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“Não somos ditadores”

Washington, Estados Unidos, 28/7/2011 – O governo militar de transição do Egito se comprometeu publicamente a deixar os destinos do país nas mãos das autoridades que surgirem das eleições parlamentares do final deste ano. Desse modo, rechaçou o papel de tutor da futura vida política nacional, como temem diferentes setores. O general Mohammad al-Assar, influente integrante do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), disse que não será a própria instituição armada que decidirá o papel do exército, com afirmam os críticos, mas a Constituição do Egito, que será redigida após a formação de um novo parlamento.

“Nada temos a ver com o conteúdo da Constituição”, afirmou al-Assar, assistente do ministro da Defesa, que participou de um encontro organizado pelo Instituto de Paz dos Estados Unidos, em Washington. “A nova carta magna definirá o papel das Forças Armadas”, insistiu. A missão do exército, dentro da Constituição, será definida por um referendo após as eleições parlamentares, que se espera que sejam as primeiras livres e justas nesse país em décadas, acrescentou. “Ela dará ao exército alguma responsabilidade, o que será bem-vindo, ou não o fará, o que também será bem-vindo”, acrescentou. As forças armadas, de fato, estão “desejosas de acelerar” o período de transição e deixar de governar do país, disse al-Assar.

O general visitou Washington num momento de crescentes preocupações pela rejeição do CSFA em aceitar observadores internacionais nas eleições e que organizações não governamentais egípcias recebam ajuda estrangeira. “Preocupam-nos os fundos estrangeiros, sejam europeus, norte-americanos ou de outros países árabes. O povo egípcio é nacionalista e se opõe à interferência estrangeira em nossa vida política”, explicou al-Assar.

Essa atitude motivou especulações de que o exército pode estar tentando excluir algumas figuras influentes e garantir para si um papel decisivo na vida política do país, algo que al-Assar negou, acrescentando que a posição da instituição obedece ao seu exclusivo desejo de proteger a “soberania nacional”. Aumenta no Egito a preocupação de que o exército não cumpra sua promessa de apoiar as reformas democráticas.

Faz duas semanas que o governo de transição enfrenta protestos, na já histórica Praça Tahrir e em outras partes do país, pela reticência do exército em processar líderes do regime anterior e policiais responsáveis pela morte de aproximadamente 800 ativistas nos 18 dias de revolta popular entre janeiro e fevereiro. O CSFA também provocou dúvidas quando anunciou que formaria uma comissão para fixar um conjunto de princípios que “guiem a redação da Constituição”. A maioria dos partidos políticos e organizações deste país, de 85 milhões de habitantes, interpretaram essa decisão como sinal de querer proteger as forças armadas e seu orçamento de futuras revisões parlamentares e públicas.

Outro assunto que deixou dúvidas sobre as intenções do exército é uma norma estabelecida pelo CSFA, dentro de suas competências presidenciais, em relação à organização das eleições legislativas. A medida foi amplamente criticada porque pode levar membros do Partido Nacional Democrático, do deposto presidente Hosni Mubarak, e procedentes de famílias poderosas do meio rural, a manter seus mandatos legislativos.

Organizações políticas, como a Irmandade Muçulmana e o Partido Al Wafd, de tendência liberal, e o ativista Ayman Nour, também rechaçaram a lei que permitirá ao próximo presidente designar dez membros do parlamento, uma disposição que Mubarak utilizou para fortalecer seu peso político no Poder Legislativo.

Al-Assar disse, no dia 25, que após a revolta, de 25 de janeiro a 11 de fevereiro, que levou à renúncia de Mubarak, com apoio do Ocidente, o exército se comprometeu a fazer do Egito um “país de direito” e que as forças armadas respeitarão isso. “Houve uma grande mudança no Egito e nunca, nunca, se voltará ao passado”, assegurou. “Não somos ditadores. As forças armadas pertencem ao povo egípcio. Estaremos dispostos a desempenhar o papel que nos for dado”, acrescentou.

As declarações de al-Assad, medidas, mas otimistas, podem refletir uma divisão dentro do CSFA. Ele estaria à frente dos que se inclinam por mudanças verdadeiras e profundas. Os demais estariam liderados pelo presidente do Conselho Supremo, o ministro da Defesa, marechal de campo Mohammad Hussein Tantawi, bem como pelo general Hassan al-Rewiny, à frente do Comando do Distrito Central, que inclui a capital, Cairo.

Ambos parecem preferir mudanças mais tênues e manter os privilégios militares alcançados no regime de Mubarak. Al-Rewiny acusou, há pouco tempo, os manifestantes que pediam mudanças mais rápidas de serem agentes estrangeiros e de trabalharem contra os interesses nacionais. Em especial, o general mencionou o grupo 6 de Abril, cujos integrantes costumam recorrer a táticas anarquistas, e disse que estes recebiam ajuda financeira e treinamento no exterior.

Tantawi, que é contra a corrupção de empresários e empresas vinculadas ao regime anterior e criticou o programa de privatização rápida ainda na época de Mubarak, costuma ser considerado um homem contrário a mudanças drásticas. Enquanto isso, a população vai perdendo a paciência. Muita gente se queixa de que não viu os benefícios da revolução e que as reformas democráticas do exército são muito lentas para uma reviravolta da magnitude da que houve no Egito. Envolverde/IPS