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O multilateralismo ameaçado

A OMC continuará sendo multilateral?

Genebra, Suíça, 18/10/2011 – Os países em desenvolvimento, particularmente da África, estão preocupados com as tentativas do Norte industrial de mudar a dinâmica das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC). As nações ricas pretendem introduzir novos temas de debate na oitava reunião ministerial da OMC, entre 15 e 17 de dezembro, em Genebra, antes de completar o acordo de Doha. As negociações comerciais da Agenda de Desenvolvimento de Doha, lançadas em 2001, tinham o objetivo de corrigir os desequilíbrios históricos e as assimetrias no sistema comercial mundial, conseguindo a integração dos países mais pobres.

Contudo, agora, as nações industrializadas insistem em negociar novos temas controvertidos, como investimentos, políticas de competição, segurança energética e mudança climática, em geral conhecidos como “temas do Século 21”, sem antes encerrar velhos assuntos como acesso a mercados livre de impostos e de cotas para os países mais pobres.

Nas últimas semanas, os países do Norte lançaram uma campanha para alterar o contexto de negociações da OMC, propondo deixar o formato multilateral, no qual todos os membros têm voz, e adotar um plurilateral, que restringiria a participação a um grupo seleto de países. As nações industrializadas argumentam que o atual sistema, com participação de todos os membros da OMC, não está funcionando.

“Os amigos africanos parecem ter um problema com relação a novos temas e ao enfoque plurilateral”, disse à IPS o embaixador Luzius Wasescha, enviado especial da Suíça à organização. Mas, “se esses novos assuntos não forem discutidos na OMC, os membros o discutirão por fora e eles (os africanos) lamentarão”, alertou.

A polêmica chega em um momento em que o diretor-geral da organização, Pascal Lamy, promove a ideia de que o tema da próxima reunião ministerial seja “OMC: a Instituição que Cumpre”. Autoridades de comércio dos países do Sul se perguntam se realmente a organização e seus poderosos condutores cumpriram as promessas que fizeram dentro da agenda de Doha.

“É uma piada considerar esse assunto quando a credibilidade da OMC está em seu ponto mais baixo no tocante a atender a preocupação dos países mais pobres”, disse um diplomata comercial africano que pediu para não ser identificado. O Norte deseja que seus temas na agenda de Doha sejam atendidos primeiro e que os demais, que preocupam o Sul, sofram uma morte lenta, queixou-se o diplomata.

“Em lugar de debater assuntos como acesso a mercados livre de impostos e cotas, além da remoção dos subsídios agrícolas ao algodão e a outros produtos, e permitir aos países mais pobres que gozem dos benefícios do comércio global, algumas nações insistem agora nos temas do Século 21”, disse o embaixador Faizel Ismail, enviado comercial da África do Sul à OMC.

“Que sentido tem embarcar nos temas do Século 21 sem primeiro concluir as negociações dos temas do Século 20, que são relevantes para os países mais pobres da África e de outros lugares”, teria perguntado o enviado comercial da Mauritânia, Shree Baboo Chekitan Servansing, ao presidente do Conselho Geral da OMC, o nigeriano Yonov Frederick Agah, durante uma consulta informal. Agah supervisiona os preparativos para a oitava reunião ministerial.

Agah, coordenador do grupo de países da África, do Caribe e do Pacífico, exige que sejam resolvidos os temas de comércio e desenvolvimento, que datam da Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas Alfandegárias e Comércio (GATT), precursor da OMC, nas décadas de 1980 e 1990.

Porém, as nações industrializadas não estão convencidas. Em carta confidencial enviada a vários ministros de Comércio e à qual a IPS teve acesso, o ministro australiano, Graig Emerson, pediu “um novo caminho para a liberalização comercial global”, às vésperas da reunião do Grupo dos 20, na cidade francesa de Cannes, no próximo mês.

Emerson propôs um debate de assuntos seletos em um contexto plurilateral, enquanto são negociados outros assuntos de forma paralela. Embora a carta fale de algumas concessões aos países mais pobres, o documento promove os temas do Século 21. “A agenda de Doha é longa e complexa, com muitos enredos entre os temas, e por isso é difícil alcançar um progresso. Algumas partes poderiam ser mais facilmente resolvidas e deveríamos nos permitir avançar nesses temas”, diz a carta. Envolverde/IPS