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Crescimento econômico não dá de comer à África

Everlyne Wanjiku, mãe solteira com cinco filhos, ganhou a vida vendendo verduras por mais de 30 anos. Foto: Brian Ngugi/IPS

Nairóbi, Quênia, 16/5/2012 – Everlyne Wanjiku por mais de três décadas ganhou a vida vendendo verduras em Kibera, bairro pobre da capital do Quênia. Embora sua renda fosse pouca, esta mãe solteira conseguiu assegurar aos seus cinco filhos educação universitária. No entanto, agora, como muitos outros habitantes de Nairóbi, sente o impacto do aumento mundial dos preços dos alimentos e de outros produtos básicos. Wanjiku sabe que já não pode manter sua família.

“A maioria de meus clientes diários já não vem comprar por causa dos preços proibitivos dos alimentos. Como pode ver, não fiz reposição de produtos porque acabaram as pequenas economias que tinha”, explicou, apontando para as poucas verduras sobre a mesa colocada à porta de sua choça. “Em um bom mês, ganhava mais de seis mil chelines (US$ 67). Agora as coisas vão mal, e não posso alimentar minha família”, contou. Uma de suas clientes, Janet Adhiambo, afirmou que a vida também está mais difícil para ela. “É uma pena que já não possa comprar ingredientes básicos, como cebolas. Simplesmente decidi esquecê-los porque são muito caros. Isto é muito duro”, afirmou.

As penúrias destas duas mulheres se repetem na maioria das famílias do Quênia, afetadas pelos altos preços dos alimentos. E esta insegurança não está limitada aos quenianos, afetando toda a África, segundo um informe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O estudo, divulgado ontem em Nairóbi, aponta o paradoxo de a África sofrer insegurança alimentar sendo um continente com enormes recursos agrícolas.

O “Informe de Desenvolvimento Humano da África 2012: Para um futuro de segurança alimentar” indica que, apesar do grande crescimento experimentado pelas economias do continente na última década, as nações subsaarianas ainda sofrem insegurança alimentar. “Um em cada quatro africanos está desnutrido, e a insegurança alimentar – a incapacidade de adquirir regularmente calorias e nutrientes suficientes para uma vida saudável e produtiva – é onipresente. O fantasma da fome, que praticamente desapareceu do resto do mundo, continua rondando a África subsaariana”, diz o estudo.

Isto ocorre apesar de a região contar com “extensas terras agrícolas, abundância de água e um clima geralmente favorável para cultivo de alimentos. E nos últimos dez anos, muitos países africanos conseguiram taxas de crescimento econômico exemplares para o mundo, e foram os que mais avançaram no Índice de Desenvolvimento Humano”, destaca o trabalho.

O informe faz dura crítica aos governos do continente, dizendo que não adotaram políticas adequadas. “A África subsaariana tem abundantes recursos agrícolas. Contudo, vergonhosamente, em todos os rincões da região milhões de pessoas seguem famintas e desnutridas. Isto é resultado do evidente desequilíbrio entre produção local, distribuição e forma de alimentação com deficiências crônicas, especialmente entre os mais pobres”, acrescenta.

O Pnud diz que, apesar da redução da pobreza entre 2000 e 2010, quase metade dos subsaarianos ainda vive nela. No ano passado, o Chifre da África foi açoitado por uma fome e uma acentuada insegurança alimentar que afetaram 9,5 milhões de pessoas. Segundo Tegegnework Gettu, subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e chefe do escritório do Pnud na África, a insegurança alimentar crônica nos países subsaarianos tem suas raízes em décadas de má governança.

O secretário permanente do Ministério de Agricultura do Quênia, Romano Kiome, admitiu que os governos da região não estavam fazendo o suficiente para combater o problema. Kiome citou o caso de seu país, cujo Ministério das Finanças destinou US$ 539 milhões para apoiar a agricultura (menos de 5% do orçamento 2010-2011), enquanto destinou US$ 685 milhões a gastos de defesa.

Gettu afirmou que alguns países africanos deveriam reorientar urgentemente suas prioridades de gasto para superar a insegurança alimentar. “Se alguns países africanos podem adquirir e manter jatos de combate, tanques, artilharia e outros meios avançados de destruição, por que não podem dominar o conhecimento agrícola? Por que os africanos não podem adquirir tecnologia, tratores, sistemas de irrigação, variedades de sementes e treinamento necessário para alcançar a segurança alimentar?”, questionou.

Gettu observou que, com políticas e instituições adequadas, a África poderia gerar um círculo virtuoso de maior desenvolvimento humano e melhor segurança alimentar. “A África pode extirpar por si só a insegurança alimentar atuando em quatro motores de mudança fundamentais”, acrescentou. Isto é, aumentando a produtividade dos pequenos agricultores, adotando políticas de nutrição mais efetivas, especialmente para crianças, fortalecendo as comunidades para enfrentar os impactos econômicos, e gerando uma participação popular mais ampla, com empoderamento especial das mulheres no âmbito rural.

Gettu concluiu que a “África tem o conhecimento, a tecnologia e os meios para acabar com a fome e a insegurança alimentar, mas ainda falta vontade política e dedicação”. Por sua vez, Kiome afirmou que, embora não haja soluções mágicas, os governos devem fazer maiores investimentos em agricultura. “Temos a capacidade e as pessoas adequadas. No entanto, não temos suficiente vontade política para implantar as políticas corretas”, lamentou.

Inclusive na nação insular africana de Maurício, mais de 50% da terra cultivável é irrigada, contra uma média de apenas 10% no resto da África. “Quando os países conseguem maturidade alimentar é porque aplicam as políticas adequadas”, destacou Kiome. Para o queniano Calestous Juma, especialista em ciência e tecnologia aplicadas ao desenvolvimento sustentável e professor da Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard, “não existe uma receita única ou uma panaceia para derrotar a insegurança alimentar na África subsaariana”.

O informe do Pnud propõe a adoção de “subsídios inteligentes” que estimulem os pequenos agricultores a apostarem em variedades de cultivo de alto rendimento e que não impliquem custos de longo prazo para o Estado. Isso poderia revigorar a produção de alimentos e os mercados. “Para impulsionar a produtividade são necessários mais fertilizantes e sementes, maior pesquisa e um sistema de extensão mais coordenado e receptivo, com especialistas no comportamento e nos hábitos das comunidades agrícolas locais”, indica o informe. E acrescenta que se deve atrair a participação dos jovens, para infundirem energia e ideias inovadoras às políticas de desenvolvimento da África. Envolverde/IPS