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Brasil prepara sua indústria para se manter emergente

Rio de Janeiro, Brasil, 2/10/2012 – A recuperação da indústria do Brasil, diante dos efeitos da crise financeira global que acentuaram a perda de competitividade diante de manufaturas externas, é uma tarefa prioritária para o governo em seu desejo de manter a economia em crescimento. A queda de 3,8% da produção industrial no primeiro semestre deste ano, confirmando uma tendência à baixa iniciada em outubro de 2010, impôs urgência ao programa de redução do chamado “custo Brasil”.

O governo de Dilma Rousseff já havia adotado sucessivas medidas para reativar a economia, ou ao menos conter sua desaceleração, entre as quais estão redução de impostos, maior facilidade de acesso ao crédito, restrições às importações e estímulos ao consumo interno. As últimas iniciativas da presidente se dirigem a incentivar a produção, especialmente no setor industrial, desta vez o mais afetado pela crise que tem seu epicentro na Europa. Nesse contexto está a redução, a partir de fevereiro, de 28% das tarifas de energia elétrica para a produção de alumínio e cimento.

Há duas semanas o governo anunciou que outros setores da indústria também desfrutarão reduções na tarifa elétrica entre 20% e 24,7%, enquanto a energia residencial e do comércio pagarão 16,2% menos, produto de diferentes reduções tributárias e da renovação de concessões de serviços com custos menores. A eletricidade brasileira é uma das mais caras do mundo, apesar de sua geração ser basicamente hidráulica, a mais barata. Boa parte dessa contradição se deve ao fato de suportar uma carga de 25 impostos e outros gastos que levam a representar até 45% da conta final do consumidor, segundo o Instituto Acende Brasil, um observatório especializado.

Entretanto, nem todos concordam com os planos do governo. “As medidas adotadas são bem-vindas”, mas elas são pontuais, de reação aos impactos da crise internacional, e “faltam políticas de longo prazo para aprofundar o processo de industrialização”, disse à IPS o economista Rogério Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, criado por empresários. O Brasil precisa de “uma política industrial moderna, que seja de Estado”, com um planejamento que vá além do período de quatro ou oito anos de um mesmo governo, como ocorre na China, que começou copiando produtos e hoje “fábrica submarinos, aviões e eletrodomésticos”, explicou Souza.

Trata-se de identificar em quais áreas atuar porque são importantes para a indústria e a economia, os “setores locomotivas”, bem como definir também quais ramos são deficitários para “desenvolver competências”, acrescentou o economista. Isto compreende implantar políticas para “favorecer alguns setores, mas exigindo contrapartidas, metas, prazos e resultados”. As empresas precisam investir, ganhar produtividade e desenvolver tecnologias, ressaltou.

“Não consigo imaginar o Brasil sem uma grande indústria”, disse Souza, argumentando que um país com 192 milhões de habitantes como este “não pode viver apenas de serviços” e produtos primários. A Austrália é rica sendo agrícola e mineradora, mas tem apenas 22 milhões de habitantes, e não necessita de tantos empregos. O exemplo está nos Estados Unidos, “forte em tudo”, ressaltou. Entretanto, o Brasil vive um processo de desindustrialização precoce, afirmam vários economistas, entre eles André Nassif, Carmem Feijó e Eliane Araújo, autores de um estudo que utiliza dados de 2011.

As principais razões do retrocesso da indústria, cuja incidência no produto interno bruto brasileiro caiu de 31,3%, em 1980, para 14,6%, em 2011, são o grande déficit comercial em setores de tecnologia e a baixa produtividade do trabalho, segundo Nassif e Feijó, da Universidade Federal Fluminense, e Araújo da Universidade Estadual de Maringá. A balança comercial do país apresenta grande superávit há dez anos, mas esse bom desempenho se dá graças às exportações agrícolas e de minérios, que compensam com juros o déficit industrial.

Tanto que, nos casos de produtos eletrônicos e em química, as importações já superam as exportações em dezenas de milhares de milhões de dólares por ano. Porém, Mansueto Almeida, do governamental Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), amenizou os números negativos deste processo em um artigo publicado há duas semanas. A perda do peso industrial no PIB acompanha uma tendência mundial desde a década de 1970, com índices muito próximos.

No entanto, “preocupa” o retrocesso registrado no ano passado, quando a indústria representou 14,6% do PIB, contra 16,2% em 2010, uma queda brusca tendo em conta o ritmo suave de anos anteriores, observou Almeida. Por outro lado, a exportação de manufaturas não perdeu dinamismo nos últimos anos, já que cresceu de US$ 32,5 bilhões, em 2000, para US$ 92,3 bilhões em 2011, o que joga por terra a suposta perda de competitividade, acrescentou.

Ainda assim a balança comercial do setor industrial registra desde 2005 déficit, que aumentou aceleradamente nos últimos três anos. A recessão reduziu o consumo nos países ricos, gerando muitos excedentes a baixos preços, enquanto o real, supervalorizado em relação ao dólar, favoreceu as importações, explicou o economista. Outro ponto que contradiz a desindustrialização é o crescimento do emprego formal na indústria manufatureira, inclusive em períodos de redução do produto. De todo modo, Almeida teme pelo futuro do setor, porque produzir no Brasil ficou muito caro.

Competitividade é o conceito adotado por Dilma Rousseff para justificar as medidas que favorecem alguns setores. Fomentá-la permite um certo consenso entre as correntes de pensamento econômico que divergem sobre desindustrialização e política industrial. Contudo, são muitos os fatores a serem considerados. Além do custo energético, a moeda supervalorizada, uma alta carga tributária que se aproxima dos níveis europeus, a precária infraestrutura de transporte e os salários em alta afetam principalmente a indústria, porque seus custos se acumulam na longa cadeia produtiva.

Tudo indica que o governo decidiu, pelo menos, preservar a competitividade da indústria, que está perdendo mercado inclusive para o restante da América Latina, a região que mais importa manufaturas brasileiras. A integração física da América do Sul interessa ao Brasil, entre outras razões, porque é onde sua indústria é mais competitiva, o que contribui para sua liderança regional. Além do mais, uma indústria decadente tiraria do Brasil muito do protagonismo internacional que conquistou nos últimos anos, especialmente pelas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011). Envolverde/IPS