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Derretimento do Ártico, entre o desastre e o lucro

Geleira Hubbard en Seward, no Alasca. Foto: Bigstock/IPS

 

Uxbridge, Canadá, 17/5/2013 – Muitos olhos se voltam para o Ártico, alguns com horror diante da veloz redução de um componente crucial do sistema que apoia a vida, outros antecipando com ansiedade os recursos sem explorar que dormem sob a neve e o gelo que se derrete. “Trabalhei no norte durante 21 anos, e a escala e velocidade da mudança que acontece ali é assustadora”, afirmou à IPS Douglas Clark, da Universidade de Saskatchewan, no Canadá. “Estas mudanças, tomadas em sua totalidade e refletidas em nosso informe, me impedem de dormir à noite”, destacou.

Mudanças rápidas e inclusive abruptas ocorrem em múltiplas frentes do Ártico, segundo o Arctic Resilience Report (ARR – Informe de Resiliência do Ártico). E o que ocorre no Ártico não fica ali. “Este é o primeiro informe internacional a dizer ao mundo que aperte o cinto da segurança: estamos em uma montanha russa selvagem e não sabemos o que vira”, advertiu Clark.

O ARR implicou esforço de dois anos de colaboração entre especialistas dos países nórdicos, mais Rússia, Canadá e Estados Unidos, e inclui perspectivas indígenas. Trata-se de uma sofisticada avaliação de como interagirão as mudanças no clima, os ecossistemas, a economia e a sociedade. O informe foi divulgado ontem na Reunião Ministerial do Conselho do Ártico, em Kiruna, na Suécia. “O que ocorre no Ártico tem profundas implicações para todas as partes do mundo”, afirmou Sarah Cornell, autora principal do estudo.

O aquecimento global está derretendo a neve e o gelo, e também esquentando o Oceano Ártico e as terras que o rodeiam. As estações estão mudando, o permafrost está derretendo, há invasão de novas espécies e as autóctones se esforçam para sobreviver, os lagos estão desaparecendo e os rios são redirigidos pela paisagem que derrete, afirma o estudo. Alguns ecossistemas do Ártico passam por modificações catastróficas, alguns de grande escala e irreversíveis, acrescentou Cornell, do Centro de Resiliência de Estocolmo.

Embora para muitos o Ártico esteja tão longe quanto a Lua, está intimamente interligado com o resto do mundo. O estado do tempo está pautado amplamente pelas regiões frias, ártica e antártica, equilibrado pelos trópicos quentes. Mas o Ártico está derretendo rapidamente. No último verão boreal, o gelo marinho se reduziu à metade do que era há menos de 30 anos, e continua em redução acelerada. “Isto tem e terá consequências espetaculares para o resto do mundo. Não sabemos quais serão todas elas”, afirmou Cornell.

No Ártico vivem culturas e espécies que não são encontradas em nenhuma outra parte e tampouco podem ser levadas mais ao norte para escapar do aumento das temperaturas. Devem fazer um esforço real para sobreviver, alertou Tero Mustonen, presidente da Cooperativa Snowchange, uma rede de culturas indígenas de todo o mundo. “O Ártico sofre mudanças fundamentais. Os alces estão aparecendo pela primeira vez na tundra, junto com novos insetos, plantas e inclusive árvores”, afirmou à IPS, de sua casa no norte da Finlândia.

Mustonen, coautor do ARR, trabalha com comunidades chukchi de pastores de renas do noroeste da Sibéria, que andam por essas terras afastadas há vários séculos. Como muitas comunidades indígenas que vivem na terra, possuem profunda ligação ecológica, cultural e espiritual com a paisagem. E essa paisagem está mudando tanto que às vezes não reconhecem seu próprio lar, observou. “Os chukchi não compartilham facilmente seus pensamentos. Mas os idosos têm uma mensagem clara e forte para transmitir ao mundo: a natureza já não confia nos seres humanos”, afirmou.

Entretanto, as oito nações do Conselho do Ártico se centraram principalmente em futuras oportunidades de transporte marítimo, acesso a petróleo, gás e recursos minerais, e em geopolítica. Concederam a China, Japão, Índia, Coreia do Sul, Cingapura e Itália status de observadores, enquanto o Canadá bloqueou a candidatura da União Europeia. O Conselho é o principal fórum internacional sobre assuntos do norte, e nos próximos dois anos será liderado pelo Canadá que, afirmou, se centrará no desenvolvimento econômico. Nos últimos tempos este país tem provocado críticas por redirigir suas próprias pesquisas científicas para apoiar empresas e indústrias.

Algumas estimativas dizem que a região pode ter 13% do petróleo ainda não descoberto no mundo, bem como 30% dos depósitos não descobertos de gás, e vastas quantidades de recursos minerais. As muito elogiadas pesquisas científicas do Conselho agora se centrarão em como desenvolver os recursos do norte para benefício dos habitantes dessa parte do mundo.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, representou seu país no Conselho, manifestando assim o renovado interesse na região por parte de Washington, que também divulgou sua nova Estratégia Nacional para a Região do Ártico. Embora reconheça os impactos profundos do aquecimento global sobre a região e a população originária, a Estratégia afirma que a região ajudará a cobrir as necessidades energéticas dos Estados Unidos no futuro.

Na reunião, os membros adotaram um acordo sobre preparação para a contaminação marinha com petróleo. Algumas organizações indígenas e ambientalistas pediram uma moratória às perfurações em busca de petróleo no Ártico, devido às perigosas condições e às dificuldades que implicam os trabalhos de limpeza. Segundo o Greenpeace Internacional, esse acordo não oferece nenhum padrão mínimo, específico e prático, e tampouco contém disposições para as empresas serem responsabilizadas por todos os custos e danos causados.

“Aqui aconteceram duas conferências: uma que alertou para os perigos da mudança climática e da rápida industrialização nesta frágil região, e outra, da qual participaram os ministros das Relações Exteriores, que praticamente não tomou medidas concretas para abordá-los”, afirmou Ruth Davis, assessora de políticas no Greenpeace Internacional.

Os povos do Ártico não necessariamente se opõem ao desenvolvimento econômico, mas querem estar no controle do que ocorrer. Porém, as nações árticas e as comunidades locais estão em fases muito diferentes. Na Finlândia e Rússia, os povos originários não têm direitos oficiais sobre a terra ou a água, ao contrário de Canadá ou Alasca, explicou Mustonen. Para ele, “os direitos e as culturas dos povos indígenas nestas regiões devem ser levados a sério para integrar suas necessidades em qualquer forma de desenvolvimento. Envolverde/IPS