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Jornalistas mordem a mordaça

Apesar do “boom dos meios de comunicação”, não há liberdade de imprensa no Afeganistão. Foto: Giuliana Sgrena/IPS

Cabul, Afeganistão, 20/4/2012 – O Afeganistão se converte rapidamente em um dos países mais perigosos para o trabalho de jornalistas locais e estrangeiros. Só na última década 15 profissionais da imprensa foram assassinados neste país e ninguém foi levado à justiça por esses casos. O silêncio do presidente afegão, Hamid Karzai, diante de tal impunidade também é causa de preocupação para os defensores da liberdade de imprensa.

Depois da queda do movimento islâmico Talibã e da chegada das tropas estrangeiras em 2001, este país experimentou um “boom de meios de comunicação”, com a proliferação de veículos impressos e de radiodifusão. O Afeganistão tem 200 meios de comunicação escritos, 44 emissoras de televisão (25 deles em Cabul), 141 emissoras de rádio e oito agências de notícias.

Porém, este aumento em nada contribuiu para melhorar a liberdade de imprensa, já que a maioria desses meios está relacionada com o governo, com senhores da guerra ou com o poder econômico, e nenhum deles permite aos jornalistas desempenharem sua tarefa adequadamente. A isto acrescenta-se a censura imposta pelo Talibã. Este movimento islâmico condena, por exemplo, a divulgação de qualquer imagem de pessoas desnudas. Além disso, os jornalistas trabalham em um constante ambiente de guerra, o que dificulta sua tarefa.

Nazir Fayaz, jornalista de 34 anos que trabalha há anos na Ariana TV, foi obrigado a se demitir há três meses por uma disputa com o embaixador do Irã. Durante uma entrevista, o diplomata iraniano acusou o povo afegão de “aceitar a ocupação estrangeira”, uma declaração que Fayaz criticou abertamente.

Como sua dura resposta ao embaixador foi transmitida a todo o país, Fayaz foi detido por dois dias, e a embaixada do Irã e o governo afegão o pressionaram para se demitir. Agora, o jornalista recebe ameaças telefônicas não só da sede diplomática iraniana mas também “do governo, de senhores da guerra, de traficantes de drogas e do Talibã. É muito arriscado ser jornalista no Afeganistão”, disse Fayaz à IPS.

“Não há liberdade de imprensa porque todos os meios de comunicação estão em mãos de senhores da guerra, da máfia e dos bancos. A censura é ainda mais forte na mídia governamental. A Ariana TV era independente até seu proprietário, o afegão-norte-americano Ehsan Bayat, se converter em senador”, acrescentou Fayaz.

Agora, o jornalista considera abandonar completamente a profissão e se converter em ativista da Comissão Afegão Independente de Direitos Humanos, pois diz que “não há possibilidade de fazer um trabalho honesto na mídia” deste país. Ele acredita que o trabalho da imprensa é chave para trazer paz ao país, “mas se não há liberdade de expressão o resultado é contrário”, afirmou.

Algumas províncias do sul e do leste do Afeganistão, como Helmand, Uruzgan, Paktika e Farah, são inacessíveis aos repórteres. No dia 22 de fevereiro foi encontrado em Urgun, província de Paktika, o cadáver decapitado de Sadim Khan Bhadrzai, sequestrado na noite anterior. Khan era gerente da popular rádio local Mehman-Melma. Foi o último de uma série de assassinatos contra trabalhadores da imprensa nos últimos anos.

A cada ano há centenas de casos de violência contra jornalistas, a maioria deles em Cabul, Herat e Helmand. E as mulheres jornalistas estão ainda mais expostas às ameaças. Em 2007, Zakia Zaki, dona da Rádio Peace, em Kandahar, foi morta quando dormia com seu filho menor. Mas, apesar dos perigos, muitas jornalistas não desistem. Najeeba Feroz é uma decidida profissional de 24 anos que trabalha para o serviço afegão da rede britânica BBC, que transmite em persa e pashtun.

Seu escritório no centro de Cabul está bem protegido, cercado por guardas armados. Feroz se formou na Universidade de Cabul e trabalhou em vários veículos “independentes”, tanto escritos, como no rádio e na televisão, entre eles a Tolo TV, mas se frustrou diante da falta de autonomia real para informar e do forte controle político sobre a mídia. “A única opção que tem é escolher entre a censura ou a autocensura. Por isso fui trabalhar na BBC”, contou à IPS.

Aqui “checamos todas nossas fontes e nos preocupamos quando temos que informar sobre corrupção no governo ou dos setores da guerra, para que a informação corresponda à realidade”, assegurou Feroz. Mas, como muitos outros jornalistas, agora pensa em deixar o país”. “Depois de trabalhar três anos na BBC temos a chance de passar um ano fora. É uma boa oportunidade, mas depois disso voltarei para ajudar meu povo”, disse a jornalista, que se dedica em especial a cobrir temas relacionados com mulheres, nem sempre atendidos pela mídia.

A senadora Belqis Roshan, também uma corajosa jornalista, disse à IPS que viaja pela província de Farah coletando histórias sobre violência contra as mulheres, e levando a foz das vítimas ao Senado. “Em Farah não temos nenhum veículo de comunicação”, afirmou.

O Afeganistão possui uma taxa de analfabetismo de 72%, por isso a televisão e o rádio são os meios mais efetivos para divulgar notícias no neste país.  Envolverde/IPS