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Ciganos, de mal a pior

Lydia Gall, advogada do Centro Europeu para os Direitos Romani. Foto: Katalin Muharay/IPS

Lisboa, Portugal, 23/11/2011 – O notório crescimento da discriminação que enfrentam na União Europeia (UE) os ciganos, também chamados roma, preocupa seus líderes, sobretudo pela atitude e mensagem que muitos partidos políticos transmitem, culpando-os por todos os males. Assim expressaram Dezideriu Gergely, diretor-executivo do Centro Europeu para os Direitos Romani (ERRC), e a responsável jurídica dessa entidade, Lydia Gall, durante visita de dois dias a Lisboa esta semana, para denunciar as péssimas condições de moradia de seu povo em Portugal.

As políticas claramente dirigidas contra os ciganos se comprovam especialmente na Bulgária, França, Hungria, Itália, Eslováquia, República Checa e Romênia, mas, no tocante às condições de moradia, “Portugal não é tão diferente desses países”, afirmou a advogada e ativista do ERRC, com sede em Budapeste. Gergely, citando em especial os casos de Bulgária, Romênia e Hungria, afirmou que “em muitos países a situação das comunidades da etnia romani, em lugar de melhorar, vai de mal a pior”.

Em muitos países da Europa, “há partidos que têm por alvo de seus ataques os ciganos, mediante uma linguagem cada vez mais agressiva e perigosa, não apenas da extrema direita, mas também de partidos conservadores e de centro”, acrescentou Gergely. Este discurso tenta “converter o povo cigano em bode expiatório de uma série de problemas sociais, mediante um mecanismo no qual são geralmente culpados por estes problemas, e o mais perigoso, é que esta ideia ganha corpo na opinião pública”, lamentou.

O ativista citou em especial os casos de Itália e França, que demonstram que estas situações “não são particulares nos países da Europa central e oriental, mas também no ocidente, onde se verifica uma ação política cujo objetivo são os ciganos”. A Itália criou um estado de emergência “para tratar o que é chamado de problema da imigração, mas que, fundamentalmente, se centra nos ciganos, enquanto na França comunidades romani inteiras, procedentes da Bulgária e Romênia, foram obrigadas a regressar para seus países.

Por sua vez, Gall fez uma pesquisa em Portugal durante cinco anos, verificando denúncias sobre a construção de muros para separar bairros sociais de ciganos do restante dos cidadãos. E constatou as péssimas condições de moradia dos ciganos neste país. Até o momento não foi feito nenhum estudo sociográfico de âmbito nacional sobre a população luso-romani, mas a organização comunitária Health and the Roma Community (Saúde e Comunidade Cigana) considera que seu número esteja em torno de 33.500 pessoas.

A uma consulta da IPS sobre as diferenças com a situação dos países mencionados por Gergely, a advogada reconheceu que em termos de agressões efetivamente existem diferenças a favor, especialmente quanto a uma melhor atitude da sociedade portuguesa em seu conjunto. Contudo, quanto às condições habitacionais, “a situação é semelhante” ao resto da Europa. As comunidades luso-romanis “muitas vezes vivem em bairros afastados, em casas de péssima construção, muito longe do padrão médio da população, em más condições de higiene, longe dos centros urbanos e sem meios de transporte, o que limita a escolaridade das crianças”, acrescentou a advogada.

Em abril de 2010, o ERRC acusou o governo português de não ter cumprido suas obrigações de direitos humanos nos termos da Carta Social Europeia Revisada. Já o Comitê Europeu de Direitos Sociais tornou pública, no dia 7, uma resolução na qual considera que Portugal viola os direitos dos ciganos a uma moradia adequada. Também condena a criação de bairros segregados que incentivam o isolamento, bem como a exclusão social deliberada das comunidades ciganas.

Gall destacou que em Portugal chegou-se ao extremo de se levantar muros que segregam os ciganos, que são obrigados a viver em bairros sem água potável, escondidos atrás de colinas, sem acessos viários e longe da estrada em vários municípios do país. A constante umidade devido às infiltrações de água “causa sérios impactos na saúde dessas pessoas, como problemas respiratórios em crianças de quatro e cinco anos”, denunciou a advogada.

Gall citou o caso extremo de Beja, 180 quilômetros ao sul de Lisboa, onde foi construído um bairro social “com um muro de separação, longe do centro urbano e perto de um local de guarda de cachorros de rua, cujo esgoto com excremento dos animais passa pelas casas, com óbvias consequências para a saúde dos moradores”. Outra situação preocupante é em Rio Maior, 85 quilômetros ao norte de Lisboa, “onde 14 famílias ciganas foram colocadas em casas precárias de madeira, em cima de uma prejudicial mina de carvão e separadas por uma densa floresta do restante da população”, contou Gall.

Em Vidigueira, 160 quilômetros ao sul da capital portuguesa, existe uma comunidade que vive atrás de ruínas medievais, e a “polícia cortou a única fonte de água potável acessível a eles. Estes são alguns dos exemplos que serviram como documentação para condenar Portugal”, concluiu a jurista. O caso português é apenas uma mostra que ilustra “a falta de políticas da União Europeia sobre inclusão social das comunidades romani e, quando estas existem, muitas vezes têm um efeito perverso”, alertou Gergely. Como exemplo citou o caso da Romênia, “que constrói escola separada para ciganos, dentro de seus bairros”.

A situação “tanto no leste como no oeste da Europa é muito alarmante, e também vemos que tanto a UE como o Conselho da Europa (de 47 membros, todos do continente em sua mais ampla concepção geográfica) assumiram o trabalho de solucionar o problema”, disse Gergely. Até o final deste mês “todos os países deverão propor estratégias para atender as comunidades romanis nacionais”, acrescentou. A UE “afirma contar com orçamento de 26 bilhões de euros (US$ 36 bilhões) para inclusão social, dos quais apenas 30% são gastos em programas dos Estados-membros, mas não sabemos qual parte é destinada à inclusão dos romanis”, advertiu Gergely. Ao concluir, deixou uma mensagem: “Conhecemos os problemas e suas soluções, temos as ferramentas necessárias e há dinheiro para isso. Só falta vontade política”. Envolverde/IPS