Internacional

Dez mulheres que não se detêm diante de nada

Sete das dez ganhadoras do Prêmio Internacional ao Valor das Mulheres (Iwoc) 2015, do Departamento de Estado norte-americano, posam com Richard Stengel, subsecretário para assuntos e diplomacia públicos. Foto: Kanya D’Almeida/IPS
Sete das dez ganhadoras do Prêmio Internacional ao Valor das Mulheres (Iwoc) 2015, do Departamento de Estado norte-americano, posam com Richard Stengel, subsecretário para assuntos e diplomacia públicos. Foto: Kanya D’Almeida/IPS

 

Nações Unidas, 19/3/2015 – À jornalista Nadia Sharmeen foi pedido, no dia 6 de abril de 2013, que cobrisse uma marcha organizada pela Hefazat-e-Isla, uma associação de organizações islâmicas de Bangladesh, que tem entre suas demandas a revogação da Política Nacional para o Desenvolvimento das Mulheres, mas as coisas não lhe saíram bem.

Quando Sharmeen chegou ao lugar, pediu ao repórter cinematográfico que filmasse a multidão e começou a realizar entrevistas. Mas, “de repente, um homem me perguntou por que estava ali como mulher”, contou à IPS. “Respondi que não estava como mulher, mas como jornalista. Ele não aceitou e começou a gritar comigo”, acrescentou.

As agressões verbais do homem rapidamente chamaram a atenção das pessoas e antes que pudesse entender o que acontecia foi atacada por 50 a 60 homens. “Me bateram, me jogaram no chão quatro ou cinco vezes. Tentaram rasgar meu vestido. Queriam me matar, esse era o objetivo”, afirmou

Seus colegas conseguiram enfrentar a multidão furiosa e levá-la a um hospital. Mas o dano não terminara. Precisou ficar cinco meses de cama e sofrer várias cirurgias. Apesar de abandonada por seu empregador, que se negou a cobrir o custo do tratamento e acabou forçando-a a se demitir, Sharmeen conseguiu superar o calvário graças às suas forças e ao infatigável apoio de sua família.

Ela está entre as dez mulheres reconhecidas pelo Departamento de Estado norte-americano por seu valor excepcional na busca da paz e da igualdade. Atualmente faz uma viagem por este país como ganhadora do Prêmio Internacional às Mulheres com Coragem 2015 (Iwog).

Segundo Sharmeen, ela teve sorte, e seguramente tem razão. Em Bangladesh, milhares de mulheres sofrem a violência que se manifesta de diversas formas. Em 2011, 330 delas foram assassinadas por incidentes relacionados com o dote. Além disso, 66% das mulheres desse país se casam antes de completarem 18 anos. A taxa de emprego é de 57% para as mulheres, contra 88% para os homens.

Nadia Sharmeen, jornalista da Bangladesh. Foto: Kanya D’Almeida/IPS
Nadia Sharmeen, jornalista da Bangladesh. Foto: Kanya D’Almeida/IPS

 

A discriminação começa, segundo alguns dados, com o nascimento. A mortalidade infantil feminina é de 20 mortes para cada mil nascidos vivos, bem acima dos 16 homens que têm a mesma sorte.

Este ano, cinco das dez premiadas pelo Iwoc são da Ásia, onde as mulheres representam metade dos quatro milhões de habitantes e estão sujeitas a fortes leis e a arraigados comportamentos patriarcais.

Sayaka Osakabe, por exemplo, há alguns anos se dedica à luta contra uma forma de discriminação muito propagada no Japão, a “matahara”, ou assédio maternal, a prática de submeter as mulheres a uma forte pressão para que “escolham” entre ter filhos ou uma carreira profissional. Uma em cada quatro mulheres sofre assédio maternal, afirmou, citando dados da Confederação de Sindicatos, enquanto 60% das trabalhadoras geralmente se demitem depois de terem seu primeiro filho.

Ela mesma foi vítima de matahara nas duas vezes em que ficou grávida, porque se negaram a lhe conceder licença maternidade. Decidida a lutar contra essa forma de discriminação, Osakabe fundou a organização Matahara Net, que em menos de um ano chegou a mais de cem mulheres vítimas de assédio maternal. Sua luta também levou o governo a tomar medidas, e inclusive a justiça determinou que as degradações ou demissões por gravidez são, em princípio, ilegais.

Sayaka Osakabe, fundadora da Rede Matahara, uma organização que luta contra a prática de assédio maternal no Japão, que obriga as mulheres a escolherem entre ser mãe ou trabalhar. Foto: Kanya D’Almeida/IPS
Sayaka Osakabe, fundadora da Rede Matahara, uma organização que luta contra a prática de assédio maternal no Japão, que obriga as mulheres a escolherem entre ser mãe ou trabalhar. Foto: Kanya D’Almeida/IPS

 

Foi uma dura vitória porque enfrentou “tremendas reações” em muito setores, inclusive femininos. “As donas de casa e as mulheres dedicadas às suas carreiras, dois grupos obrigados a escolher entre o trabalho e os filhos, são os que mais fizeram frente”, contou.

Em um país onde as mulheres representam uma em cada três pessoas pobres e são 63% dos que têm empregos, que pagam menos de 38% do salário de um trabalhador de tempo integral, a matahara ameaça aumentar a brecha de gênero.

Em 2060, estima-se que a população do Japão diminuirá dois terços em relação aos seus atuais 127 milhões de habitantes. As autoridades se preocupam com o futuro da população economicamente ativa e, no entanto, a sociedade continua demonizando as mulheres que querem formar uma família e ter um salário, lamentou Osakabe.

A ativista birmanesa May Sabe Phyu trabalha muito para conseguir justiça e dignidade para as minorias étnicas e religiosas de seu país, especialmente para as pessoas deslocadas em seu Estado natal de Kachin, onde o conflito civil obrigou cerca de 120 mil a abandonarem seus lares desde 2011.

Em um país cada vez mais intolerante com as minorias, Phyu trabalha em um contexto cruel. Há dois meses, soldados birmaneses violaram e mataram duas mulheres kachin que trabalhavam com professoras voluntárias em uma aldeia do vizinho Estado de Shan. Ela própria recebe ameaças e sofre constante assédio e acusações legais, mas segue em frente.

Como fundadora da Rede para a Paz em Kachin e da Rede de Mulheres Kachin para a Paz, Phyu defende incansavelmente os direitos de mulheres, meninas e meninos deslocados, os que mais sofrem a violência nos acampamentos provisórios. Além disso, está à frente da Igualdade de Gênero Já, uma coalizão de 90 organizações que defendem os direitos das mulheres.

“Quando soube que tinha sido escolhida para o prêmio, disse a mim mesma: realmente mereço?”, contou Phyu à IPS, porque há tantas mulheres que demonstram um grande valor em momentos difíceis. Ela se referia à sua amiga kachin, a primeira que lhe abriu os olhos para a difícil situação das pessoas deslocadas e para a discriminação de gênero. “É meu símbolo de valor e, quando me sinto prostrada, olho para ela, escuto sua voz e seu fundamento renovam minhas forças”, contou.

May Sabe Phyu, diretora da Rede de Igualdade de Gênero na Birmânia, defende os direitos das pessoas deslocadas no Estado de Kachin desde 2011. Foto: Kanya D’Almeida/IPS
May Sabe Phyu, diretora da Rede de Igualdade de Gênero na Birmânia, defende os direitos das pessoas deslocadas no Estado de Kachin desde 2011. Foto: Kanya D’Almeida/IPS

 

Entre as outras premiadas está Niloofar Rahmani, a primeira mulher a se converter em piloto da Força Aérea na história do Afeganistão.

Na lista também está a paquistanesa Tabassum Adnan, moradora do vale de Swat, outrora sob controle do grupo extremista Talibã. Ela sobreviveu a 20 anos de abusos físicos e mentais antes de encabeçar a primeira jirga (conselho) de mulheres dedicado a assuntos como ataques com ácido, assassinatos por honra e a “swara”, a prática de trocar mulheres para resolver disputas ou compensar um crime.

Afeganistão e Paquistão são lugares extremamente perigosos para as mulheres. A Comissão Independente de Direitos Humanos afegã registrou mais de três mil casos de violência contra a mulher em seis meses no ano de 2012, e a polícia paquistanesa contabilizou 160 ataques com ácido em 2014, embora organizações da sociedade civil afirmem que o número real é muito maior.

Nesses países, lutar contra a discriminação costuma ser um assunto de vida ou morte, mas isso não desanimou essas mulheres de optarem pelo caminho da liberdade. As demais ganhadoras são ativistas e jornalistas de Bolívia, Guiné, Kosovo, República Centro-Africana e Síria. Envolverde/IPS