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Comércio regional é chave na segurança alimentar da África

Agricultores africanos temem que seus produtos não possam competir com os subsidiados da União Europeia. Foto: Wambi Michael/IPS

Washington, Estados Unidos, 29/10/2012 – A segurança alimentar na África poderia melhorar enormemente se seus agricultores pudessem comercializar seus produtos com maior facilidade dentro do continente, afirma o Banco Mundial, que pede urgência aos Estados no sentido de fortalecerem o intercâmbio regional de alimentos. Apenas 5% dos cereais importados pela África procedem do próprio continente. O restante é comprado de países da Europa ou do sudeste da Ásia, ou, ainda, é fornecido por doadores internacionais, o que gera inflação e um desequilíbrio comercial que prejudica principalmente os mais pobres.

Os preços internacionais dos alimentos básicos alcançam novamente picos históricos, devido à seca nos Estados Unidos no verão boreal e à contínua demanda por biocombustíveis, enquanto países africanos foram obrigados a aumentar a quantidade de alimentos que importam. O Banco Mundial sugere que, com a concretização e harmonização de normas para comercializar alimentos dentro dos blocos africanos, é possível melhorar a renda dos pequenos produtores, bem como aumentar o cultivo nas terras disponíveis e aumentar o rendimento.

“A África tem capacidade para cultivar e colocar alimentos de qualidade na mesa das famílias africanas”, afirmou Makhtar Diop, vice-presidente do Banco Mundial para a África. “Porém, a possibilidade não é aproveitada porque os agricultores enfrentam mais barreiras comerciais para levar seus produtos aos mercados do que em nenhum outro lugar do mundo”, acrescentou. Na apresentação de um novo informe do Banco Mundial, Diop diz que somente um décimo das grandes áreas de terras cultiváveis é aproveitado, e acrescenta que seria muito positivo aumentar esta proporção devido à necessidade crescente de alimentos no continente, e, inclusive, se poderia vender o excedente para o mundo.

No entanto, há elementos estruturais significativos que impedem a concretização desse objetivo. O Banco Mundial se concentra em facilitar o intercâmbio comercial de produtos agrícolas, mas há outros problemas, como compartilhar conhecimento específico entre os Estados e a possibilidade de acesso a tecnologia, que poderia ser útil. “Os agricultores africanos têm mais barreiras para conseguir os insumos que precisam e levar seus produtos aos consumidores das cidades africanas do que os fornecedores do resto do mundo”, escreve Diop.

“Se pudessem conseguir o rendimento que têm os agricultores de outros países em desenvolvimento, sua produção poderia duplicar ou mesmo triplicar facilmente”, ressalta Diop. Após assinalar que “as fontes mais próximas de demanda” costumam estar do outro lado da fronteira, Diop responsabiliza pela lentidão nos mercados os “fragmentados” mercados regionais de alimentos e as imprevisíveis e obsoletas normas e políticas comerciais nacionais.

Segundo Diop, “o conceito de segurança alimentar frequentemente é tergiversado por limitadas posições nacionalistas e frequentes desvios por interesses específicos que se beneficiam da situação atual”. Ele acrescenta que “é um momento oportuno para abrir-se e buscar mercados integrados regionais e de alimentos que atendam à segurança alimentar de forma mais eficiente e, ao mesmo tempo, permitam aos agricultores obter mais com a renda de seu trabalho”.

“É algo tão óbvio”, concordou Danielle Nierenberg, diretora do Nourishing the Planet, com sede em Washington. “Se o Malawi sofre uma terrível seca, a África do Sul pode oferecer-lhe alimentos, em lugar de depender da assistência ou de produtos importados que não fazem parte de sua dieta nem de seus valores culturais”, disse à IPS. “É uma alternativa importante ter um seguro se os agricultores têm excedentes e ninguém a quem dar. Assim podem depender apenas deles e não dos Estados Unidos ou da Europa ocidental”, ressaltou Nierenberg.

Entretanto, Nierenberg também alertou para os enfoques demasiado dependentes dos mercados e de insumos como sementes híbridas e fertilizantes químicos, embora tenha esclarecido que cada um deles desempenha um papel importante se usado de forma prudente e limitada. “Os pequenos agricultores nunca farão parte do mercado, por isso precisamos nos concentrar em que possam alimentar a si mesmos e que lhes sobre algo para vender”, pontuou. “Não existe uma fórmula mágica”, acrescentou, antes de destacar a necessidade de uma variedade de sistemas que juntos criem resiliência e protejam os agricultores dos golpes.

“Devo dizer que não vi da parte do Banco Mundial, nem nenhum outro grande doador, um interesse significativo em soluções agroecológicas, embora os dados estejam disponíveis”, apontou Nierenberg. “Continuamos nos concentrando em sementes híbridas e fertilizantes químicos. Devemos reconhecer, por exemplo, que, com o aumento do preço dos combustíveis fósseis, os fertilizantes ficarão impossíveis de serem adquiridos pelos pequenos produtores”, destacou.

Por outro lado, apontar para a infraestrutura básica, afirmou Nierenberg, marcaria uma diferença significativa, em especial para lidar com o problema do armazenamento de alimentos, como unidades de refrigeração, centros de coleta e, em geral, modernos armazéns. “Mesmo se os agricultores usassem sementes híbridas e produzissem cada vez mais grãos, se estes fossem comidos pelos insetos antes de poderem ser vendidos, todo o trabalho e todos os insumos teriam servido para nada”, observou.

O informe do Banco Mundial coincide com o início de uma cúpula da União Africana (UA) sobre agricultura e comércio, hoje, na Etiópia. O Banco Mundial quer que a UA tenha um papel significativo na promoção de conversações entre atores regionais sobre como aumentar o comércio regional de alimentos, bem como uma “plataforma de conhecimento” que sirva para propagar lições aprendidas e informação sobre reformas e comércio agrícola. Analistas do Banco Mundial disseram que os governos africanos reiteraram seu compromisso com a abertura do comércio regional, mas não avançaram em sua implantação e continuam criando um grande coquetel de restrições. Envolverde/IPS