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Meninas e adolescentes afegãs prejudicadas pelo casamento precoce

Cerca de 82% das meninas afegãs abandonam a escola antes da sexta série, em parte devido ao casamento precoce. Foto: Najibullah Musafer/Killid

 

Cabul, Afeganistão, 27/2/2013 – No Afeganistão, a mortalidade materna aumenta, os hospitais estão cheios de mulheres e meninas anêmicas e as escolas secundárias de aproximadamente 200 distritos não têm uma única aluna. Estes não são dados isolados, mas a consequência do mesmo problema social: o casamento precoce. Segundo Sadia Fayed Ayubi, diretora do departamento de saúde reprodutiva do Ministério de Saúde Pública, o casamento precoce (de menores de 16 anos) é ilegal neste país de 35 milhões de habitantes. porém, é comum que se force meninas de 13 anos a casarem, frequentemente com homens muito mais velhos.

Neste ano, já foram registrados 53 casos, disse Nazia Faizi, representante do departamento de direitos do Ministério de Assuntos da Mulher. Foram inúmeros em anos anteriores, mas tampouco representam o problema real, pois “há muitos casos que não são denunciados em áreas rurais, onde as mulheres estão mais desfavorecidas, não têm seus direitos respeitados, nem acesso à assistência legal”, detalhou Faizi. Os casamentos precoces são mais comuns em quatro províncias do norte – Kunduz, Sarpol, Faryab e Herat –, onde as mulheres não têm “um adequado acesso à justiça”, afirmou.

As meninas são entregues em casamento com pouca idade porque muitas famílias consideram uma vergonha não estarem casadas aos 16 anos. Outras vezes as meninas são “trocadas” para salvar a honra da família ou como forma de compensar um crime cometido contra a família à qual é entregue.

O religioso Sayed Salahudin Hashimi, pregador da mesquita de Abu Bakr Siddiq, no distrito de Khair Khana, na capital, explicou que a lei islâmica permite o casamento de meninas adolescentes, mas a decisão de aceitar o marido é totalmente delas, que não podem ser obrigadas e têm o direito de dizer não. Contudo, a realidade para milhões de meninas e adolescentes é muito diferente.

Nayela, uma adolescente da província afegã de Sarpol, está internada no Hospital da Maternidade de Malalai, em Cabul, por causa de uma fístula obstétrica, uma grave lesão que ocorre em certas situações de parto. Trata-se de um orifício anômalo entre o canal de parto e a bexiga ou o reto, e é comum entre mulheres e adolescentes que recebem pouca ou nenhuma assistência profissional durante a gravidez e o trabalho de parto. O problema também gera incontinência, infecções urinárias, infertilidade e problemas nos rins, além de ser doloroso e humilhante.

Nayela pariu um bebê morto, o que lhe causou vários ferimentos internos. Quando seu marido e sua sogra se convenceram de que seu estado de saúde não melhoraria, a puseram para fora de casa. Sua mãe a levou ao hospital para tratamento, o que incluiu uma cirurgia. A vice-presidente da Maternidade de Malalai, Hafiza Omarkhail, disse que fístula obstétrica é um problema que prolifera entre as mulheres, agravado pelos casamentos precoces. Nayela perdeu seu pai quando era muito pequena, e ao chegar à adolescência seu avô a obrigou a casar com um homem de 30 anos, “por razões econômicas”.

Sadia Fayed Auybi, diretora do departamento de saúde reprodutiva, afirmou que as meninas são entregues em casamento com idades entre 13 e 17 anos, e costumam engravidar entre os 17 e 19. Uma em cada 50 afegãs tem probabilidade de morrer por causas vinculadas à gravidez e ao parto, segundo a Pesquisa de Mortalidade de 2010.

O risco de morrer em consequência da gravidez ou do parto ao longo de sua vida é cinco vezes maior para as mulheres de zonas rurais do que para as que vivem em povoados e cidades. A mortalidade materna indicada por esse estudo, de 327 para cada cem mil nascidos vivos nas áreas estudadas, que não incluem as zonas em conflito, muito menor do que as 1.400 apontadas pelas agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial para esse mesmo ano.

Além disso, a quantidade de divórcios, suicídios e imolações aumenta, disse Parwin Rahimi, encarregado do departamento de apoio às mulheres da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão. O ex-vice-ministro da Saúde, Faizullah Kakar, terminou em 2010 um estudo com base em informes hospitalares e dados dessa pasta, que indicou que 2.300 mulheres e meninas com idades entre 15 e 40 anos tentavam se suicidar a cada ano.

Em 2010 foram registrados cem casos de imolação no hospital de Herat, e 76 delas morreram devido às queimaduras. Especialistas e ativistas suspeitam que o casamento precoce é o que leva cada vez mais mulheres a recorrerem a esses atos desesperados e frequentemente fatais. Rahimi acredita que é um “problema legal” que as meninas possam se casar aos 16 anos e formar uma família.

A maioria das adolescentes é explorada e sofre uma violência inimaginável da parte de seus maridos e seus familiares. Não têm acesso à justiça e a maior parte das vezes seus lamentos não são ouvidos. Também se atribui ao casamento precoce a alta taxa de deserção escolar das meninas no Afeganistão.

Segundo a organização de desenvolvimento internacional Brac, 82% das meninas abandonam a escola antes de terminarem o sexto grau. O Ministério da Educação diz que a situação é muito pior em zonas rurais, onde raramente as meninas terminam os estudos. Estima-se que 70% das afegãs são analfabetas. A maioria das meninas está resignada com seu destino, mas alguns o enfrentam.

Mahjooba, de 19 anos, estava comprometida com seu primo desde que era criança. Quando se negou a casar, a família ficou descontente. “Continuei estudando até a nona série. Fiz um exame para o curso de enfermeira. Quando a família da minha tia ficou sabendo, quis que eu deixasse os estudos. Mas não concordei e me divorciei”, contou. A Comissão de Direitos Humanos pressiona para que os casamentos sejam registrados nos tribunais como forma de evitar o casamento precoce. Envolverde/IPS

* Abida M. Telaee escreve para a Killid, uma organização de meios de comunicação independentes afegãos associada à IPS.