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Injustiça institucionalizada nas prisões

Beirute, Líbano, 20/7/2011 – Quando a jornalista britânica Josie Ensor foi agredida sexualmente na capital do Líbano onde trabalhava, imediatamente fez a denúncia em uma delegacia. Enquanto prestava depoimento, um policial entrou arrastando o suposto agressor e lhe deu um golpe, na frente dela. “Um dos policiais tirou o cinturão e bateu no homem por uns dez minutos”, contou Ensor. Quando ela pediu que parassem, “me disseram que era a única forma de aprender”, contou. “Depois, mandaram que ele tirasse a roupa e o sacudiram durante meia hora”, acrescentou. Ensor saiu da delegacia perturbada pelo que havia ocorrido e afligida pelo castigo sofrido por seu atacante.

Casos de humilhação, maus tratos e golpes são comuns no Líbano. A falta de capacitação e consciência sobre os direitos humanos dos policiais os fazem recorrer permanentemente à violência para conseguir confissões de suspeitos. Cerca de 60% dos detidos sofrem torturas e maus tratos, segundo estudo divulgado no começo do ano pelo Centro de Direitos Humanos (CDH). É uma prática habitual que deixou um morto em 2010.

Os suspeitos de espionagem, narcotráfico e extremismo religioso têm mais probabilidades de sofrer violência policial. Tudo ocorre em uma cultura de impunidade, disse Wadih al-Asmar, secretário-geral da CDH. “Os policiais não estão capacitados nem são acusados. Nos pouquíssimos casos em que houve investigação, as conclusões foram confidenciais”, acrescentou.

Nas prisões a situação é tão lamentável quanto nas delegacias. Os presos permanecem fechados durante anos sem julgamento e em condições de lotação extrema e falta de higiene. Quase não há serviço de reabilitação e os homens passam os dias nas celas, fumando, conversando e, quando o clima fica pesado, brigando. Nos últimos três anos, 400 pessoas foram detidas por crimes de segurança e submetidas a duras condições de cativeiro, segundo a CDH.

“É um desastre”, disse o legislador Ghassan Moukheiber, que lidera a Comissão Parlamentar sobre Direitos Humanos e fez um detalhado informe sobre uma reforma penitenciária. “A situação é desesperadora. Qualifico as prisões em três categorias: má, muito má e desumana. As próprias condições das prisões são cruéis, equivalem à tortura e ao tratamento degradante”, acrescentou.

Os 20 centros de detenção do Líbano têm capacidade para 3.653 presos, mas em 2010 estes eram 5.324, segundo um documento anterior da CDH. Roumieh, a maior prisão para homens do país, foi construída para 1.500 presos, e atualmente tem 3.500. Salvo esta exceção, os demais estabelecimentos penais não foram projetados para essa finalidade, disse Moukheiber.

O Líbano é signatário da Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, bem como do Protocolo Opcional, mas ainda não criou um Mecanismo Nacional para Prevenir a Tortura. Também deixou vencer o prazo para enviar um relatório ao Comitê Contra a Tortura relatando as medidas que tomará para cumprir o tratado.

Dois terços dos presos no Líbano aguardavam sentença em 2009, segundo informe apresentado na época ao governo pelo general Ashraf Rifi, chefe das Forças de Segurança Internas (FSI), que supervisiona a administração carcerária. Cerca de 250 presos estrangeiros continuam detidos após completarem o tempo da condenação, em geral por complicações com os trâmites de deportação, afirmou. Muitos foram detidos por não terem os documentos em dia para permanecer no país, entre eles há muitos refugiados e solicitantes de asilo.

O Estado não oferece aos presos a possibilidade de reabilitação nem os serviços de saúde e educação necessários para reintegrá-los à sociedade, disse Moukheiber à IPS. Por sua vez, o especialista Omar Nashabe insiste que há pequenas melhoras, apesar do sinistro panorama. A quantidade de presos em Roumieh diminuiu, disse. “É muito bom, porque permite à administração carcerária controlar melhor a prisão”, acrescentou.

Contudo, os serviços básicos e a segurança ainda são problemáticos. Os presos costumam fazer greve de fome ou tomar outras medidas extremas para conseguir cuidados médicos. Também são comuns as tentativas de fuga. Em abril teve origem em Roumieh o maior distúrbio da história em uma prisão libanesa. Os detentos quebraram portas e assumiram o controle da prisão, sendo que quatro deles morreram.

O governo destinou US$ 5 milhões para a reconstrução do local, mas Nashabe reconhece que o dinheiro não bastará nem para os reparos. “Algumas portas continuam sem trancas e ainda há problemas com eletricidade e luz”, acrescentou. O motim forçou a justiça a ser mais flexível quanto à condenação com prisão. Além disso, está sendo preparado um plano para que dentro de cinco anos se transfira a gestão carcerária das FSI para um órgão especializado vinculado ao Ministério da Justiça, informou Nashabe.

“Não é uma panaceia transferir a administração de um órgão a outro”, disse Moukheiber. A solução passa por várias medidas, “como construir novas instalações, melhorar o acesso à saúde, oferecer serviços de reabilitação, assistência legal e capacitação especializada aos funcionários e aos juízes”. Para muitos presos, as escassas melhorias chegarão muito tarde.

Marwan, nome fictício de um jovem de 22 anos, está há dois anos na prisão por tráfico de drogas. “É inaceitável que ainda não haja sentença”, disse à IPS por meio de um telefone que conseguiu. A polícia “não tem nenhuma prova contra mim, apenas depoimento de algumas pessoas”, disse Marwan, que ainda não viu um advogado. O jovem prevê que permanecerá, pelo menos, “outros três anos preso”. Envolverde/IPS