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É hora da inclusão no Tribunal Penal Internacional

Brigid Inder: “O TPI precisa desenvolver mais estratégias específicas sobre as mulheres”. Foto: Tressia Boukthors/IPS

Nova York, 3/1/2012 – A violência de gênero está incluída na maioria dos casos que chegam ao Tribunal Penal Internacional (TPI), mas este não consegue garantir um papel ativo para as mulheres nos processos que ali tramitam, alertam defensoras dos direitos femininos.

A organização não governamental Iniciativas de Mulheres por Justiça de Gênero lançou seu sétimo informe anual a respeito da atuação do TPI (www.iccwomen.org/documents/Gender– Report-Card-on-the-International-Criminal-Court-2011) em matéria de políticas, contratação e estatísticas de pessoal, e também fez recomendações precisas para melhorar a igualdade e a competição de gênero.

Entretanto, houve alguns avanços. Por exemplo, Fatou Bensouda, de Gâmbia, foi escolhida para suceder como promotor-geral, a partir de junho deste ano, o argentino Luis Moreno Ocampo, que ocupa o cargo desde 2002, quando começaram as atividades do TPI, criado para julgar casos de genocídio e crimes de guerra contra a humanidade.

“É extremamente simbólica a escolha de uma mulher”, disse à IPS a diretora-executiva da Iniciativas de Mulheres por Justiça de Gênero, Brigid Inder. “É um belo momento histórico”, afirmou Inder, cuja organização defende a justiça de gênero por meio deste tribunal – que tem sede em Haia, na Holanda – e mecanismos nacionais em Uganda, República Democrática do Congo, Sudão, República Centro-Africana, Quênia, Líbia e Quirguistão.

Contudo, o acesso e a inclusão das vítimas continua sendo um desafio, acrescentou. O TPI tem um enorme atraso de aproximadamente seis mil solicitações de pessoas afetadas que não foram processadas, ressaltou.

IPS: Qual a relação entre a quantidade de mulheres no TPI e o tratamento que este dispensa às questões de gênero?

BRIGID INDER: Há dois assuntos. Um é de igualdade de gênero e o outro de competência de gênero. Também é a capacidade e a oportunidade que elas têm para contribuir em momentos fundamentais da tomada de decisões, como a identificação de casos, construção de hipóteses e a opinião sobre a elaboração das acusações. Precisamos de mais melhorias nestas áreas para aumentar a capacidade do tribunal de tratar questões de gênero. A segunda área contempla a competência de gênero e envolve tanto homens quanto mulheres. Refere-se em especial à habilidade de identificar e compreender implicações e dimensões de gênero em todo o trabalho realizado pelo TPI, e as diferentes formas como as mulheres e os homens, as meninas e os meninos, são afetados pela violência cometida nos conflitos. Consideramos que se trata de uma responsabilidade tanto de homens como de mulheres. Quando falamos da competência de gênero do tribunal nos referimos à sua necessidade de fazer justiça contemplando aspectos de gênero.

IPS: Seria uma solução efetiva implementar uma política de cotas e ações afirmativas?

BI: Uma das principais vantagens do Estatuto de Roma (tratado de 1998 que criou o TPI) é que explicitamente identifica a necessidade de assessores legais em questões de gênero e de contratar especialistas em casos de violência sexual, especialmente a sofrida por mulheres, meninas e meninos. O próprio Estatuto exige que a perícia nessa matéria faça parte do desenvolvimento da instituição. Cremos que essa opção pode ajudar em termos de mulheres contratadas, mas também há um artigo geral no tratado estipulando uma representação justa, geográfica, para que os Estado-parte estejam igualmente representados no pessoal do TPI, e também para que homens e mulheres estejam presentes por igual. Existe um requisito estrutural para que o Tribunal atenda essas questões, e, creio, de forma positiva e útil. Não se trata de uma construção falsa e forçada para criar condições especiais, mas do reconhecimento do direito de homens e mulheres de ocupar esses cargos e também a necessidade de contar com a indispensável capacidade em matéria de violência sexual contra as mulheres e de oferecer assistência legal em questões de gênero, um requisito do próprio estatuto.

IPS: Há problemas em termos da inclusão e do acesso das mulheres vítimas?

BI: Em nosso estudo vimos que as mulheres constituem 29% dos participantes nas atividades de expansão do TPI, menos de um terço. É uma proporção muito baixa. E quando observamos os casos apresentados ao Tribunal, quase todos incluem crimes de violência de gênero. Há um desajuste entre as vítimas, as acusações nos casos processados pelo TPI e as pessoas que estão ao alcance do Tribunal. Também vimos que há cada vez menos mulheres que solicitam à instituição serem reconhecidas como vítimas e que obtêm o reconhecimento formal para participarem dos casos que a corte atende. Há um vínculo direto entre a informação, o alcance e o acesso. O Tribunal precisa desenvolver mais estratégias e reuniões específicas sobre as mulheres e ser mais criativo nos fóruns que oferece, para chegar às que têm menos acesso aos principais meios e sistemas de comunicação formal nas aldeias e comunidades locais. Parece que as mulheres precisam de estratégias que lhes permitam ter acesso à informação de forma direta.

IPS: O problema afeta principalmente os países menos desenvolvidos?

BI: Todas as situações de conflito investigadas pelo tribunal podem ser descritas como de países em desenvolvimento. O TPI também trabalha em Estados que tiveram longos períodos de conflitos armados, que, no geral, causaram desintegração das instituições e infraestruturas públicas. A segurança, incluída a polícia, não costuma funcionar. Em muitos casos, o sistema judicial não está operacional ou, quando está, sofre um importante grau de corrupção.

IPS: Quanto o TPI se mostrou aberto às recomendações apresentadas por sua organização desde 2005? Houve progressos?

BI: Vimos avanços nesses sete anos nos quais fazemos o informe. O Tribunal existe há quase dez. Certamente que aprende lições, algumas com lentidão, em algumas áreas são absorvidas e em outras parecem destinadas a se repetir uma e outra vez. É uma instituição que continua crescendo, se desenvolvendo e aprendendo. Vemos que é cada vez mais receptiva à nossa contribuição sobre investigações e processamento de crimes sexuais. O TPI tem bons antecedentes sobre sentenças em matéria de crimes de gênero, em relação a outros tribunais internacionais. Seu desafio agora é a qualidade das acusações e a eficácia das estratégias de processamento. Neste aspecto, foi lento para aprender algumas lições. Envolverde/IPS