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Crianças HIV positivas, notícia negativa no Zimbábue

Por medo de perder amigos e companheiros de brincadeiras, no Zimbábue as crianças escondem que são HIV positivas. Foto: Busani Bafana/IPS
Por medo de perder amigos e companheiros de brincadeiras, no Zimbábue as crianças escondem que são HIV positivas. Foto: Busani Bafana/IPS

 

Bulawayo, Zimbábue, 4/4/2014 – Há três anos Robert Ngwenya (nome fictício) e seu pai se envolveram em uma acalorada discussão sobre medicamentos. O rapaz, na época com 15 anos, se negava a tomar os comprimidos, que lhe causavam náuseas e que consumia desde que tinha 12 anos, e os jogava na privada. Durante a discussão, Ngwenya entendeu que havia nascido HIV positivo, que tomou medicamentos antirretrovirais e não vitaminas e antialérgicos, e que seu pai também vivia com o vírus da deficiência imunológica humana, causador da aids e com a culpa de tê-lo infectado.

“É injusto! O que fiz para merecer isto?”, lamentou Ngwenya. Ele vive no superpovoado subúrbio de Pumula, em Bulawayo, a segunda cidade mais importante do país, com seu pai, um mecânico de automóveis, e seu irmão menor, que não tem o HIV. Sua mãe morreu quando ele tinha dez anos, e seu pai não voltou a se casar. O jovem tinha toda sua vida planejada: acabaria a escola secundária, se formaria em tecnologia da informação, encontraria um emprego e compraria um carro. Mas agora tudo mudou.

Após a revelação, já não é o mesmo adolescente extrovertido cuja companhia fazia família e amigos sorrirem. “Como direi aos meus amigos? Como posso começar uma relação sabendo que alguém terá que suportar meu peso?”, questionou Ngwenya. Como o de Ngwenya, outros pais são HIV positivos e estão esmagados pela culpa não sabem como dizer aos filhos que nasceram com o vírus. Quem e como explicar a uma criança ou um adolescente que viverá com o vírus o resto de sua vida?

Graças à terapia antirretroviral, cada vez mais crianças infectadas com HIV chegam à adolescência. Em 2012, o Zimbábue tinha 180 mil crianças entre zero e 15 anos e 1,2 milhão de pessoas acima de 15 anos que viviam com HIV. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida). “Na medida em que essas crianças crescem e superam a ameaça imediata da morte, surge o assunto de informá-las que são HIV positivas”, diz um estudo sobre adolescentes nascidos com o vírus no Zimbábue.

Mas a situação é diferente com crianças menores, onde se exige seguir certos critérios adequados à idade, diz o documento. Adolescentes entre 16 e 20 anos entrevistados para o estudo disseram preferir ser informados de sua condição por trabalhadores da saúde em clínicas, com a presença de famílias. “Revelar a notícia a esse grupo etário em um entorno de atenção à saúde pode ajudar a superar algumas das barreiras, que ocorrem quando os seus responsáveis o fazem em casa, e fazer com que o status de HIV pareça mais crível para um adolescente”, diz o informe.

Zivai Mupambireyi, pesquisadora do Centro para a Saúde Sexual e a Pesquisa sobre HIV/aids (CeSHHAR) e coautora de um estudo de 2013 sobre crianças HIV positivas entre 11 e 13 anos no Zimbábue, ressaltou à IPS que estas preferem saber de sua situação na clínica porque acreditam que os trabalhadores da saúde lhes dão mais e melhor informação do que os seus responsáveis.

As crianças disseram que os adultos que cuidavam delas demoravam para explicar a situação, escondiam informação e mentiam sobre os comprimidos. “A maioria dessas crianças era cuidada por pessoas com as quais não tinham vínculo biológico, pois seus pais foram a primeira geração de pacientes com aids e morreram antes da existência dos antirretrovirais”, explicou Mupambireyi. Seja pelo fato de os pais carregarem o peso da culpa ou de os tutores estarem aflitos pela enormidade da revelação, dizer aos adolescentes que são HIV positivos é uma tarefa repleta de dor e ambivalência.

Mupambireyi concluiu que as crianças HIV positivas acreditam que revelar sua condição aos seus colegas os exporá à discriminação. Embora frequentemente isso não ocorra, por medo de se isolar socialmente e perder amigos, as crianças escondem essa informação. “Embora contar que se tem HIV seja nobre e recomendado, as preocupações e os temores das crianças em torno disso devem ser abordadas antes de incentivá-los à revelação”, opinou.

Trabalhadores da saúde, pais e educadores ficam com medo de contar, sem saber qual é o momento mais oportuno e a melhor maneira de revelar a um jovem que tem HIV. Definate Nhamo coordena o Shaping the Health of Adolescents in Zimbabwe (SHAZ), um projeto de pesquisa. Em uma filial, o SHAZ for Positives, chega a mais de 700 jovens que vivem com o vírus em Chitungwiza, um subúrbio de Harare.

O pesquisador indicou à IPS que a melhor idade para revelar a uma criança que ela é HIV positiva provavelmente seja em torno dos nove ou dez anos, e de preferência na presença de pais, tutores e psicólogos. “Quando a criança é menor, confia, e crescerá sabendo que deve tomar os medicamentos religiosamente”, destacou à IPS. Os membros da SHAZ for Positives concordam que conhecer sua situação mais cedo ajuda as crianças a aceitarem sua condição e falar abertamente sobre ela, acrescentou.

Alguns adultos dizem às crianças que os comprimidos antirretrovirais são para tuberculose, sem se darem conta de que podem fazer uma busca na internet e conferir a verdade por si mesmos. “Os adolescentes simplesmente deixam de tomar os antirretrovirais e não dizem aos pais, porque sentem que estão mais informados por terem acesso à internet”, observou Nhamo.

Uma jovem participante do estudo da SHAZ contou à IPS que sua mãe, martirizada por tê-la infectado, nunca contou a verdade. Aos 17 anos, a jovem fez um exame de HIV rotineiro e o resultado deu positivo. Como nunca mantivera relações sexuais, confrontou sua mãe e assim soube de que suas duas irmãs eram HIV negativas, mas que ela tinha o vírus. “Me senti com raiva e frustrada. Se minha mãe tivesse contado antes, eu poderia ter aceito melhor minha situação”, afirmou.

Zvandiri, que significa “o que sou” no idioma shona, é um grupo de apoio que ajuda os adolescentes a enfrentarem o HIV. Em 2013, a organização produziu uma canção de ninar com um DVD, Como Dançar, interpretada por jovens que soltaram suas esperanças e seus medos. “Também tenho sonhos de uma vida melhor, de que alguém me queira como sou”, diz a letra, que pergunta “como dançar na tempestade?”. Envolverde/IPS