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Brasil testa método natural para erradicar a dengue

Pacientes com dengue no Hospital Nacional do Camboja. Foto: Erika Pineros/IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 26/9/2012 – Cientistas anunciaram o começo dos testes no Brasil de um método “inócuo” e “autossustentável” que, por intermédio de uma bactéria muito comum na natureza, permitiria bloquear a transmissão do vírus da dengue por parte do mosquito Aedes aegypti. “Estamos diante da possibilidade de uma abordagem do controle com um objetivo desafiador: reduzir e até eliminar a dengue”, disse à imprensa, no dia 24, o presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Gadelha, durante o XVIII Congresso Mundial de Medicina Tropical e Malária, que começou no dia 23 e termina no dia 27, no Rio de Janeiro.

Gadelha fez o anúncio junto com cientista Scott O’Neill, líder do programa Eliminar a Dengue: Nosso Desafio, encabeçado pela Universidade de Monash, da Austrália, e que também conta com financiamento da Fiocruz (governamental) e da Foundation for the National Institutes of Health, dos Estados Unidos. A estratégia já foi aprovada na Austrália, no Vietnã e na Indonésia, e agora acontecerá no Brasil, depois da habilitação das agências sanitárias e ambientais.

“É um método fundamental, pois pode ser uma das armas mais promissoras para o combate à dengue de forma atual e sustentável, e não tem risco nem para a população humana e nem para a natureza”, assegurou Gadelha à IPS. A técnica se baseia na bactéria intracelular Wolbachia pipientis, presente em mais de 70% das espécies de insetos do mundo, como mosca da fruta, borboletas, libélulas e mosquitos Culex pipiens, e o comum pernilongo, entre outros. Apesar desta gama de “hóspedes”, a Wolbachia não é infecciosa nem capaz de afetar vertebrados, incluindo os seres humanos.

O’Neill e o cientista Luciano Moreira, da Fiocruz, explicaram que, após anos de pesquisa, ficou demonstrado em laboratório que, quando introduzida no Aedes Aegypti, a bactéria Wolbachia atua como uma vacina para o inseto, inibindo a multiplicação do vírus. Como consequência, impede-se a transmissão da doença. “Após milhares de tentativas por vários anos, na Austrália se conseguiu injetar a bactéria nos ovos do Aedes aegypti por meio de microinjeções. Depois a bactéria foi encontrada em tecidos desse mosquito”, explicou Moreira.

O método se baseia na liberação programada de espécimes Aedes aegypti com Wolbachia, que, ao se reproduzir na natureza com mosquitos locais, passam a bactéria de mãe para filho por meio dos ovos. Com o tempo, a expectativa é que a maior parte da população local de mosquitos tenha Wolbachia e, assim, seja incapaz de transmitir a dengue, explicaram os pesquisadores em um comunicado da Fiocruz.

O programa Eliminar a Dengue: Nosso Desafio libera mosquitos com Wolbachia desde 2011 em lugares do norte da Austrália, onde são comuns os casos dessa doença, embora em quantidade muito menor do que os casos registrados no Brasil e em outros países nos quais é endêmica. “Como conseguem transmitir a Wolbachia de geração para geração pelos ovos e possuem vantagens reprodutivas, com maiores possibilidade de deixar prole, em poucas semanas os mosquitos com a bactéria se tornaram predominantes nas populações locais de Aedes aegypti”, acrescenta o comunicado.

O método é considerado “autossustentável” e, por isso, de baixo custo, porque, uma vez iniciada a liberação dos mosquitos com bactéria, “não será necessário reproduzir o processo”, disse Moreira. “A resposta que temos hoje na Austrália é que praticamente 100% dos mosquitos Aedes aegypti já se reproduzem com esta bactéria, o que nos indica que há uma possibilidade bem promissora de não ter mais transmissão de dengue”, ressaltou Gadelha à IPS.

A expectativa é que o Brasil comece a trabalhar em campo no máximo em maio de 2014. Antes, a Fiocruz criará mosquitos, “ainda de maneira contida”, para comprovar se ocorre o mesmo que na Austrália, isto é, que incorporem a Wolbachia. Para desenvolver o método é importante que, nos lugares onde os mosquitos forem soltos, os moradores participem, os quais terão que assinar um documento concordando com a experiência, informou Moreira. Questionado pelos jornalistas, o cientista esclareceu que também serão consultados os países vizinhos do Brasil, em caso de se estender a experiência para áreas de fronteira. Os testes começarão inicialmente no Rio de Janeiro.

A IPS perguntou a Gadelha como têm a certeza de que os mosquitos inoculados com a bactéria não causarão danos à população, quando se trata de países com clima e biomas tão diferentes como Brasil e Austrália. “A primeira constância é que a bactéria Wolbachia está naturalmente em 70% dos insetos. Essa experiência de centenas de anos demonstra que sua circulação não tem nenhum efeito daninho, nem para a natureza nem para os vertebrados, o que inclui os humanos”, acrescentou.

O presidente da Fiocruz explicou também que isso ocorre porque a “Wolbachia só vive dentro das células que estão nos mosquitos. Uma vez que este morre, ela também desaparece”, assegurou. Além disso, “o tamanho dessa bactéria é suficientemente grande a ponto de impedir que chegue à saliva do mosquito, que é por onde inocula os animais e os seres humanos”, ressaltou. “A grande vantagem demonstrada pelos estudos é que a presença da bactéria no Aedes aegypti faz com que encurte sua vida em quase 50% e, ao mesmo tempo, impede que o vírus da dengue sobreviva e seja transmitido”, pontuou.

O secretário de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, destacou que o método anunciado será de “grande importância” diante de um “problema como a dengue”, uma febre tropical que em sua variante hemorrágica pode ser mortal. Há quatro subtipos deste vírus e a doença se desenvolve principalmente em áreas tropicais e subtropicais. As epidemias ocorrem geralmente no verão, durante ou imediatamente após os períodos de chuva.

A Organização Mundial da Saúde indica que 2,5 bilhões de pessoas vivem atualmente em áreas de risco de transmissão da dengue, a doença viral mais relevante transmitida por mosquitos nas cidades. Nos últimos 50 anos, sua incidência aumentou 30 vezes. Por ano, são registrados entre 50 milhões e cem milhões de casos em mais de cem países. Cerca de 500 mil doentes necessitam de hospitalização e 2,5% deles morrem por esta causa. Em particular na América Latina e no Caribe foram informados 554.499 casos ao terminar o primeiro semestre deste ano, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde.

O aumento de casos foi facilitado pela própria humanidade com a propagação de criadouros de mosquito, como lixo e recipientes artificiais de água, onde o inseto prolifera, observou Barbosa. Também ressaltou que este método será apenas um dos instrumentos utilizados para combater a dengue, pois o Ministério não deixará de investir em outras pesquisas, além de continuar com as campanhas de prevenção e de atenção especial em emergências.

As medidas adotadas até agora permitiram no Brasil reduzir a incidência da doença em 2012, embora os registros tenham variado nos últimos anos. Foram informados 632.680 casos em 2008, 406.269 em 2009, 1.011.548 em 2010 e 764.032 em 2011. Envolverde/IPS