Ocidente, giro à direita ao compasso da crise

Foto: Reprodução/Internet
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Roma, Itália, novembro/2013 – Muito se escreveu sobre a arriscada gestão da dívida que colocou os Estados Unidos à beira da bancarrota, mas a principal conclusão que se pode tirar deste episódio é a capacidade de um grupo de lunáticos de bloquear a democracia.

Os parlamentares do movimento Tea Party, que obrigaram o opositor Partido Republicano a uma guerra sem quartel, não se preocupam com a reeleição.

A nova configuração dos distritos eleitorais favorece em grande parte os atuais legisladores, assegurando a reeleição dos senadores republicanos nos sete Estados sob completo controle desse partido. Nas eleições de 2012, os candidatos a deputados pelo Partido Republicano receberam, nesses sete Estados, 16,7 milhões de votos, enquanto os do governante Partido Democrata obtiveram 16,4 milhões. Apesar da ínfima diferença, a redistribuição de distritos se traduziu em vitórias republicanas em 73 das 107 cadeiras em disputa.

A direita radical possui uma máquina eleitoral muito superior à de seus rivais, financiada pelos irmãos multimilionários Charles e David Koch, que se propõem a acabar com os republicanos moderados, querem se desfazer do presidente Barack Obama e do Estado, e pretendem devolver aos norte-americanos um mundo onde o “sonho americano” volte a ser possível.

Porque o “sonho americano” se esfumaçou e o tecido político norte-americano anda pelo chão. Em cada eleição o número de eleitores brancos diminui em 2%, por isso é provável que o próximo presidente seja um democrata, enquanto, devido ao sistema eleitoral, os republicanos controlem o Congresso.

Os “pais fundadores” dos Estados Unidos estabeleceram um sistema de equilíbrio entre os poderes Legislativo, Executivo e Judicial, mas não puderam antecipar o nascimento do Tea Party.

Tampouco podiam prever que o Poder Judiciário acabaria profundamente politizado e que a Suprema Corte autorizaria o financiamento sem limites das campanhas eleitorais dos políticos “amigos” por parte de corporações e multimilionários, alterando os fundamentos da democracia.

Está claro que o Partido Republicano levou uma boa surra e pode ser que o movimento Tea Party não seja mais do que uma moda passageira. Mas a observação nos ensina que, ao contrário do mito que propaga a esquerda, as crises tendem a reforçar a direita.

Portanto, o Tea Party representa um sinal da crise dos Estados Unidos, que começam a se dar conta de que já não têm um destino excepcional, enquanto lhe foge a posição de única superpotência. A desigualdade social está crescendo rapidamente (a cada dia surgem três mil novos pobres) e o desemprego se tornou crônico.

O sonho de que trabalhando duro se pode chegar a ser milionário evaporou. A insegurança e o medo têm um papel importante na afirmação do Tea Party como movimento antissistema, antiglobalização, antiestatal e anti-imigrante. Mas esse fenômeno não se restringe aos Estados Unidos, observa-se em todo o Ocidente, onde o populismo não deixa de ganhar terreno.

Na Europa também havia um sonho: trabalho decente, uma vida estável, acesso a educação e saúde e estabilidade política.

Esse sonho está desaparecendo na medida em que avança o círculo vicioso da austeridade e do desmantelamento do Estado de bem-estar em todas as partes, com exceção parcial da Alemanha.

Os jovens são as vítimas mais visíveis desta “nova economia” e a sensação de insegurança e medo incentiva os homólogos europeus do Tea Party, que estão ganhando importância eleitoral em numerosos países.

Toda crise cria seus bodes expiatórios: hoje em dia são os imigrantes e, em particular, os ciganos. Todos os economistas concordam que a Europa precisa de pelo menos mais 20 milhões de pessoas para continuar sendo competitiva em nível internacional e que a atual população não será suficiente para garantir a viabilidade do sistema de aposentadoria.

Entretanto, nenhum governo se esforça para educar seus cidadãos sobre essa realidade. Pelo contrário, há uma tendência generalizada em restringir a imigração.

O simples fato é que, como demonstra recente pesquisa do Financial Times, os europeus perderam seu senso de solidariedade: 71% dos entrevistados pedem que o governo de seu país elimine os benefícios sociais concedidos a imigrantes de outros membros da União Europeia.

Quando perguntados se votarão em um partido antieuropeu, 19% respondem que sim. Isso significa que, devido a uma provável baixa na participação eleitoral, as eleições europeias do próximo ano criarão um Parlamento Europeu disfuncional, e isso proporcionará uma plataforma comum a todos os partidos populistas.

Serão os partidos tradicionais capazes de deter esse fenômeno? Não mais do que os republicanos nos Estados Unidos são capazes de ignorar o movimento do Tea Party, embora a tendência seja corroer a plataforma desses partidos.

O problema é que os 13 partidos progressistas no poder (dos 28 países da União Europeia) estão seguindo mais ou menos a mesma estratégia da direita e, naturalmente, as pessoas preferem votar no original e não na imitação.

Na verdade, os partidos de centro-esquerda estão submersos em uma grave crise e adotam políticas de direita, como reduzir o sistema de seguridade social, desmantelar hospitais e a educação acessível, e aplicar medidas de austeridade.

A falta de crescimento econômico reduz a redistribuição e a globalização neoliberal exerce uma pressão para baixo nos salários e nas condições de trabalho, enquanto o envelhecimento demográfico dessas sociedades e uma cada vez mais reduzida mão de obra jovem fazem com que as prestações sociais e as pensões sejam mais difíceis de serem mantidas.

As estatísticas sobre a crescente desigualdade social são assombrosas. Segundo a London School of Economics, regressamos aos tempos da rainha Victoria (1837-1901) em um espaço de 20 anos, dessa forma encerrando um prolongado período de progresso social.

O populismo preparou o terreno para Adolf Hitler e a injustiça social o terreno para Vladimir Lenin. A história não se repete, mas será interessante ver como uma nova solução surge dos mesmos problemas… Oxalá que sem o sangue e as lágrimas derramados pela humanidade desde a época da rainha Victoria. Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias IPS (Inter Press Service) e editor do Other News.