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Africanos jovens desafiam a tradição de ter muitos filhos

Charles Kayongo e sua família. Foto: Dennis Kasirye/IPS

Kampala, Uganda, 21/11/2012 – O ugandense Charles Kayongo, é pai de duas meninas pequenas. Embora as tradições de seu grupo étnico, os baganda, o obriguem a ter um grande número de filhos, ele se nega. Como vários outros pais jovens com escassos recursos neste país da África oriental, que sonham com um modelo de vida mais moderno, Kayongo afirma que ele e sua mulher, Eunice, querem uma família pequena.

“É suficiente. Não quero mais filhos. Discuti isto com minha mulher, e usamos pílulas e camisinha nos dois últimos anos. Os custos dos alimentos, da escola e dos remédios já são muito altos para mim”, disse à IPS este homem de 33 anos em sua casa em Mukono, nos arredores de Kampala.

Kayongo, dono de um bar, disse que gasta US$ 10 por dia com sua família, e ganha um total de US$ 440 por mês. “Estou interessado no planejamento familiar porque nos ajuda a ter uma vida melhor. Vou com minha mulher à clínica. Tenho que pensar nas finanças da minha família”, ressaltou.

Uganda, com 34 milhões de habitantes, é um dos países com maior crescimento populacional do mundo, com taxa anual de 3,2%. “Anualmente se somam um milhão de pessoas, mas os recursos não crescem no mesmo ritmo”, explicou à IPS o chefe de programas da Secretaria de População do Ministério de Finanças, Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Anthony Bugembe.

Kayongo integra uma nova geração de jovens maridos ugandenses que começam a desafiar as antigas tradições africanas sobre paternidade, e preferem ter famílias menos numerosas e, portanto, mais fáceis de manter. Lynda Birungi, da organização não governamental Saúde Reprodutiva em Uganda, disse que cada vez mais pais jovens aceitam o controle da natalidade, sobretudo por motivos financeiros. Entretanto, estes homens ainda são minoria.

“De cada cinco mulheres que vêm à nossa clínica, apenas uma chega acompanhada de um homem. Contudo, há mais de 20 anos não vinha nenhum. Agora, a geração de pais jovens quer um nível de vida melhor e sente que isto só se pode conseguir tendo famílias menores”, pontuou Birungi.

Por outro lado, no Malawi, o que começou como um teatro itinerante, formado por dez oficiais de polícia há 11 anos, se transformou em um movimento hoje integrado por mais de mil homens que conscientizam contra a violência de gênero, a gravidez não desejada e a mortalidade materna. A Conferência dos Homens Itinerantes (MTC), também integrada por algumas mulheres, é financiada pelo governo da Noruega e pelo Fundo de População das Nações Unidas.

Em 2003, a MTC celebrou de maneira original a campanha anual internacional “16 dias de ativismo contra a violência de gênero”. Homens da Etiópia, Zâmbia e do Quênia se dirigiram para a capital do país, Lilongwe, após longas viagens de ônibus. Pelo caminho, paravam em cada comunidade por onde passavam e deixavam uma mensagem contra a violência de gênero. Desde então, a cada mês de dezembro, membros da MTC viajam de ônibus por várias comunidades de Malawi para criar consciência entre os homens.

Wisdom Samu é integrante da MTC. Em setembro de 2001 perdeu sua mulher pouco depois de ela dar à luz ao seu sétimo filho. “Graças à MTC entendi que a culpa era minha. Nunca permiti que ela usasse métodos de planejamento familiar, porque eu queria mais filhos”, contou à IPS. Desde então, Samu conversa com outros homens de sua comunidade em Namitete, a 50 quilômetros de Liongwe, para que adotem métodos de controle de natalidade.

“Digo a eles para ouvirem suas mulheres e planejarem juntos, e que permitam a elas usar métodos modernos de planejamento familiar”, enfatizou. Há histórias semelhantes a esta em todo Malawi, país onde a cada dia morrem 13 mulheres vítimas de complicações na gravidez. “Foram essas assustadoras estatísticas que nos fizeram pensar. Concordamos em reunir e mobilizar homens de todos os níveis e setores para difundir estes temas por meio de obras de teatro, músicas e debates”, explicou à IPS a presidente da organização não governamental malawiana Rede de Coordenação sobre Gênero, Emma Kaliya.

Enquanto isso, em Mali, no oeste do continente, acontecem lentos mas firmes avanços. A taxa de mortalidade materna neste país caiu de 582 para 464 mortes para cada cem mil nascidos vivos entre 2001 e 2006, segundo um informe de 2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Isto foi alcançado em parte graças às intensas campanhas para envolver os homens no planejamento familiar.

“Há dez anos, minha clínica em Bamako recebia apenas mulheres, mas hoje elas chegam acompanhadas dos maridos, e isso para mim é um sinal de que o que estamos fazendo funciona”, disse Mountaga Toure, diretor executivo da Associação Malawiana para a Proteção e Promoção da Família (AMPFF). A entidade é filiada à Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF). “Às vezes vejo homens que vêm por sua própria conta retirar anticoncepcionais para suas companheiras, e explicam que elas estão muito ocupadas”, contou Toure por telefone à IPS.

Isto reflete uma enorme mudança em um país como Mali, de fortes tradições islâmicas. Segundo Toure, a AMPFF, em sociedade com a IPPF, motiva os homens a falar sobre temas que sempre foram considerados tabus. “Para fazê-los entender, falamos sobre economia, se um homem pode manter dez filhos. Isto os ajuda a compreender a razão pela qual é necessário planejar com suas mulheres quantos filhos são capazes de manter com seus bolsos”, ressaltou. Envolverde/IPS

* Com colaboração de Mabvuto Banda (Malawi).