Entre roseiras em flor em plena Málaga, os adolescentes mostram com danças afro-brasileiras a dura realidade da infância no Nordeste do Brasil. Foto: Inés Benítez/IPS

Málaga, Espanha, 5/6/2012 – Enfeitados com coloridas prendas feitas por eles mesmos, seis adolescentes resgatados das ruas de Fortaleza, no Nordeste do Brasil, percorreram esta cidade espanhola durante 20 dias para contar sua realidade e despertar a solidariedade. “Se não tivessem me tirado da rua, eu teria caído na marginalidade, prostituição e nas drogas”, contou à IPS um ex-menino de rua, Jonatan, hoje com 21 anos, que há quatro frequenta a não governamental Associação de Solidariedade aos Meninos e às Meninas de Fortaleza, cidade com 2,5 milhões de habitantes e considerada a quinta com maior índice de violência do Brasil.

Muito alto e magro, de cabelos compridos e lisos, Jonatan completou um curso de costura e agora estuda educação física no Brasil, graças a um apadrinhamento na Espanha. A organização humanitária brasileira também lhe abriu as portas para seu primeiro trabalho como professor de balé e hoje é educador de outros jovens e crianças em situação de vulnerabilidade. A Associação de Solidariedade nasceu há 20 anos e há 17 é a contraparte da Associação de Meninas e Meninos de Málaga, que já conseguiu em três ocasiões financiamento público para que um grupo de jovens visite a Espanha durante um mês e mostre suas danças folclóricas.

Assim, esta foi a terceira visita de jovens beneficiários do trabalho conjunto destas duas associações que têm como missão capacitar adolescentes em situação de exploração sexual, mães solteiras e travestis em extrema pobreza, para orientá-los na busca de um emprego. Os jovens, entre 13 e 21 anos, regressaram ao Brasil esta semana, após, em 20 dias, apresentarem 27 espetáculos de danças tradicionais em colégios, centros culturais, organizações da sociedade civil e na Câmara Municipal de Málaga perante um total de cinco mil espectadores.

“O objetivo é dar um testemunho de como a dança ajudou a mudar suas vidas e sensibilizar os habitantes de Málaga”, disse à IPS o brasileiro Mario Almeida, um educador e membro da organização em Málaga. A coordenadora do projeto em Fortaleza, a educadora brasileira Regina Mesquita, alertou a IPS sobre a grande brecha social e violência estrutural existente nessa cidade, “onde há meninos e meninas que se prostituem desde os nove anos para conseguir dinheiro para suas famílias”. A entrada de crianças e adolescentes no mundo das drogas acontece por meio da prostituição, “frequentemente como uma forma de poder suportá-la”, disse Regina, lembrando o aumento de casos de abusos sexuais, violações e assassinatos.

Os jovens veem na dança e na música uma forma de fugir dos problemas que os cercam em suas famílias desestruturadas e nas favelas. Os trajes que vestem nos espetáculos são feitos por eles mesmos, como parte de uma oficina de emprego para confeccionar roupas artesanais. Desde 1997, a Associação conta em Fortaleza com a Casa de Andalucía, um centro que durante o dia acolhe os menores após terem sido atendidos nas ruas e os anima a participarem de grupos de formação, alfabetização alternativa, oficinas de costura ou no grupo de dança chamado Estrelas da Rua.

Em 17 anos, cerca de 400 jovens participaram das oficinas de costura e podem ser contados aos milhares os que passaram pela associação, contou à IPS a presidente da organização de Málaga, Belén García, destacando que 90% dos que participam dessa formação deixam as ruas. Também considerou que 30% dos que passam pela Casa de Andalucía conseguem emprego e que de 40% a 50% retomam os estudos.

A Casa de Andalucía, um prédio de dois andares, conta com quatro educadoras e em grande parte centra seu trabalho nas meninas menores de idade que exercem ou estão em risco social de cair na prostituição infantil. “Durante esta visita conseguimos que os seis jovens fossem apadrinhados para que possam completar seus estudos no Brasil”, informou à IPS a coordenadora dos apadrinhamentos da organização brasileira, Irene Garcia.

Atualmente, 20 meninos e meninas contam com apadrinhamentos, que alguns utilizam para subsistir e outros para pagar estudos profissionais e universitários, de acordo com informações da Associação em seu site. “A dança é para mim como uma salvação. Se não dançasse estaria perdido na rua. Foi uma mudança de vida”, reconheceu David, de 19 anos, que frequenta a sede da organização em Fortaleza e dança desde os sete anos porque gosta “muito”. Ele também contou à IPS que a Associação o ajudou a ser menos tímido e a amadurecer.

Regina explicou que se valem de atuações de dança como uma ponte para estabelecer o primeiro contato com as crianças na rua. Os que se sentem atraídos começam a frequentar as aulas de dança e depois continuam com oficinas onde aprendem a fazer roupas artesanais. Ela destacou a grande demanda que tem a oficina de costura, cuja última convocação recebeu mais de 500 pedidos para 40 vagas. A equipe educativa do centro é formada quase em sua totalidade por educadoras e dinamizadoras sociais, mulheres entre 20 e 40 anos de idade.

A intenção é favorecer a permanência ou a volta à escola das crianças, promover sua autoestima, capacitá-las e oferecer-lhes oportunidades para entrarem no mercado de trabalho, explicou Regina, alertando que “o processo é lento. É um passo de cada vez”. “Na rua há muita violência, assaltos e lutas”, observou Bianca, de 16 anos, que pertence há um ano ao grupo de dança da Associação. “Fui ver um ensaio e gostei muito”, contou. Na Casa Andalucía também é dada a possibilidade de fazer testes rápidos de detecção do vírus HIV, causador da aids, detalhou a presidente da ONG de Málaga, um projeto “pioneiro” em Fortaleza. A ONG também trabalha com crianças menores nos bairros por meio de educadoras que realizam reuniões mensais. Envolverde/IPS