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Crise financeira freia ajuda a países menos adiantados

Bruxelas, Bélgica, 19/4/2011 – Representantes das nações mais pobres do planeta se preparam para elaborar um novo “plano de ação” para seu desenvolvimento. Entretanto, a crise financeira global e os desastres naturais não fazem prever uma fluida ajuda dos vitais doadores. Entre outras propostas que poderiam emergir da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) de Países Menos Avançados (PMA), em maio, em Istambul, é um imposto global às transações financeiras que gere milhares de milhões de dólares anuais para ajuda ao desenvolvimento.

“Voltaremos a comprometer a comunidade internacional para que continue estendendo seu apoio aos 48 países menos adiantados do mundo para a próxima década”, disse Cheick Sidi Diarra, alto representante da ONU que liderará a conferência. A ajuda ao desenvolvimento dos países mais pobres do mundo bateu recorde em 2008, com US$ 122,4 bilhões, no mesmo momento em que a crise financeira atingiu Estados Unidos, União Europeia e outros grandes doadores.

Diarra afirmou que agora é necessário manter esse progresso nas principais áreas, como educação primária e acesso a saneamento. “Os países doadores fizeram o que puderam durante a década, especialmente em 2008 antes da crise” financeira, acrescentou em entrevista telefônica desde Nova York. Porém, os níveis de ajuda caem devido à falta de compromissos, e cerca da metade da ajuda ao desenvolvimento nos últimos anos foi gasta em apenas dois países: Afeganistão e Iraque, ressaltou.

Há uma década, na primeira conferência de PMA, realizada em Bruxelas, ficou estabelecido um programa para reduzir a pobreza e melhorar as oportunidades econômicas para as nações pobres e vulneráveis. Também foi fixada uma série de diretrizes, incluindo melhores oportunidades de comércio, proteção do meio ambiente, melhoria da governança e promoção da transparência para estimular o investimento privado.

Um ano depois, na cidade mexicana de Monterrey, os principais países doadores prometeram trabalhar para conceder o equivalente a 0,7% do produto interno bruto para a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA). Entretanto, em 2009, a ODA total foi menos da metade do prometido. A ONU estima que são necessários mais de US$ 60 bilhões para que as nações mais pobres possam alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, até 2015.

Entretanto, o momento deste novo chamado não é o mais adequado. A crise financeira global em seguida ao colapso do mercado imobiliário norte-americano obrigou muitos doadores a reduzirem sua ajuda ao Sul. Os desastres naturais também devem ser considerados. O Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco Mundial calculam que a inundação do ano passado no Paquistão causou prejuízos de US$ 10,8 bilhões, e sua reparação pode demorar anos. Por outro lado, doadores deram cerca de US$ 4 bilhões em ajuda ao Haiti desde seu terremoto no começo de 2010.

Líderes no Japão – tradicionalmente o doador mais generoso depois dos Estados Unidos – estimaram que o terremoto e o tsunami de 11 de março deixaram perdas de US$ 300 bilhões, e preveem tempos de austeridade. Espera-se que a conferência de quatro dais, que começará no dia 9 de maio, faça renovados apelos a doações e a uma melhor governança, bem como a mais investimentos e oportunidades comerciais para a próxima década. Diante dos atuais desafios, é possível que a busca por fontes alternativas de financiamento ao desenvolvimento tenha também um lugar de destaque na agenda do encontro.

Uma opção é o imposto sobre transações financeiras, no passado consideradas uma alternativa para financiar operações da ONU e de assistência humanitária. A ideia foi promovida em uma reunião de ministros dos PMA realizada em outubro do ano passado em Lisboa. Destacadas figuras das finanças e da economia, como Joseph Stiglitz e Warren Buffett, disseram que esses impostos gerariam ingressos em lugar de desestimular o comércio especulativo de moedas ou produtos financeiros.

Organizações da sociedade civil, reunidas em Nova York para preparar a conferência de Istambul, acordaram, no começo deste mês, pressionar também por um alívio da dívida externa. Os PMA “gastaram mais de US$ 6 bilhões por ano com o serviço da dívida”, disse Arjan Karaki, chefe da organização LDC Watch, com sede em Katmandu. “Em muitos dos PMA se gasta mais e mais dinheiro com o serviço da dívida e não em serviços essenciais como saúde, água potável e energia”, disse Karaki em uma declaração.

Diarra reconheceu que há grandes dificuldades de financiamento no futuro próximo, e ressaltou que a reunião de Istambul devia tratar de melhorar os investimentos e as oportunidades de comércio, apoiando esforços como o Acordo de Cotonou e a iniciativa “Tudo Menos Armas”, da União Europeia, que promovem a associação com países em desenvolvimento. Diarra acrescentou que os líderes nos PMA também têm a responsabilidade de se comprometer com “regras mais transparentes, que respeitem os direitos humanos e a propriedade privada, e que também protejam os investimentos estrangeiros e os locais”.

Grupos da sociedade civil também preparam chamadas nas áreas de direitos humanos e seguridade social, embora seja pouco provável que em Istambul sejam apresentadas propostas exortando as nações a reduzirem o gasto militar e canalizar o dinheiro para a ajuda. “Queremos soluções que possam ser consensuais e aceitáveis para todos”, disse Diarra. Espera-se que cerca de seis mil representantes de governos, do setor privado e da sociedade civil participem da reunião em Istambul. Envolverde/IPS