

Os governos tentam atender o problema proibindo o ultrassom que mostra o sexo do feto, mas, segundo Edlund, não é certo. “Os exames pré-natais fazem parte da atenção para preservar a saúde da mãe e do bebê e é muito difícil proibir a determinação do sexo do feto. Uma vez feita a identificação, é difícil o aborto seletivo sem ser totalmente proibido”, afirmou. “Creio que estas práticas são fundamentalmente sem eficiência, é possível que enviem um sinal, mas penso que é importante analisar as formas em que os pais discriminam as meninas e tentar retificar isso”, ressaltou. Envolverde/IPS