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Mísseis do Hamas não explicam a destruição de Gaza por Israel

Palestinos procuram seus pertences entre os escombros de um prédio de apartamentos de Gaza, destruído por um ataque aéreo em 24 de agosto. Foto: Shareef Sarhan/ONU
Palestinos procuram seus pertences entre os escombros de um prédio de apartamentos de Gaza, destruído por um ataque aéreo em 24 de agosto. Foto: Shareef Sarhan/ONU

 

Washington, Estados Unidos, 11/9/2014 – Israel rechaça as acusações de ter realizado uma destruição indiscriminada em Gaza e um massacre de seus moradores, argumentando que seus ataques tinham por objetivo proteger a população israelense dos mísseis que o movimento palestino Hamas lançava a partir de estruturas civis. Mas, embora o Hamas tenha lançado alguns mísseis a partir de locais próximos a casas e outras construções civis, as evidências militares dos dois lados dessa guerra, iniciada em 8 de julho e que durou 50 dias, invalidam o argumento em defesa dos ataques de Israel contra objetivos civis.

Os lança-foguetes dos mísseis Qassam do Hamas, de fabricação caseira, consistem em tripés simples que podem ser retirados em questão de segundos. E a extensa rede de túneis, que esse movimento palestino escavou, proporcionou locais de lançamento subterrâneos e lugares para armazenar seus foguetes Grad e M-75, maiores e de maior alcance. Por outro lado, a Força Aérea de Israel possui mísseis ar-terra tão precisos que podem destruir um objetivo muito pequeno sem nenhum dano a construções civis, ainda que estas estejam próximas.

Um vídeo que as Forças de Defesa de Israel (FDI) divulgaram em agosto, sobre “o uso ilegal da infraestrutura civil” pelo Hamas, mostra um ataque, evidentemente de um avião não tripulado israelense, contra um lança-foguetes subterrâneo a poucos metros de uma mesquita, sem causar a esta nenhum dano. Essa tecnologia acaba com toda justificativa para a destruição de prédios civis, ainda que perto dos lança-foguetes. De fato, a evidência atual indica que os locais de lançamento do Hamas não estavam tão próximos de hospitais, escolas e mesquitas.

Em meados de julho, as FDI pretenderam usar o argumento da defesa contra os lança-foguetes para explicar o dano causado por 15 mísseis contra o Hospital Geriátrico e de Reabilitação Al Wafa, no leste de Gaza, que forçou sua evacuação. Um porta-voz das FDI declarou que não tiveram “outra opção” porque os mísseis foram lançados de um lugar muito perto do hospital.

Mas esse mesmo porta-voz revelou a Allison Degler, do Mondoweiss, um blog de notícias sobre o Oriente Médio, que o suposto local de lançamento estava a cem metros do hospital. Essa distância era mais do que suficiente para atacá-lo sem causar dano algum ao hospital.

Um informe das FDI, de 19 de agosto, inclui uma vista aérea do hospital com dois supostos locais de lançamento de mísseis indicados, em lugares que parecem muito mais distantes do hospital do que os cem metros declarados pelo porta-voz militar. Porém, as FDI declararam, em 21 de julho, que “o Hamas dispara foguetes a partir do hospital Al Wafa no bairro de Shujaiya, em Gaza”.

Quando as FDI destruíram completamente o hospital, em 23 de julho, abandonaram o pretexto de que se tratava de um local de lançamento de foguetes do Hamas. Em troca, divulgaram um vídeo que pretendia mostrar disparos contra as forças israelenses a partir do hospital. No entanto, as filmagens dos disparos tinham sido feitas durante a guerra de Gaza em 2009, que as FDI denominam Operação Chumbo Derretido, e não em 2014. Mas as forças israelenses continuam insinuando que a destruição de prédios públicos civis foi forçada pelo lançamento de mísseis desde o interior dos mesmos.

Após a guerra deste ano, que Israel chama de Operação Margem Protetora, o porta-voz das FDI afirmou que as forças palestinas lançaram 597 foguetes de instalações civis, dos quais 160 foram disparados a partir de escolas, 50 de hospitais e 160 de mesquitas. Mas esses números pressupõem que os locais de lançamento a certa distância dos prédios em questão estavam dentro do terreno dos mesmos. Um “informe desclassificado” que as FDI divulgaram em 19 de agosto, para mostrar que o Hamas utilizava instalações civis como infraestrutura militar, não inclui nenhuma evidência de lançamentos de foguetes desde terrenos de prédios civis.

Um borrado vídeo de 20 segundos parece mostrar o lançamento de um míssil a partir da escola Abu Nur, mas também é um engano. Uma coluna de fumaça negra se eleva na área durante pouco mais de um segundo, mas durante todo o vídeo ouve-se duas vozes reiterando que viram três foguetes lançados “desde o interior da escola”. Mas uma observação atenta do vídeo revela que o suposto lançamento foi feito do lado de fora dos muros da escola.

Em mais três casos de supostos lançamentos de mísseis desde escolas, as FDI não fornecem nenhuma evidência visual, apenas pontos vermelhos marcados sobre uma vista aérea. Durante a Operação Margem Protetora, as FDI atacaram abertamente as mesquitas com o argumento de que eram objetivos militares, demolindo 73 e destruindo parcialmente outras 205.

O informe das FDI de 19 de agosto se refere a um “esconderijo de foguetes e um ponto de reunião dos combatentes escondidos em uma mesquita” de Nuseirat, mas as forças israelenses não produziram evidência fotográfica do armazenamento de mísseis em uma única mesquita. A maior destruição de estruturas civis na Operação Margem Protetora afetou bairros inteiros do distrito de Shujaiya, em Gaza, no dia 19 de julho.

Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um mapa mostrando a destruição absoluta dessas áreas de Shujaiya, as FDI publicaram seu próprio mapa, em 4 de agosto, para justificar a destruição. Esse mapa mostra que as FDI não podem usar a proximidade dos locais de lançamento de foguetes do Hamas como justificativa para a destruição de quarteirões residenciais inteiros em Shujaiya. As forças de Israel haviam identificado nele todas as casas dos bairros devastados como “esconderijos” de jihadistas do Hamas.

O jornalista Mark Perry se baseou em um informe de 21 de julho do Departamento de Defesa dos Estados Unidos para afirmar que as FDI dispararam sete mil projéteis de artilharia contra áreas residenciais em Shujaiya dois dias antes, 4.500 deles no período de apenas sete minutos.

Essa destruição em massa e indiscriminada de estruturas civis está estritamente proibida pelas leis internacionais de guerra. Funcionários israelenses disseram com frequência que o objetivo das operações militares das FDI no Líbano e em Gaza era a “dissuasão” de seus adversários no futuro, mediante a imposição de altos custos à população civil. Envolverde/IPS