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China projeta longa sombra sobre a América Latina

Descarga de contêineres no porto de Pecém, no Estado do Ceará, Brasil. Foto: Mario Osava/IPS
Descarga de contêineres no porto de Pecém, no Estado do Ceará, Brasil. Foto: Mario Osava/IPS

 

Boston, Estados Unidos, 4/6/2014 – Nos últimos 15 anos a China passou de sócio econômico relativamente menor da América Latina à primeira posição na balança comercial de algumas das maiores economias da região. Em muitos casos a China desbancou os Estados Unidos do que Washington considerava seu quintal dos fundos. Em seu conjunto, as exportações latino-americanas para a China cresceram consideravelmente a partir de 2000, com expansão anual média de 23%.

Entretanto, esse quadro relativamente otimista esconde o fato de que nos últimos anos essa porcentagem caiu precipitadamente. Em 2012, o crescimento das exportações para a China caiu para 7,2%. Grande parte da contração pode ser atribuída à baixa dos preços das matérias-primas. Embora as exportações latino-americanas para a China crescessem em volume, a volatilidade dos preços permitiu o estancamento de seu valor, quando não sua queda.

A América Latina tem forte dependência da exportação de suas matérias-primas para a China e isso deixa a região vulnerável às flutuações de preços. Mais de 50% de suas vendas externas se limitam a três setores: cobre, ferro e soja. Essa falta de diversificação gera um conjunto de problemas, já que os preços do cobre e do ferro caíram uma porcentagem de dois dígitos nos últimos anos, enquanto os valores da soja começaram a estagnar. Além disso, esses três principais produtos de exportação se concentram em Argentina, Brasil e Chile, o que também revela a falta de diversificação regional nas vendas para a China.

Por outro lado, as exportações chinesas para a América Latina crescem tanto em volume quanto em valor, sobretudo devido à diversidade e à natureza relativamente especializada dos produtos exportados, em sua maioria procedentes do setor manufatureiro, com forte ênfase na eletrônica e nos veículos. Essas indústrias, em comparação com as matérias-primas, são muito menos propensas à volatilidade dos preços.

A consequência dessa tendência é o déficit comercial que se abriu entre América Latina e China desde 2011. Embora o volume das exportações latino-americanas venha em crescimento, a natureza fundamental de seus produtos afeta o crescimento e gera um problema na balança de pagamentos. Enquanto os preços dos produtos básicos seguirem em baixa, essa tendência se manterá ao longo de 2014.

Na medida em que a China continuar superando os Estados Unidos como principal sócio comercial da América Latina, a influência de Washington na região poderia minguar. É provável que a política externa da região seja regida no futuro próximo pela maior dependência da demanda chinesa pelos produtos básicos de exportação latino-americanos.

A China já empregou seu peso econômico para reduzir a influência política de Taiwan na América Latina. Os nacionalistas chineses veem o pequeno Estado insular como uma extensão rebelde do território chinês. Por isso os governos em Pequim procuram limitar todo apoio internacional à independência de Taiwan. Se a Organização das Nações Unidas (ONU) ou o Tribunal Penal Internacional alguma vez tratar do assunto, os chineses já têm assegurado o apoio de quase todos os países latino-americanos.

Alguns dos países de tradição de esquerda na região se voltam para a China por razões políticas, já que a veem como uma alternativa para a hegemonia dos Estados Unidos, mas, talvez, mais significativamente seja que o façam por razões econômicas. Nações produtoras de petróleo – como Venezuela, Brasil e Equador – são enormemente dependentes da economia chinesa, e Pequim exerce grande influência sobre eles por esse motivo. Assim, tendem a seguir a liderança chinesa no cenário diplomático internacional.

Um estudo recente concluiu que quanto maior for o comércio de um país com a China, mais propenso estará a votar a favor de Pequim na ONU. Isso limitará a capacidade internacional para indagar sobre a situação dos direitos humanos nesse país, e poderia significar uma grande ajuda para aqueles países em conflito que recebem o apoio de Pequim, mas não o de Washington.

Em última instância, na medida em que a China continuar a expansão de sua influência política e econômica na América Latina, é possível que Washington se sinta cada vez mais distante no que outrora qualificava de “o quintal dos fundos dos Estados Unidos”. Envolverde/IPS

* Jill Richardson é pesquisadora em comunicações da Iniciativa de Governança Econômica Mundial, da Universidade de Boston, e colaboradora do Foreign Policy In Focus. Atualmente realiza mestrado em Relações Internacionais e Comunicação. Este artigo foi publicado pela primeira vez no Foreign Policy in Focus.