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Anemia no leste cubano expõe desigualdades

A técnica em informática Gladys Pavón, de 32 anos, com seu filho Irving, em Bayamo, na província de Granma, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
A técnica em informática Gladys Pavón, de 32 anos, com seu filho Irving, em Bayamo, na província de Granma, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Bayamo, Cuba, 8/1/2015 – Cuba cumpriu a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) de redução da fome, mas persiste a anemia causada pela má nutrição em bebês, meninos e meninas menores e mulheres grávidas deste país, que tenta superar uma crise econômica de mais de 20 anos. “As carnes são as mais difíceis de conseguir, assim como frutas e vegetais que compramos para as crianças. O leite só com a ‘libreta’ (caderneta de racionamento)”, conta à IPS Gladys Pavón, mãe de dois menores na cidade de Bayamo, 730 quilômetros a leste de Havana.

Pavón, técnica em informática, de 32 anos, começa a dar os primeiros alimentos a Irving, de nove meses. “Ele já come frutas, tubérculos e todas as carnes. Procuro lhe dar uma dieta balanceada como a Javier Alejandro, de dois anos”, contou. “Meus filhos nunca tiveram anemia”, ressaltou, enquanto carrega orgulhosa o roliço Irving, livre de um mal que ainda afeta esses grupos vulneráveis na região oriental, apesar das ações do Plano Nacional para a Preservação e o Controle da Anemia e de apoios sustentados da cooperação internacional para erradicá-lo.

“A anemia por causa alimentar está entre os principais problemas nutricionais na província de Granma (cuja capital é Bayamo), assim como no restante do leste cubano”, afirmou à IPS a doutora Margarita Cruz, à frente do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutrição na localidade. “A causa fundamental é a deficiência de ferro na dieta. As crianças e as grávidas não consomem as quantidades que o organismo necessita”, acrescentou.

Segundo a médica, “há problemas com a disponibilidade e o acesso a uma alimentação adequada, mas também com os maus hábitos nutricionais, inclusive o gosto pela comida ‘chatarra’ (porcaria) que começa a ter um impacto negativo”. Cada vez se fala com mais força sobre a má nutrição, refletida tanto na falta de nutrientes quanto na obesidade.

Hoje no mundo, dois bilhões de pessoas vivem com deficiências de micronutrientes, o que atenta contra uma vida saudável e produtiva, segundo o primeiro Informe da Nutrição Mundial, publicado em novembro do ano passado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). E a subnutrição mata a cada ano quase 1,5 milhão de mulheres e crianças. Em Cuba, este índice está abaixo de 5% da população de 11,2 milhões de pessoas.

Neste país, cada habitante recebe uma cota básica de alimentos subsidiados por meio da “libreta”, muito criticada, mas imprescindível para os setores de baixa renda. E as grávidas, os bebês e as crianças até os 13 anos recebem uma dieta especial com acréscimo de carne, leite fortificado, compota e iogurte.

Para colocar comida na mesa durante todo o mês, as famílias são obrigadas a pagar os altos preços dos alimentos nos mercados agropecuários, lojas estatais em pesos conversíveis (equivalentes ao dólar) e no mercado negro, que resiste às ações policiais e às condenações de até três anos de prisão por contrabando.

Dados do estatal Centro de Estudos da Economia de Cuba mostram que a alimentação concentra entre 59% e 75% dos gastos familiares, em um país onde o principal empregador é o Estado, que paga salário médio equivalente a US$ 19 por mês.

Composto pelas províncias de Las Tunas, Granma, Holguín, Santiago de Cuba e Guantânamo, o leste cubano apresenta as taxas mais baixas de desenvolvimento dessa nação caribenha. Segundo o Censo de População e Moradia 2012, em cada província oriental o número de pessoas que partem é maior do que o das que chegam.

Embora continue sendo um problema de saúde, a anemia diminuiu nos últimos anos. Um estudo realizado no leste cubano, entre 2005 e 2011, concluiu que a prevalência da doença caiu de 31,8% para 26% em menores de cinco anos. Os indicadores mais altos foram detectados no grupo de seis a 23 meses de idade, afirma o artigo publicado em 2014 na revista cubana Medicc Review.

Com 830.600 habitantes, Granma está hoje abaixo de 25% de prevalência da anemia em menores de cinco anos e 20% em grávidas, segundo Cruz, que também integra a equipe de autores do texto publicado na Medicc Review. “Houve trabalho, por isso há resultados. As pessoas vão melhorando no consumo de vegetais e em como combinar certos alimentos para aproveitar todos os nutrientes”, afirmou.

Só o Programa Mundial de Alimentos (PMA) financiou, de 2002 a 2014, nas cinco províncias do leste, dois projetos milionários, diferentes mas consecutivos, de apoio ao Plano Nacional para a Prevenção e o Controle da Anemia, do Ministério da Saúde. Essas iniciativas, em conjunto com instituições cubanas, incluíram estratégias de comunicação e educação sobre o tema para as famílias, criaram sistemas de vigilância da anemia no setor de saúde, entregaram gratuitamente cereais fortificados com micronutrientes e ajudaram na produção local desses cereais.

O novo programa do país que o PMA inicia este mês, e que irá até 2018, prioriza o monitoramento nutricional e a ajuda ao agronegócio cubano, combinado com a ênfase do governo de Raúl Castro na agricultura e o empoderamento das localidades para reduzir as importações de alimentos anuais no valor de US$ 2 bilhões.

Com arroz cultivado em Cuba, a estatal Empresa de Produtos Lácteos de Bayamo começa este mês a obter Nutriarroz, um cereal fortificado à base do grão mais consumido pela população. “O produto teve boa aceitação nos testes realizados”, contou Rauel Medina, diretor desta fábrica. A maior empresa de seu tipo no país deverá entregar 1.200 toneladas anuais para distribuição gratuita entre crianças menores e grávidas nos municípios do leste que ainda têm alta prevalência de anemia, como parte da cooperação entre o PMA e Cuba.

“É necessário detectar esse problema nas mulheres em idade fértil”, disse a médica Mariela Velis, chefe do Programa de Atenção Materno-Infantil em Granma. “Uma mãe anêmica pode ter um filho com o mesmo problema, criando um ciclo”, afirmou. Por isso, acrescentou, se monitora desde a adolescência a hemoglobina (proteína no sangue que em baixa concentração indica anemia) na localidade. Envolverde/IPS