O Sol começava a se pôr em meio às arvores da floresta e fazia um jogo de luzes nos corpos dos bailarinos que dançavam num palco a céu aberto. Como o cenário eram as montanhas, a coreografia fazia parecer que os corpos estavam suspensos no ar. Em alguns instantes, era como se o voo dos pássaros e suas vozes se mesclassem com a música e com o movimento daqueles jovens, que, vindos de diferentes países, se encontravam pela primeira vez ali.

Nesse ambiente, descobri algo totalmente inusitado sobre como ensinar o prazer de aprender. A ideia não tem nada a ver com o palco em si, mas com o que eu vi naquele momento: pode-se aprender biologia, história, física ou matemática de um jeito diferente, usando não apenas a cabeça mas também o corpo.

Na semana passada, fui conhecer esse laboratório que integra dança e natureza, instalado numa fazenda chamada Jacob’s Pillow (O Travesseiro de Jacó), numa região montanhosa de Massachusetts.

Por causa de suas experimentações desde o começo do século passado, o local atraiu os maiores nomes da dança, como Pina Bausch e Baryshnikov. O alemão Joseph Pilates, na década de 1940, quando ninguém sabia o que era Pilates, já desenvolvia experimentos ali.

São vários galpões, pequenos estúdios e palco espalhados pela fazenda onde grupos de dança do mundo se apresentam e ensaiam, sem distinção de estilo. Juntam-se desde os balés da Broadway até os balés clássicos da Europa, passando por grupos da África ou da Índia.

Nesse ambiente, pode-se encontrar, num dos galpões, um músico como Yo-Yo Ma inventando um arranjo para um balé ou alguém tentando reinventar os passos do samba. Neste ano, a fotógrafa-celebridade Annie Leibovitz expôs num dos galpões seu arquivo de décadas de registro de corpos em movimento.

Dessa vivência com a dança surgiu uma experiência em escolas públicas das redondezas, batizada de “currículo em movimento”.

Eles se perguntavam o que poderiam fazer para ajudar os alunos a ter mais interesse pela aprendizagem. “Só sabemos dançar, mas não queríamos ensinar a dançar, isso seria repetitivo”, conta J.R. Groover, responsável pelos projetos educativos do Jacob’s Pillow, até então focados no grupo de jovens de todo o mundo selecionados todos os anos para passar ali o verão aprendendo com artistas e coreógrafos durante o Festival de Dança. Chega-se ao requinte de ensinar design de luz para produção de espetáculo. É o que vem aprendendo o único brasileiro selecionado, Henrique Fonseca, que, em Belo Horizonte, trabalha com o grupo Mimulus.

Mas esse pessoal vai embora depois do verão. Buscava-se algo na própria comunidade e que fosse, na sala de aula, tão inovador como o que se faz nos palcos.

Foi aí que veio a ideia de descer do palco e fazer do corpo um jeito de ajudar a compreender problemas complexos nos mais diferentes assuntos, como matemática, biologia, física, história ou geologia. “Mas não sabemos o suficiente dessas matérias”, conta Glover.

Então, conversaram com os professores para entender o que se tenta ensinar numa aula de genética. Dos conceitos surgiam ideias de movimentos, construídos em conjunto com os alunos.”O que sabemos é criar gestos com base em um conceito ou em uma história”, diz. O jeito como as proteínas circulam comandando o corpo do piscar de olhos às emoções é fonte suficiente de inspiração. Numa aula de geologia, buscou-se criar o fluxo do óleo jorrando.

A música, por exemplo, segue a lógica matemática, traduzível nos gestos inventados pelos alunos.

Fica muito mais fácil entender a escravidão tentando traduzir no corpo o sofrimento dos escravos do que por meio de nomes ou datas -aliás, a fazenda onde hoje funciona o projeto de dança foi um refúgio de escravos. “A chave é o coreógrafo trabalhar em conjunto com o professor da matéria”, afirma Glover.

Trabalha-se, assim, o sofisticado conceito de inteligências múltiplas, que virou de cabeça para baixo o conceito de QI. A relação espacial, o modo de trabalhar o corpo, expressa inteligência.

A experiência está completando dois anos e já há sinais interessantes. Os alunos submetidos ao aprendizado pela dança revelaram, nas provas de suas matérias, maior facilidade de apreensão dos conceitos.

Nesta época, em que se valoriza tanto a tela do computador e a “cabeça”, é uma brisa num dia quente ver uma experiência que faz do movimento do corpo um jeito de aprender pela emoção e pela beleza.

PS – Neste ano, eles lançaram um projeto interativo pondo na internet imagens das apresentações, algumas das quais verdadeiras raridades que nunca tinham sido mostradas. Num dos debates, apresentou-se também um aplicativo para celular com coreografias. Esses projetos podem ser vistos no catracalivre.com.br.

* Gilberto Dimenstein é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, comentarista da rádio CBN, e fundador da Associação Cidade Escola Aprendiz.

** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.