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Execução de Davis provoca mal-estar social

Atlanta, Estados Unidos, 3/10/2011 – Nos dias anteriores à execução de Troy Davis, aumentou a pressão, já significativa, sobre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e sobre o próprio presidente Barack Obama, que se negou a atuar no caso. No dia 21 de setembro, o Estado da Georgia executou Davis, acusado de matar o policial Mark MacPhail em 1989, embora nenhuma prova forense o indicasse como autor do disparo.

Após a condenação, sete das nove testemunhas de acusação se retrataram e duas implicaram outra pessoa como culpada pelo assassinato. Além disso, dois membros do júri que condenou Davis se opuseram à execução. A Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) pediu ao Departamento de Justiça que abrisse uma investigação por violação de direitos civis. “Entramos em contato com o Departamento de Justiça para ver se havia algum caminho legal a seguir, mas foi respeitado o procedimento adequado em todo o processo”, disse Hilary Shelton, a vice-presidente da organização.

“Se não falasse inglês, seria diferente. Poderíamos ter alegado que a defesa não foi boa, teriam surgido outras possibilidades”, afirmou Shelton à IPS. A NAACP manteve várias conversações com o Departamento de Justiça para encontrar uma forma para o governo intervir, contou. Depois de muita investigação, se convenceram de que a “única maneira de deter a execução era recorrer à junta de perdão e liberdade condicional ou a uma moção por parte da promotoria”, explicou.

Outras organizações pediram urgência aos seus membros para entrarem em contado direto com Obama. Na manhã em que estava prevista a execução de Davis, a coalizão Answer (Act now stop war and end racism – Atuar agora para deter a guerra e terminar com o racismo”) fez um apelo urgente. “As pessoas responderam enviando mais de 13 mil cartas nas primeiras sete horas do apelo, dirigidas a Obama e pedindo ao presidente uma investigação federal sobre violação de direitos civis no caso de Troy Davis e a suspensão da execução”, informou a Answer, após a condenação ser cumprida.

“Entretanto, Obama e o procurador-geral, Eric Holder, deram as costas e deliberadamente deixaram que tirassem a vida de Davis”, afirmou a coalizão. A organização também criticou a estratégia pré-eleitoral de Obama por pretender “acalmar a base política do Partido Republicano, em lugar de confrontá-la. Sabia que a execução de Troy Davis era um assassinato racista”, destacou a Answer, referindo-se a Obama. “Contudo, ele e seus assessores não quiseram gastar nem um centavo de seu capital político”, acrescentou.

Obama defendeu sua atitude, primeiro por meio de seu porta-voz, no dia da execução, e, dois dias depois, pessoalmente perante um pequeno grupo de jornalistas negros. “Desde a Assembleia do Estado de Illinois, Obama lutou para garantir a fidelidade e a justiça do sistema penal, especialmente quanto à pena capital”, afirmou o secretário de imprensa da Casa Branca, Jay Carney, horas antes da execução de Davis. “Não é apropriado o presidente dos Estados Unidos intervir em casos específicos como este, que se trata de um processo estatal”, acrescentou.

O site de notícias Redding News Review (RNR) informou que dois jornalistas que se reuniram com Obama no dia 23 de setembro disseram que o presidente mencionou o caso Davis. O governo indagou o Estado da Georgia sobre a situação. Mas a Casa Branca negou ter se envolvido de qualquer forma no assunto. “A comunidade negra foi abandonada por este presidente e creio que Davis é inocente”, disse à IPS o editor da RNR, Rob Redding, também apresentador de um programa de rádio.

Redding mencionou o caso do imigrante ilegal Humberto Leal García Jr., por quem Obama interveio tentando suspender a execução no Estado do Texas, para mostrar o duplo discurso do mandatário. A atitude de se negar a agir no caso de Davis, com o argumento de não interferir nos Estados é hipócrita, segundo Redding, pois Obama deu um telefonema ao Estado do Texas, embora em vão, pelo caso García em julho deste ano. “Naquela ocasião, o presidente e o Departamento de Justiça alegaram que García não teve acesso a intérpretes, o que está previsto em lei”, explicou.

O argumento de que o caso de García ganhou relevância internacional também não funciona neste caso, segundo Redding, pois no caso de Davis “o mundo olhava para a Casa Branca, para o primeiro presidente negro, para ver se agia”, acrescentou o editor. “Poderia ter dito ‘estamos atentos ao que ocorre na Georgia. Estamos preocupados. Ofereci o recurso do Departamento de Justiça às autoridades estaduais’. Poderia, pelo menos demonstrar que interessava um pouco mais a pena de morte em seu país”, disse Redding.

“Obama tinha uma ampla base legal para intervir”, disse à IPS a coordenadora de pessoal da coalizão Answer, Sarah Sloan. “Não é raro o Departamento de Justiça abrir uma investigação sobre violação de direitos civis em casos locais”, explicou. “Se Obama tivesse ordenado uma investigação, a execução seria retardada. Houve uma discussão a respeito. Não podia dar clemência, mas podia optar por essa outra via”, acrescentou.

Foi um caso de violação de direitos civis, pois as testemunhas reconheceram que houve pressão e coerção para que dessem falso testemunho, bem como havia outros elementos apontando como “um caso forjado, quando há abuso policial prévio ao processo contra um homem afro-norte-americano pobre”, insistiu Sloan. No entanto, Shelton afirmou que a NAACP avaliou todos esses ângulos com o Departamento de Justiça. “Tudo isso foi considerado. Queríamos isto. Infelizmente, não pudemos estabelecer um padrão necessário para que se abrisse uma investigação”, afirmou. Envolverde/IPS