Málaga, Espanha, 14/2/2012 – “O que acontece na Espanha?”, pergunta Hernán Bocchio, arquiteto argentino com três filhos, há quatro anos sem emprego e que estuda uma oferta que recebeu do Brasil. Bocchio, de 43 anos, que desde os 17 vive na Espanha, fala de compatriotas que já partiram e de outros que preparam o regresso ao seu país natal porque conseguem pagar apenas o aluguel de onde moram.

Pela primeira vez na década, a emigração da Espanha supera a imigração, devido à crise econômico-financeira que afeta severamente este país e o resto da União Europeia. Dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatistica (INE) indicam que 507.740 pessoas, em sua maioria estrangeiros, saíram da Espanha no ano passado, enquanto 457.650 chegaram. O informe detalha que, do total de emigrantes, 445.160 eram estrangeiros residentes, em sua maior parte da América Latina. Entre 2004 e 2007, houve saldo positivo de 600 mil pessoas por ano, mas agora a Espanha perde população, castigada por uma das piores crises de sua história.

Nos últimos anos, a quantidade de equatorianos e bolivianos residentes na cidade de Málaga caiu 30%, informou à IPS o porta-voz da Federação de Associações Latino-Americanas (Fedesur), Gerardo Valentín. O desemprego, que chega a 21,2% da população economicamente ativa da Espanha, afeta especialmente muitos imigrantes de Equador, Bolívia e Colômbia, que trabalhavam principalmente na construção e na hotelaria. Valentín, natural da Bolívia e radicado na Espanha há 24 anos, explicou que o retorno de imigrantes acontece devido à confluência de uma série de “circunstâncias sociais, políticas e psicológicas”, entre as quais cita “o temor das medidas sobre imigração” que possam ser tomadas pelo novo governo do Partido Popular (PP), de centro-direita.

Muitos trabalhadores latino-americanos não querem continuar na Espanha “ganhando menos e sofrendo mais” e optam por voltar ao seu lugar de origem, se beneficiando do programa de ajuda para este fim, impulsionado pelo governo espanhol desde 2008. O Plano de Retorno Voluntário inclui cerca de 20 países de fora da União Europeia com os quais o país assinou convênio bilateral em matéria de Segurança Social, entre os quais 11 nações latino-americanas. Segundo este plano, os imigrantes desempregados que desejarem voltar podem optar por pagar antecipadamente todas as parcelas e computar os pagamentos feitos na Espanha à previdência social em seus países de origem para efeitos de aposentadoria. A maioria dos estrangeiros residentes na Espanha procede de Brasil, Equador, Bolívia, Colômbia, Peru e Argentina, segundo dados do INE de 2011.

Víctor Saez, representante da Associação de Chilenos na Espanha, alertou à IPS sobre as dificuldades que têm que enfrentar aqueles que regressam a seu país de origem. “No Chile não existem políticas de reinserção e cada qual se vira como pode, pois não há nenhum tipo de facilidade”, ao que se soma o sentimento de frustração que se apodera de todo imigrante que se vê obrigado a voltar. “As pessoas que regressam, o fazem com uma carga emocional muito grande por ver frustrado seu projeto de melhorar de vida”, observou Sáez, que contou que também há chilenos que estão viajando da Espanha para Noruega, Grã-Bretanha, Suíça ou Suécia em busca de uma segunda oportunidade.

Segundo afirmou à IPS a diretora-geral da organização não governamental Realidades na Bolívia, Tahí Abrego, “é difícil voltar, ainda mais com a sensação de que não se atingiu as metas pretendidas”. Não são poucos os imigrantes que ficam e resistem, com a esperança de que mude uma situação que não promete melhoria, segundo os prognósticos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco da Espanha, que preveem que o país caia em recessão este ano. “Prefiro estar mal na Espanha que mal na Argentina”, assegurou Bocchio, que pensa em descartar a oferta no Brasil e espera “aguentar o turbilhão”, com a esperança em um futuro mais encantador.

Por sua vez, a presidente da Associação de Uruguaios de Málaga, Patricia Rusmigo, assegurou à IPS que “muitos compatriotas voltaram ao nosso país porque a situação ali já não é tão dramática como antes e agora há mais oportunidade de trabalho”. Rusmigo, que vive há 11 anos na Espanha com seus três filhos, reconhece como é difícil fazer as malas e voltar para recomeçar, e destacou que muitos uruguaios resistem e buscam novas possibilidades de trabalho na Espanha para não precisar retornar. A decisão não é fácil. Os níveis de desigualdade e violência na América Latina são muito grandes e por isso muitos tentam aguentar, segundo afirmaram à IPS outros imigrantes. “Teria que estar em uma situação bastante drástica para voltar ao Uruguai”, afirmou Rusmigo, que trabalha na área administrativa.

Joaquín Arango, diretor do Centro de Estudos sobre Migrações Internacionais e Integração Social do Instituto Universitário Ortega e Gasset, considera que, ao falar de emigração, “se exagera a magnitude, porque há certa fascinação pela novidade”. À IPS afirmou que, “embora pareça claro e certo que há mais emigração da Espanha do que antes, até agora os números são modestos e, considerando o pano de fundo da magnitude da crise, houve uma mudança de tendência comedida”. Para Arango, embora o saldo migratório seja negativo, a diferença entre os que retornam e os que chegam, tanto em época de bonança como no presente, é pequena.

O alto índice de desemprego e a falta de expectativas também obrigam um bom número de espanhóis, na maioria jovens qualificados, a partir rumo ao estrangeiro. María Ángeles Sánchez, engenheira espanhola de 39 anos que perdeu o emprego depois de uma década de trabalho ininterrupto, disse à IPS que terá que procurar outro país, e para isto aperfeiçoa seus conhecimentos de inglês para procurar ofertas de trabalho na Austrália, Europa oriental ou Emirados Árabes Unidos. Os profissionais espanhóis que mais emigram são engenheiros, arquitetos, médicos e trabalhadores da saúde, e um de seus destinos preferidos é a América Latina, até agora resistente à crise que sofrem os países ricos. Envolverde/IPS