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Chuvas fora de tempo prejudicam tabaco cubano

A jovem Yamilé Venero enlaça folhas de tabaco sobre longas varas, para sua secagem natural, na propriedade Valle, no município de San Juan e Martínez, meca deste produto emblemático de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
A jovem Yamilé Venero enlaça folhas de tabaco sobre longas varas, para sua secagem natural, na propriedade Valle, no município de San Juan e Martínez, meca deste produto emblemático de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

San Juan e Martínez, Cuba, 7/3/2014 – Quase ao término da atual colheita, os moradores do município cubano de San Juan e Martínez, com as melhores plantações de tabaco do mundo, veem suas esperanças de uma alta produção se afogarem em inesperadas chuvas de inverno boreal.

“Foi um ano ruim, rebelde, como dizemos por aqui. Caiu muita água, o que apodrece as plantas. O tabaco precisa de sol durante o dia e frio à noite”, explicou à IPS o camponês Dámaso Rodríguez, de 67 anos, trabalhador na fazenda Valle dessa localidade, 180 quilômetros a oeste de Havana, na província de Pinar del Río.

“As tarefas de cultivo atrasaram”, lamentou, na mesma propriedade, a jovem Yamilé Venero. “Já não vale a pena voltar a semear”, acrescentou María Teresa Ventos, de 54 anos, que se emprega para enlaçar a folha a cada campanha nesta agroindústria, fonte de empregos temporários e femininos.

Desde novembro, quando começou a campanha, caem chuvas demais sobre a província que deve fornecer 70% das 26.400 toneladas de folha de tabaco previstas para a safra 2013-2014. San Juan e Martínez e seu vizinho San Luis, que contribuem com 86% do tabaco dos caros e apreciados havanas.

Fontes locais informam que em Pinar del Río houve perdas de 813 hectares e danos parciais em outros mil, de um plano provincial de 15 mil hectares. Em numerosas propriedades foi necessário arrancar o que estava plantado e voltar a plantar por mais três vezes o tabaco, terceiro item de exportação de Cuba, atrás do níquel e dos medicamentos.

Em 2013, o país obteve US$ 447 milhões pela folha de tabaco, 8% a mais do que em 2012, ano em que a corporação anglo-cubana Habanos S/A faturou US$ 416 milhões. A única a comercializar o tabaco cubano no mundo chega a 160 países, em sua maioria europeus, embora o gosto pelos charutos aumente na Ásia e no Oriente Médio.

As nuvens negras que cobriram Pinar del Río, no extremo ocidente do país, podem ensombrecer as vendas este ano, junto a outros limitadores, como as duras leis antitabaco vigentes na Europa e o bloqueio do mercado norte-americano pelo conflito de meio século entre Washington e Havana.

Para contornar os danos causados pela chuva, as plantações da província prolongaram em 45 dias a etapa de semeadura, que costuma terminar em janeiro, e outras tarefas fundamentais da atual campanha do tabaco. Também recorreram à colheita da folha de qualidade inferior e o cultivo da nova muda, para obter o máximo de produção.

Em Valle, as mãos treinadas de 12 homens continuam colhendo folhas, que levam para uma casa de madeira de paredes muito altas, em uma parte da plantação. Dentro, 12 mulheres prendem as folhas em fios, que são amarrados em longas varas, que depois são estendidas em fileiras até o teto de duas águas, para a tradicional cura (secagem controlada) ao ar.

“Apesar de tudo, o tabaco tem boa qualidade, mas não como a de antes”, observou Rodríguez. Para este cultivador de tabaco veterano, filho e neto de camponeses, preocupa o fato de o clima tão extravagante de sua terra “já não ser o mesmo” de três décadas atrás.

As temperaturas, em combinação única com os solos e a umidade da região de Vuelta Abajo, no oeste da província, são ingredientes cruciais na hora de fabricar os melhores charutos “premium”, ou feitos à mão, do planeta, um processo com cerca de 190 operações distintas.

Só aqui se consegue todos os tipos de folhas empregadas nos charutos, descendentes dos tubos de folhas enroladas que os habitantes originários do arquipélago cubano fumavam, quando, em 1492, desembarcaram os conquistadores espanhóis.

Dayana Hernández e Aliet Achkienazi, pesquisadores do estatal Instituto de Meteorologia, preveem que esse território será a cada década mais quente durante este século, criando desajuste nas condições que dão os exclusivos sabor, aroma e textura aos puros cubanos e lhe valem a denominação de origem protegida (DOP).

A DOP ampara os produtos agrícolas cuja qualidade ou características se devem fundamentalmente, ou exclusivamente, a fatores do meio geográfico onde se originam. Neste caso, é reservada para os puros maiores de três gramas, fabricados em Cuba, conforme as normas tradicionais e à base de variedades de tabaco negro cubano.

Por isso, o estudo Impacto da Mudança Climática Sobre o Cultivo do Tabaco na Zona de Pinar del Río, Cuba analisou terrenos especialmente produtivos da província: San Juan e Martínez e San Luis, entre outros.

Com base em cenários climáticos, os autores preveem que a elevação da temperatura não trará grandes males nas próximas décadas, mas depois, na medida em que o calor aumentar, cairá o rendimento dos cultivos. Mas no norte da região estudada o clima será mais estável e menos provável que supere os 25 graus centígrados.

O documento comprovou que “o impacto da mudança climática pode ser mitigado em condições de desenvolvimento sustentável” do cultivo da delicada folha. Além disso, recomenda “desenvolver pesquisas mais profundas” sobre os efeitos nas plantações da imprecisão do regime de chuvas.

De alguma maneira o olho de especialista de Francisco José Prieto, administrador da Valle e cujos 4,5 hectares pertencem à sua família desde seu bisavô, soube adiantar-se às inclemências do tempo. Semeou antes e já estava colhendo quando “as chuvas ficaram fortes”, disse à IPS. “Não tive que voltar a plantar”, acrescentou este também sócio e presidente da Cooperativa de Créditos e Serviços (CCS) Tomás Valdés, que reúne 50 plantações que se estendem pelas várzeas de Vuelta Abajo.

Estas CCS foram criadas nos anos 1960, mediante a associação voluntária de pequenos produtores, que conservam a propriedade da terra e obtêm coletivamente acesso a tecnologias, financiamento e comercialização de seus produtos. Prieto duvida que, apesar de seus esforços, esta campanha seja “tão boa” quanto a anterior, quando sua fazenda produziu 158 quintais (7.272 quilos), um feito histórico.

Prieto protege a terra com técnicas agrícolas de conservação. Fumiga somente uma vez o tabaco, e, depois da campanha, planta variedades melhoradas, como milho. “Mantém o terreno sombreado, retém os nutrientes que as chuvas arrastam e se incorpora como adubo verde”, explicou.

Os 44.863 habitantes de San Juan e Martínez, de grandes fazendas salpicadas de casas humildes com coberturas leves, dependem do êxito de cada colheita de tabaco. “Recebemos salário fixo, mais outras remunerações pelos resultados que conseguimos”, disse à IPS a líder sindical Celeste Muñoz.

Sem deixar de abrir sobre seu joelho tabaco seco da campanha anterior, Muñoz, empregada há 17 anos em um centro de armazenamento, seleção e processamento de tabaco, explicou que sua equipe de 50 mulheres tenta “recuperar toda a capa (folhas seca) possível”.

Ela não sabe bem se “é pelo clima, pelos fertilizantes ou a variedade” da planta, mas garantiu que o cultivo “não rende como antes. Já chegamos a obter mil quintais de folhas (46.039 quilos) em uma safra”, contou, nostálgica de épocas passadas. Envolverde/IPS