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É a política, estúpido

Nova York, Estados Unidos, 27/5/2011 – As revoltas árabes e a criação do Estado palestino marcam a prioridade da cúpula do Grupo dos Oito países mais poderosos, que começou ontem na localidade francesa de Deauville, deslocando os tradicionais temas econômicos, como segurança alimentar e ajuda ao desenvolvimento. O encontro “estará dominado por várias questões de política internacional, como a situação na Líbia”, afirmou Rob Vos, diretor da Divisão de Análises e Políticas de Desenvolvimento do Departamento de Assuntos Sociais e Econômicos, da Organização das Nações Unidas (ONU).

A crise pelo desastre ocorrido na central nuclear japonesa de Fukushima levará a discussões sobre padrões internacionais mais rígidos. As repercussões econômicas da recessão na qual o Japão entrou e a crise financeira global também estarão na mesa, bem como a da dívida de países europeus. Contudo, é provável que as implicações políticas deste último sejam discutidas no âmbito do Grupo dos 20, acrescentou Vos. A cúpula de governantes do G-20 será em novembro, na cidade francesa de Cannes.

O G-8, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia, também se concentrará no fortalecimento de sua relação com a África, incluídas questões de segurança alimentar, redução da pobreza e o papel importante da agricultura para atingir esses objetivos, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas Alimentares (IFPRI). O G-20 é formado pelos países do G-8 mais Austrália, Coreia do Sul, México, Turquia; sete países em desenvolvimento, Brasil, Arábia Saudita, Argentina, China, Índia, Indonésia e África do Sul, além da União Europeia.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tentará frear a resolução proposta pela Assembleia Geral, a respeito da criação do Estado palestino, convencendo os líderes europeus a não votá-la quando aparecer na ordem do dia em setembro, segundo informações da imprensa. “Pode ser uma boa tentativa, mas é uma causa perdida de antemão”, disse um diplomata asiático que pediu para não ser identificado, referindo-se ao fato de as principais nações europeias, entre as quais França e Grã-Bretanha, já terem se declarado favoráveis à resolução sobre a criação do Estado palestino.

Consultado sobre se o G-8 havia cumprido suas promessas, Vos disse à IPS que “foi insuficiente com relação aos compromissos de ajuda ao Sul em torno de US$ 20 bilhões em 2010”, prazo previsto pela Cúpula de Gleneagles de 2005. Além disso, o G-8 ainda tem de aumentar seu apoio à agricultura sustentável para atender a atual crise alimentar, embora, aparentemente, o assunto não esteja incluído na agenda do encontro, que termina hoje. “É provável que a cúpula esteja dominada por questões políticas e não creio que haverá novas promessas de ajuda aos países em desenvolvimento”, disse Vos, um dos autores dos informes da ONU, “Pesquisa Mundial Econômica e Social” e “Situação Econômica Mundial e Perspectivas”.

Os líderes do G-8 prometeram mais de US$ 20 bilhões para melhorar a segurança alimentar e o desenvolvimento agrícola, disse o diretor-geral do IFPRI, Shengeen Fan, em um comunicado divulgado esta semana. No ano passado, foi lançado o fundo multilateral Programa Global de Segurança Alimentar e Agricultura, para promover a produção agrícola e aumentar a produtividade do setor. “São compromissos financeiros substanciais, mas restam muitos desafios pela frente”, disse Fan.

O primeiro, e mais importante, é que os doadores cumpram suas promessas, e igualmente os próprios governantes africanos. Em segundo lugar, os investimentos em agricultura devem refletir as prioridades nacionais do país, contribuir para uma estratégia de desenvolvimento geral e basear-se na boa governança e em políticas efetivas. Por fim, é tão importante determinar como se gasta o dinheiro na agricultura quanto a quantidade a ela destinada, acrescentou Fan.

O sistema mundial de produção de alimentos está sob estresse, disse Luc Gnacadja, especialista da ONU. Entretanto, costuma-se passar por alto quando se trata da importante relação entre degradação da terra, insegurança alimentar, instabilidade política e migração. “A análise desses vínculos melhorará a agenda do G-8 relacionada com sua associação com a África em matéria de paz e segurança”, ressaltou.

Além disso, segundo Gnacadja, isso “fomentará concretamente” a declaração sobre desenvolvimento sustentável realizada na cúpula do G-8 na cidade italiana de L’Aquila, em 2009. “A crescente agitação política, as incessantes dificuldades econômicas e a cada vez maior vulnerabilidade ambiental fazem com que se espere muito das cúpulas do G-8 e do G-20 deste ano”, acrescentou. Envolverde/IPS