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Indianas reclamam maior rigidez contra ataques com ácido

Uma sobrevivente de ataque com ácido em Bangladesh reconstrói sua vida com ajuda do Departamento para o Desenvolvimento Internacional. Foto: Narayan Nath/FCO-DFID/CC-BY-2.0
Uma sobrevivente de ataque com ácido em Bangladesh reconstrói sua vida com ajuda do Departamento para o Desenvolvimento Internacional. Foto: Narayan Nath/FCO-DFID/CC-BY-2.0

 

Kolkota, Índia, 19/7/2013 – Preeti Rathi tinha 25 anos quando morreu em um hospital da cidade de Mumbai, exatamente um mês após um homem ter jogado ácido nela, na plataforma de uma estação de trem. Rathi, que morreu no dia 2 de junho, viajara de Nova Délhi a Mumbai para trabalhar como enfermeira em um hospital naval no sul da cidade. O agressor não foi capturado, apesar de ser identificado pelo sistema de circuito fechado de televisão e, também, dos protestos de sua família e de ativistas que se uniram à causa.

Não se trata de um caso isolado. Na verdade, nos últimos anos, centenas de mulheres e adolescentes de diferentes cidades da Índia sofreram terríveis experiências semelhantes. As que sucumbem aos ferimentos sofrem uma morte dolorosa. O acido corrói a pele deixando feridas que rapidamente se infectam e causam septicemia, entre outros problemas muito graves. As que sobrevivem ficam marcadas por toda a vida, com terríveis cicatrizes. A maioria vive escondendo seus rostos e corpos “deformados” (palavra usada por muitas das que conversaram com a IPS) dos olhares horrorizados.

Faltam dados oficiais, mas estudos feitos por pesquisadores independentes e organizações de direitos humanos mostram que os ataques com ácido são um crime de gênero, que tem as mulheres jovens como principal objetivo. Na maioria das vezes, os agressores são homens cujas relações amorosas não terminaram como eles esperavam. Na Índia, uma sociedade ainda muito patriarcal, e em transição entre o conservadorismo e a modernidade, as aspirações das jovens e das mulheres em se educar e trabalhar contam com apoio de políticas de Estado. Porém, centenas de homens se sentem desprezados por esta nova independência feminina.

Sem recursos para tolerar o que veem como um insulto à sua masculinidade, muitos buscam vingança ferindo fisicamente as mulheres, em uma desesperada tentativa de recuperar a autoridade perdida. Até agora, os ataques com ácido caíam simplesmente entre os crimes contra as mulheres, que no ano passado chegaram a 244.270, e incluem práticas tão atrozes como violação, morte por dote (quando a família do marido mata a mulher ou a empurra ao suicídio como forma de chantagem para obter um dote maior) e tráfico com fins de exploração sexual, segundo o Escritório Nacional de Registro de Delitos.

O Estado de Bengala Ocidental concentra 12,7% dos casos, enquanto sua capital, Kolkata, é a terceira cidade da Índia mais perigosa para as mulheres, depois de Nova Délhi e Bangalore. Subhas Chakraborty, da Fundação de Sobreviventes de Ácido da Índia, com sede em Kolkata, disse à IPS que a organização solicitou ao governo de Bengala Ocidental que aplique o direito à informação para obter dados reais de ataques contra as mulheres nesse Estado. “Entre 2006 e 2011, foram registrados 56 casos e 77 vítimas”, revelou. Provavelmente, a quantidade real seja muito maior, acrescentou.

O Centro Global Avon para a Mulher e a Justiça, da norte-americana Faculdade de Direito de Cornell, registrou 153 atraques com ácido denunciados na imprensa entre janeiro de 2002 e outubro de 2010. A Campanha e Luta Contra os Ataques com Ácido Contra Mulheres recopilou uma lista de 65 incidentes no Estado de Karnataka, entre 1999 e 2008.

A organização interveio no caso, de grande repercussão, de Hasina Hussain, a quem ajudou a recorrer à justiça em 1999, quando foi queimada com ácido por seu ex-empregador, Joseph Rodrigues, que, descontente porque a jovem, então com 19 anos, rejeitou sua proposta de casamento, atirou dois litros de ácido contra ela. Mesmo com ajuda desta organização não governamental, o Tribunal Superior de Kolkata demorou sete anos para condenar Rodrigues à prisão perpétua.

C. J. Pragya, da cidade de Bangalore, já não treme quando pensa em mostrar seu rosto, antes bonito e agora coberto por cicatrizes. Longe de se esconder, criou a organização stopacidattacks.org e lança campanhas contra esses ataques. Porém, muitos, embora reconheçam o valor destes esforços individuais, afirmam que sem medidas em escala nacional as agressões com ácido não terminarão. Há anos as ativistas reclamam leis mais duras e a devida atenção das instituições do Estado.

Há sete anos o Supremo Tribunal de Justiça recomendou ao governo que promovesse uma lei “completa e integral” para responder a esta ameaça, segundo Chakraborty. Mas foi necessária a brutal violação de uma estudante de medicina em um ônibus em Nova Délhi, no dia 16 de dezembro de 2012, e a mobilização popular de protesto, para que o governo acelerasse a aprovação da Lei de Reforma do Código Penal, em abril deste ano.

A reforma introduziu mudanças legais importantes para proteger as mulheres da violência e criou duras punições para quem violar seus direitos. Agora, a pena por agressão com ácido pode ir de dez anos de cadeia até prisão perpétua, além de multa que pode passar de US$ 16,6 mil, segundo texto emendado há dois meses. O dinheiro da multa será destinado ao pagamento das complexas cirurgias necessárias para reconstrução da face.

Sonali Mukherjee, uma jovem do Estado de Dhanbad, por exemplo, teve que se submeter a 22 cirurgias após um ataque em 2003, contou Chakraborty. Mas o dinheiro não basta para reparar as famílias nem a vítima de um ataque com ácido. A reabilitação é um dos grandes problemas para as sobreviventes. Muitas famílias pobres carecem dos recursos para um tratamento que é complexo, que inclui atenção psicológica.

O Superior Tribunal de Punjab instruiu há pouco o governo estadual a criar uma política que garanta tratamento gratuito, incluindo atenção psicológica. As ativistas aplaudem as mudanças legais, mas questionam a falta de restrições à venda de ácido. Uma garrafa de ácido sulfúrico, clorídrico ou nítrico pode ser comprada por 30 rúpias (US$ 0,50), praticamente em qualquer esquina.

O advogado maior junto ao Supremo Tribunal, Kamlesh Jain, disse à IPS que a reforma penal não apresentará mudanças enquanto não se enfrentar este problema essencial. A advogada de direitos humanos Aparna Bhat apresentou, em 2006, um litígio de interesse público em um tribunal federal reclamando a proibição da venda de ácidos em balcão. Na época, Bhat representava Laxmi, que ficou marcada pelo resto de sua vida quando um noivo despeitado jogou ácido em seu rosto.

A advogada alegou que a falta de mecanismos normativos permite que o ácido seja de fácil acesso para o agressor, e com ela concordam ativistas que denunciam que a arma está ao alcance da mão. No dia 9 deste mês, o Supremo Tribunal advertiu que proibirá a venda de ácido se os governos central e estaduais não a regulamentarem imediatamente. As ativistas costumam lembrar o exemplo da vizinha Bangladesh, onde os ataques com ácido, que somaram 2.500 entre 1999 e 2009, diminuíram drasticamente após a regulamentação da venda.

Segundo um informe de 2011 do Centro Global Avon para a Mulher e a Justiça, estas agressões caíram quase 20% ao ano desde a promulgação da Lei para o Controle de Ácido e da Lei para a Prevenção de Crimes com Ácido em 2002, que restringiram a importação e a venda livre dessas substâncias. A prevenção inclui o fechamento de comércios e a suspensão de licenças para a venda de ácido ao público.

O culpado por infringir estas normas deve pagar multa de US$ 1,2 mil ou, nos casos mais graves, enfrentar a pena de morte. Contudo, mesmo em Bangladesh, as medidas de controle não são eficientes. “As condenações não chegam a 10% dos casos, pois os responsáveis costumam ser mais poderosos do que as vítimas ou as sobreviventes”, pontuou Sultana Kamal, diretora da organização de direitos humanos de Bangladesh Ain o Salish Kendra. Envolverde/IPS