Um plano de ação para uma Europa política... Se existir.

Roberto Savio.

Roma, Itália, agosto/2011 – Temos necessidade de um modelo sob o qual colocar organicamente os vários problemas que enfrentamos de modo separado. São problemas globais vividos diversamente nas várias regiões do mundo. Enfoquemos o caso da Europa, onde a crise é mais evidente e afeta dezenas de milhões de pessoas, sobretudo os jovens.

O modelo: não há paz sem segurança (especialmente nestes tempos). Mas a segurança não é a militar, que consome US$ 1,6 trilhão anuais. A segurança é a humana, para a qual o total dos orçamentos para o desenvolvimento é de US$ 50 bilhões. Bastaria que 10% dos gastos militares fossem destinados às necessidades humanas para dispor de outros US$ 160 bilhões, muito mais do que pede as Nações Unidas para um acordo sobre o controle climático. Um mundo onde 51 milhões de pessoas têm a mesma riqueza que outros 1,2 bilhão de cidadãos é insustentável.

Creio que é bom identificar os problemas existentes. Os temas prioritários a resolver são seis.

1) O mundo vive uma profunda crise de governabilidade. A decadência econômica e social dos países do Norte (enquanto no Sul se define uma dezena de novos atores em escala global) está criando uma fuga para adiante, com partidos e movimentos que sonham com um retorno a uma época já desaparecida. O Tea Party, que tem em suas mãos o Partido Republicano dos Estados Unidos, e os partidos da direita xenófoba surgidos em países considerados modelo, como Holanda, Noruega, Suécia, Finlândia e outros, são o resultado desta fuga para adiante… Acrescente-se que passamos do fim das ideologias para a afirmação do pragmatismo como fórmula madura da política. Porém, sem um quadro de referência e análise, do pragmatismo passamos ao utilitarismo, ou seja, a administrar apenas aquilo que é útil. Então, a questão da crise da política se coloca como prioritária. É preciso dar maior participação aos cidadãos, além do sistema eleitoral. É preciso pedir uma democracia participativa, delegar aos cidadãos a discussão sobre todos os bens comuns, não apenas água ou energia nuclear.

2) Um elemento fundamental da crise é o voo sem controle das finanças, cada vez mais contrárias à economia real. Enquanto os intercâmbios comerciais caíram mundialmente 15%, as transações financeiras estão em contínuo aumento, já alcançando US$ 40 trilhões diários. As finanças não têm nenhum instrumento internacional de controle. A pressão das bolsas faz com que o déficit fiscal seja mais importante do que o social. Então, é imprescindível um primeiro passo urgente: cuidemos do déficit social como verdadeira prioridade. Impeçam-se os bancos de especularem com o dinheiro dos clientes, reduzindo, assim, a bolha especulativa. E limitemos os instrumentos especulativos em uso, muitos deles loterias arriscadas.

3) Estas duas crises colocaram de joelhos a cooperação e a justiça social internacionais. Contudo, em um mundo globalizado não se pode deixar que o mercado e o lucro operem sem controles. Sobre este ponto é preciso concretizar a proposta de um tributo sobre as especulações financeiras. Estas são tão grandes que bastaria um imposto de 1/10.000 para gerar 400 milhões de euros diariamente, a serem distribuídos entre as vítimas da crise, os desempregados, os jovens, o déficit social, de maneira proporcional ao tamanho de cada país.

4) Uma questão que interessa a toda a humanidade é a fome. Os dados sobre aquecimento global são claros. Porém, o governo norte-americano é prisioneiro de um Congresso que nega o tema e impossibilita todo acordo internacional. Entretanto, cresce uma nova categoria de refugiados: os ambientais. As Nações Unidas estimam que poderão chegar a 400 milhões dentro de 30 anos. E os que pagam a crise são principalmente os países mais pobres, tendo na primeira fila os africanos. Também a Europa se verá profundamente atingida por este problema. Então, exijamos dos parlamentos que cumpram os compromissos internacionais sobre a redução da dependência dos combustíveis fósseis, a introdução das novas tecnologias verdes, temas sobre os quais todos (menos, talvez, a China) estão profundamente atrasados. E peçamos aos cidadãos para reconhecerem que o atual modelo de desenvolvimento baseado no consumo não é mais sustentável e exige modificações em nosso estilo de vida.

5) Um assunto que jamais deve ser deixado de lado é o dos direitos humanos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), anualmente, mais de 12 milhões de pessoas são vítimas de organizações criminosas e forçadas a trabalhar em condições desumanas. E na Europa há, no mínimo, centenas de milhares de pessoas em condições de virtual escravidão. Sem uma política baseada na dignidade dos imigrantes, o crescimento da Europa não é possível e nem a manutenção do sistema de previdência social, já que a relação entre gerações diminuiu devido à baixa natalidade. Peçamos, portanto, que seja aberto um debate para gerar uma política de imigração europeia que saia dos genéricos lugares comuns aos quais o mundo da política a relegaram.

6) Uma última prioridade é devolver dignidade ao mundo do trabalho. Hoje em dia, os sindicatos representam mundialmente 12% da força de trabalho e são cada vez mais ilhas de defesa dos próprios associados. Dos trabalhadores do mundo, 80% carecem de assistência social. O desemprego entre os jovens é de 30% a 70% superior à média.

É preciso retomar os ideais da solidariedade e da responsabilidade entre gerações. Reforme-se o sistema econômico e fiscal para reduzir a brecha crescente entre os cidadãos que atualmente estão dentro do sistema e os muitos que estão fora, desprotegidos. É uma questão politicamente suicida e, portanto, mantida fora do debate. No entanto, se não for enfrentada, caminharemos para um mundo de sofrimento e penúria

Chegou a hora do compromisso, do sacrifício, do esforço comum e pessoal. Falta um Winston Churchill, que prometendo lágrimas e sangue conseguiu mobilizar seu país contra o nazismo. E falta também um Manifesto… Entretanto, temos muitos dados para saber que evitar esta realidade é um ato gravíssimo. E não bastará atribuir a culpa aos políticos. Nós somos igualmente responsáveis. Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS).