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Imigrantes ilegais com a saúde à deriva na Espanha

Foto: Reprodução/ Internet

Málaga, Espanha, 23/5/2013 – A morte por tuberculose de um jovem senegalês após uma suposta falta de atendimento médico reavivou na Espanha a rejeição de organizações sociais à lei promovida no ano passado pelo governo, que exclui do sistema público de saúde a maioria dos imigrantes em situação irregular. “Há casos de grávidas e menores de idade estrangeiros sem a documentação necessária que encontram dificuldades para serem atendidos em hospitais e centros de saúde. São muitas incidências”, disse à IPS a presidente da organização não governamental Andaluzia Acolhe, Sylvia Koniecki.

O decreto-lei de 20 de abril de 2012 do governo do direitista Partido Popular estabelece que, independente de sua situação legal ou não no país, as mulheres estrangeiras têm direito à assistência pública de saúde durante a gravidez, o parto e pós-parto. Segundo o texto, os estrangeiros ilegais menores de 18 anos receberão assistência médica gratuita “nas mesmas condições que os espanhóis”, e, acima dessa idade, devem ser atendidos os casos de “urgência, doença grave ou acidente”.

A maioria dos imigrantes irregulares tem, assim, limitado acesso aos centros de saúde. Podem contratar um seguro público pelo equivalente a US$ 913 ao ano, sem incluir remédios, mas a um custo que em geral não podem pagar, segundo várias organizações. O senegalês ilegal Alpha Pam, de 28 anos, morreu no dia 21 de abril no hospital de Inca de Mallorca, nas Ilhas Baleares, vítima de tuberculose que não foi diagnosticada a tempo. Sua família denunciou falta de assistência, enquanto as autoridades dizem que ele foi devidamente assistido. Porém, o diretor do hospital, Fernando Navarro, foi afastado no dia seguinte.

O caso foi denunciado no dia 17 deste mês na Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, pela Esquerda Unida, a coalizão liderada pelo Partido Comunista. O governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, embarcado em uma política de cortes fiscais e direitos trabalhistas, calculou uma economia equivalente a US$ 645 milhões com a retirada, a partir de setembro do ano passado, de 873 mil cartões de saúde de imigrantes irregulares, segundo o Programa Nacional de Reformas 2013.

“Não haverá tal economia”, considerou Gabriel Ruiz, encarregado do programa de imigrantes da organização não governamental Médicos do Mundo na cidade de Málaga, porque, com a exclusão do atendimento médico primário, aumentará o número de usuários nos serviços de urgências, “que são mais caros”, explicou. Ruiz disse à IPS que a população imigrante está, em geral, em situação de exclusão social, e por isso é mais vulnerável a doenças derivadas do amontoamento de gente ou da alimentação deficiente. “Ao afastá-la do sistema de saúde pública, colocamos em risco sua saúde e também a do resto da sociedade por possível propagação de enfermidades”, ressaltou.

O governo justifica a reforma afirmando que o sistema de saúde era uma “peneira” para a imigração irregular. Mas um relatório de 2012 da Fundação Ecologia e Desenvolvimento (Ecodes) conclui que os que mais usam o sistema de saúde pública são os próprios espanhóis. Nas sedes das organizações Médicos do Mundo e Málaga Acolhe chegam estrangeiros com boletos de pagamento de atendimento de urgência, o que contraria o estipulado no decreto-lei. “Chegam desesperados com as contas exorbitantes que acumulam juros por não terem sido pagas”, contou Ruiz.

O governo da Comunidade Autônoma das Ilhas Baleares, também nas mãos do PP, informou, no dia 8, que cancelará todas as contas que foram emitidas ilegalmente e devolverá o dinheiro cobrado nos serviços de urgências dos imigrantes. É que cada uma das 17 comunidades autônomas espanholas aplica o decreto de forma diferente. Andaluzia, Catalunha, Astúrias, País Basco e Ilhas Canárias se negaram a aplicá-lo.

Entidades sociais de Andaluzia chamam a atenção para os muitos casos que recebem e solucionam, em sua maior parte agindo como intermediárias das autoridades. Segundo Ruiz, “faltam diretrizes claras do governo local para os dispositivos sanitários e, em apenas uma semana, tivemos dois ou três casos de imigrantes ilegais que tiveram negado o atendimento primário ou foram enviados para outros órgãos do Instituto Nacional de Assistência Social, quando é o próprio centro de saúde que deve cuidar da cobertura sanitária”.

A Delegação Provincial de Saúde de Málaga reconhece que há incidentes, que já existiam antes do decreto-lei, mas que são “casos isolados” que a instituição tenta “resolver na medida do possível”, declarou à IPS uma porta-voz desse órgão público. “Não deveríamos ter nem um só caso. Faltam instruções precisas da administração autônoma para os hospitais e centros de saúde”, afirmou o diretor da Málaga Acolhe, Alejandro Cortina.

Um estudo desta entidade, de 2012, encontrou 42 casos em 20 centros de saúde de seis províncias de Andaluzia que afetaram 69 imigrantes, 77% deles em situação irregular. Destes, 38% dos afetados tiveram negada a expedição do cartão de saúde, para 23% foi negada a consulta médica primária e outros 23% receberam conta pelos serviços prestados. Entre os afetados havia oito menores de idade e três mulheres grávidas. Ruiz acredita que estes casos são a ponta do iceberg da crise social e que o número de imigrantes irregulares com problemas de atendimento e cobranças indevidas é muito maior.

Percorrendo centros de atendimento primário de saúde em Málaga, funcionários confirmaram à IPS uma queda notável no número de imigrantes ilegais que procuram assistência, o que atribuíram à falta de informação entre os usuários a respeito da continuidade da assistência em Andaluzia apesar do decreto-lei. Contudo, houve casos de recepcionistas se negarem a dar o atendimento. O informe da Málaga Acolhe conclui que a maioria das incidências no atendimento sanitário a imigrantes ilegais ocorrem com o pessoal que atende o público nos centros de saúde. Envolverde/IPS