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África do Sul tapa os buracos deixados pelo apartheid

AfricadosulCidade do Cabo, África do Sul, 13/2/2014 – A pressa do governo sul-africano para fornecer água a milhões de pessoas, após a queda do regime do apartheid, possivelmente tenha comprometido a capacidade do país de prestar este serviço no longo prazo. A África do Sul é o trigésimo país mais seco do mundo, mas também é um dos consumidores de água de crescimento mais rápido.

Segundo exame do orçamento do Tesouro Nacional de 2012, a demanda deste escasso recurso está aumentando com tal rapidez que se prevê que estará superando a oferta em 2030. O país está em uma corrida contra o tempo para tapar os buracos de suas redes de abastecimento de água, cujos vazamentos provocam escassez, a ponto de colocar em risco a segurança hídrica nacional.

Jay Bhagwan, diretor-executivo de utilização da água e manejo de resíduos da Comissão de Investigação sobre Água (WRC), afirmou que o desperdício é uma consequência natural do fato de as autoridades terem sido obrigadas a ampliar o fornecimento a uma grande maioria dos 51 milhões de habitantes do país após o regresso da democracia.

“Depois de 1994 tivemos que fornecer água para metade da população. Evidentemente, isso gerou uma grande pressão nos recursos e instalações”, explicou Bhagwan à IPS, acrescentando que “a manutenção não era prioridade, e agora começamos a sofrer as consequências”. Estudo feito pelo WRC em 2013 mostra que a África do Sul perde uma média de 1,58 bilhões de metros cúbicos de água por ano. O desperdício, atribuído principalmente a tubulações com vazamentos e ao roubo de água, representa mais de um terço da água municipal.

Kobus van Zyl, professor adjunto de engenharia hidráulica na Universidade da Cidade do Cabo e especialista em sistema de distribuição de água, concorda que abastecer quem mais carecia de água durante o apartheid foi um fator que contribuiu para a atual escassez. Mas a causa principal é o êxodo em massa de engenheiros e administradores de projetos nos últimos 20 anos, opinou.

“Perdemos gente capacitada, tanto nas municipalidades como no Departamento de Assuntos Hídricos”, disse Van Zyl à IPS. “Assim, há uma grande falta de engenheiros e gerentes de projetos e é impossível administrar adequadamente um sistema de distribuição se não se tem suficiente pessoal com a necessária capacitação para fazê-lo”, ressaltou.

Das mais de 230 municipalidades da África do Sul, apenas 45 têm engenheiros civis e 79 carecem tanto de engenheiros como de técnicos, segundo um informe de Allyson Lawless, a ex-presidente do Instituto Sul-Africano de Engenharia Civil. Para ilustrar a gravidade da situação, este informe diz que há mais engenheiros civis trabalhando na infraestrutura do zoológico de Auckland, na Nova Zelândia, do que em 86% das municipalidades da África do Sul.

Além do custo anual de US$ 642 milhões que representa para a economia sul-africana, esse desperdício generalizado coloca em risco o desenvolvimento socioeconômico do país. “A água não só faz parte da economia, mas a mantém viva”, afirmou Christine Colvin, a gerente do programa de água doce do Fundo Mundial para a Natureza na África do Sul. “Manter e fazer crescer a economia sem água é como esperar que alguém continue vivendo sem sangue no corpo”, afirmou Colvin à IPS.

Rejoice Mabudafhasi, vice-ministra do Departamento de Água e Meio Ambiente (Dwea) concorda com desta análise. “Sem água não podemos conseguir as prioridades do governo, como o desenvolvimento da infraestrutura e da segurança alimentar”, destacou à IPS. A escassez afetará os planos de fornecer água a centenas de comunidades empobrecidas em toda a África do Sul, que ainda não têm água potável encanada.

Van Zyl disse que as áreas mais pobres do país provavelmente sejam as mais afetadas pela escassez. “As partes mais secas da África do Sul serão as primeiras a sofrer. Trata-se de regiões comunitárias, onde antigamente se encontravam os bantustões (áreas destinadas à etnia bantu, durante a época de segregação racial), que ainda estão submersos na extrema pobreza”, acrescentou, lembrando que os “sinais de alerta agora são muito claros, a demanda vai superar a oferta a menos que sejam tomadas medidas”.

Ao que parece, o presidente Jacob Zuma percebeu esses sinais, ao solicitar à ministra do Dwea, Edna Molewa, que reduza a perda de água pela metade este ano. O departamento redobrou os esforços do programa Guerra aos Vazamentos, cujo objetivo é que comunidades e municípios trabalhem juntos para denunciar e reparar vazamentos.

Sobre a questão deste programa do Dwea poder garantir que a África do Sul tenha água suficiente no futuro, Van Zyl afirmou que as iniciativas são um sinal positivo, mas é preciso tomar medidas adicionais para reverter a crise. “Com o que se faz atualmente, no melhor dos casos, conseguiremos tapar alguns buracos. Devemos nos esforçar mais porque o tempo está acabando”, enfatizou. Envolverde/IPS