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O horror não termina na prisão

Hamza, que não quis mostrar o rosto, ainda não superou o trauma. Foto: Jillian Kestler-D’Amours/IPS

Beith Sahour, Palestina, 27/3/2012 – “Estava desesperado. Não falava com ninguém. Não queria sair de casa. Estava muito nervoso e me irritava com qualquer coisa”, contou o palestino Hamza, de 17 anos, que não passa um dia sem recordar seus sofrimentos na prisão militar israelense de Ofer. No ano passado, Hamza foi detido no meio da noite, acusado de ter jogado pedras contra colonos israelenses perto de sua escola na Cisjordânia.

O jovem disse à IPS que foi algemado, vendado e que recebeu socos enquanto era levado a um centro de interrogatório. “Me perguntaram onde e como havia atirado as pedras, em que momento exato, se foi de noite ou de dia, e quem estava comigo”, descreveu. “Na prisão fui colocado em uma pequena cela. A comida era passada por baixo da porta. Comíamos no mesmo lugar onde urinávamos. Às vezes nos despiam e faziam piadas e, ao mesmo tempo, batiam na gente”, acrescentou o adolescente.

Hamza passou cinco meses na prisão militar israelense de Ofer. Não teve contato com seus pais nem outros familiares. Três meses após ser libertado, entrou em um programa de reabilitação da Associação Cristã de Jovens (ACJ) em Beit Sahour, perto de sua casa na aldeia de Takoua, na Cisjordânia. A mudança, garantiu, foi quase imediata. “Me senti bem com as sessões de aconselhamento e percebi que estava cada vez melhor, melhor até mesmo do que antes de ir para a prisão”, disse Hamza, que agora aprende carpintaria. “Depois que comecei a trabalhar como carpinteiro fiquei mais forte, já nada me assusta. Comecei a ver o futuro de maneira positiva”, ressaltou.

As últimas estimativas indicam que Israel prende e detém cerca de 700 menores palestinos por ano. Isto obrigou organizações na Cisjordânia e em Jerusalém oriental a desenvolverem programas para amenizar os fortes traumas que estes jovens sofrem ao sair da prisão. Criado em 1989, pouco depois da primeira Intifada (levante popular palestino contra a ocupação israelense), o programa de reabilitação da ACJ em Jerusalém oriental é o primeiro de seu tipo. Oferece apoio psicológico e procura fazer com que os adolescentes regressem à escola ou frequentem planos de capacitação profissional.

Segundo o diretor do programa, Nader Abu Amsha, o objetivo é dar aos menores mecanismos para evitar que revivam o trauma. “Damos o melhor de nós não apenas na terapia, mas também na construção de mecanismos de superação e em ajudá-los a que aprendam a se recuperar das experiências traumáticas”, explicou. “Um trauma pode ocorrer uma vez na vida. Mas aqui, na Palestina, onde são vividas experiências difíceis diariamente, com os postos de vigilância, soldados por todos os lados, colonos atacando pessoas… Tudo o que nos rodeia pode reviver um trauma do passado”, acrescentou Amsha.

A organização Save the Children e o programa da ACJ apresentaram, no dia 11, um relatório sobre o impacto das prisões israelenses de menores palestinos. As organizações estimam que desde 2000 Israel deteve mais de oito mil crianças e adolescentes palestinos em Jerusalém oriental e na Cisjordânia, entre eles alguns de apenas 12 anos. Com as mãos atadas e vendados, meninos e meninas, em geral presos acusados de jogarem pedras, são levados para prisões israelenses ou assentamentos na Cisjordânia para interrogatório, que quase sempre são realizados sem a presença dos país ou do advogado do detido, segundo o documento.

Todos os palestinos na Cisjordânia estão submetidos a um sistema de tribunais militares criado desde que Israel ocupou o território em 1967. Segundo o informe, estes tribunais “não têm a missão de funcionar como um completo sistema legal, mas como um braço judicial” da potência ocupante, o que significa que dá maior ênfase à segurança do que à justiça.

O informe também concluiu que quase todas as crianças (98%) foram vítimas de violência física ou psicológica durante sua prisão, e que 90% sofrem desordem de estresse pós-traumático, com pesadelos, enurese noturna, ansiedade e outros sinais de trauma. “Todos estes sintomas podem ser superados. Devem ser tratados, e nosso interesse principal é ajudá-los a superar o impacto psicológico da prisão e da dura experiência que sofreram. Seu direito e o de ser reabilitado”, destacou Amsha.

No caso de Mouath, de 19 anos, que também passou oito meses na prisão de Ofer acusado de jogar pedras, o processo de reabilitação foi benéfico não apenas para ele, mas também para sua família e seus amigos. “Fui à escola depois de libertado, mas se negaram a me matricular. Fiquei sem fazer nada em casa. Tinha problemas com meus pais e com meus amigos o tempo todo. Me sentia deprimido, sufocado. Tinha pensamentos frequentes sobre a prisão. Estava muito assustado”, contou à IPS.

Mas hoje, depois das sessões de aconselhamento, não sente mais medo. “A ocupação israelense continua, mas agora os soldados não me molestam. Estou muito mais aliviado. Meus problemas diminuíram e minhas dificuldades psicológicas e os pensamentos negativos desapareceram”, afirmou Mouath, que agora trabalha em eletrônica automotiva. Envolverde/IPS