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Negociações do clima e da agenda pós-2015 compartilham o caminho

Susana Villarán, prefeita de Lima, presente no Vozes pelo Clima, durante a COP 20, um espaço para o desenvolvimento sustentável da cidade. Foto: Victor Vásquez/COP20
Susana Villarán, prefeita de Lima, presente no Vozes pelo Clima, durante a COP 20, um espaço para o desenvolvimento sustentável da cidade. Foto: Victor Vásquez/COP20

 

Lima, Peru, 4/12/2014 – A agenda de desenvolvimento da comunidade internacional pós-2015 dependerá em aspectos importantes de que os delegados de 195 países, reunidos na 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, alcancem acordos para reduzir o aquecimento global, já que seus efeitos se estendem a todas as atividades humanas.

O impacto da mudança climática na agricultura, saúde ou moradia de populações vulneráveis e na redução da pobreza implica que o avanço na busca por uma solução definitiva para o aquecimento global tenha uma incidência fundamental nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), afirmaram à IPS especialistas ouvidos durante a COP 20.

Entre os dias 1º e 12, a capital peruana recebe a cúpula anual da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), da qual deve sair o rascunho de um novo tratado global e vinculante, com medidas e compromissos para conter a elevação das temperaturas.

“É importante manter um objetivo explícito de mudança climática dentro dos ODS que nos permita ressaltar a importância dessas alterações, porque são coisas inter-relacionadas e para nós os ODS são uma boa oportunidade para comunicar isso”, apontou à IPS a oficial de políticas pós-2015 da Rede Internacional de Ação Climática (CAN), Lina Dabbagh.

Hoje, a Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) deve fixar em um informe se a seu ver a mudança climática tem de ser um dos ODS, que ao final de 2015 substituirão os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), no que representará a agenda pós-2015 da comunidade internacional para impulsionar o desenvolvimento.

Para Dabbagh, é preciso enfatizar as conexões entre pobreza e luta contra a mudança climática e que a “agenda dos ODS é um bom espaço para encontrar o argumento sobre como podemos conseguir os dois objetivos e como podemos conseguir melhor vida para todos, incluído o planeta”. A posição oficial da CAN, o conglomerado de organizações da sociedade civil dentro das negociações climáticas, diz que é importante que esse vínculo esteja explícito, ao mesmo tempo em que se conecte com os demais objetivos.

“Temos de educar as pessoas, e educá-las sobre o que acontecerá com a mudança climática e os ODS são uma boa oportunidade para fazê-lo. Mais gente sabe sobre estes do que do processo da CMNUCC”, pontuou Dabbagh que vive atualmente no México. Para a ativista alemã, converter a mudança climática em um ODS “é uma boa maneira de chegar às pessoas que não alcançamos antes sobre nossa mensagem de mudança climática e como temos que solucioná-lo para poder ter um desenvolvimento sustentável e salvar vidas”.

Desse modo, o rascunho do novo protocolo do clima, que deverá ser assinado dentro de um ano em Paris, terá uma importância especial, tanto para os negociadores climáticos como para a nova agenda de desenvolvimento sustentável a ser impulsionada no contexto da ONU. Os processos estão em um momento crucial e ambos compartilham o caminho para o segundo semestre de 2015: em setembro, em Nova York, a Assembleia Geral da ONU deverá ratificar a redação final dos ODS e em novembro acontecerá a COP 21 na capital francesa, onde deverá surgir o novo tratado climático, para que entre em vigor em 2020.

Crianças turcas com uma caixa de morangos recém-colhidos. A resposta aos efeitos da mudança climática na agricultura será fundamental para se alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Foto: Pnud
Crianças turcas com uma caixa de morangos recém-colhidos. A resposta aos efeitos da mudança climática na agricultura será fundamental para se alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Foto: Pnud

 

Se os delegados na Assembleia Geral conseguirem integrar satisfatoriamente a mudança climática na agenda pós-2015, seu aval poderá dar um grande impulso aos negociadores climáticos que chegarão a Paris. Assim ocorreu com a Cúpula sobre o Clima realizada em setembro deste ano em Nova York, junto com as mobilizações sociais paralelas que ocorreram em grandes capitais mundiais, recordaram delegados e ativistas em Lima.

Além das negociações, as agendas dos dois processos estão interligadas em muitos pontos. Segundo informou o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) em seu quinto informe, divulgado no dia 2 de novembro, se for mantido o ritmo atual de emissões de gases-estufa, as populações mais vulneráveis serão as mais afetadas.

Outro informe deste ano, da britânica Agência Católica para o Desenvolvimento (Cafod), afirma que o IPCC, criado para informar e alimentar a CMNUCC, poderá fazer o mesmo com os futuros ODS. “Todos os exemplos que dá, todos os temas que toca, estão diretamente relacionados com os ODS. Então, não se pode dizer que um documento informa um processo sem dizer: veja, pode ser igualmente relevante para os ODS”, opinou à IPS o analista do Clima e Energia para a Cafod, Rob Elsworth.

Isso têm presente as organizações da sociedade civil focadas nas agendas de desenvolvimento, que regressaram com força às negociações sobre mudança climática, depois de sua decepção durante a COP 15, em 2009, em Copenhague, quando os países não chegaram a um esperado acordo de redução das emissões de dióxido de carbono na atmosfera.

“Nos reincorporamos ao debate climático porque vimos que é complicado trabalhar temas de desenvolvimento sem tratar da mudança climática. O trabalho que fazemos com nossos sócios nos diferentes países (em temas de microagricultura e águas) não pode avançar se existe um macro problema a solucionar”, destacou Elsworth.

Os dois primeiros ODS definidos pela ONU em julho são eliminação da pobreza e erradicação da fome mediante a segurança alimentar e a agricultura sustentável. Ambos estão diretamente relacionados com a mudança climática, repetem os especialistas na COP 20. Ontem foi o Dia da Agricultura na cúpula, e entidades do setor aproveitaram para ressaltar os vínculos entre mudança climática e práticas agrícolas. Também destacaram a importância dos pequenos agricultores em garantir um futuro sustentável.

“A agenda pós-2015 já faz esforços para garantir que a agricultura climaticamente inteligente seja um elemento central e as grandes agências mundiais em temas de alimentação trabalham sobre essa agenda”, observou Gernot Laganda, especialista em adaptação à mudança climática do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida).

Até 2050, teremos dois bilhões de pessoas que terão de ser alimentadas, lembrou Laganda à IPS, e, se “a agricultura não estiver estruturada de modo climaticamente inteligente, não será capaz de fornecer os aumentos necessários na produção sem afetar os recursos naturais”.

O Fida apresentou na COP 20 um estudo demonstrando que a transferência de tecnologia, o acesso à informação meteorológica e a preparação para uma rápida intervenção em caso de desastre está permitindo aos pequenos agricultores obter os alimentos necessários para si mesmos e suas famílias em um mundo cada vez mais quente.

Agricultores se conscientizam

Um caso onde a conscientização sobre a mudança climática serviu para promover ações de desenvolvimento sustentável foi o dos agricultores de café da localidade peruana de Sangoa, na selva central amazônica. Uma praga os fez compreender que a mudança climática era um fenômeno próximo, que alteraria seus processos agrícolas e que deviam se adiantar a isso.

“Estamos dentro do espesso da selva e temas como furacões ou incêndios são vistos muito distantes”, afirmou à IPS o gerente da cooperativa agrícola da localidade, Raúl Castro, que participa da COP 20. Mas a praga em sua comunidade foi exacerbada pelo aumento das temperaturas, pois, “para que a broca do café se desenvolva a esta magnitude, ela precisa de temperaturas entre 24 e 25 graus centígrados, que não chegavam em nossas altitudes da selva, e agora aconteceu e temos que nos adaptar”, enfatizou. Envolverde/IPS